sábado, 23 de março de 2019

O espelho


No rosto a flor queimada da madrugada,

A sombra voadora do silêncio inanimado,

Os sopros dos corpos amachucados,

Quando a minha voz, cansada, trémula… se desfaz,

Em pequenas gotículas de geada,

O triangulo, o quadrado,

A canção revoltada,

Pelas palavras,

Do nada.

A boca silenciada,

Para mim, tanto faz,

Que seja de manhã, anoitecer…

Ou nada,

No rosto, as lágrimas dos telhados,

Nas sílabas incendiadas por um louco,

De tudo, nada,

Ou pouco.

A geada madrugada,

Os camuflados sorrisos do nada,

Coitados,

Tanto trabalhar,

Tanto amor,

Que de uma flor,

Vê-se o mar

E o nada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

23/03/2019

sexta-feira, 22 de março de 2019


O sorriso. O silêncio que habita o sorriso, camuflado na montanha da solidão, o abismo da tristeza embainhada no clitóris da paixão, quatro paredes em suspenso, o sofá com o desenho do meu corpo, ele, dorme,

Hoje é um dia triste, diz ele em frente ao espelho do sofrimento, da horta regressam os pássaros moribundos, capazes de fazer amizades em qualquer situação,

Não.

Não o encontro, abro as janelas, abro todas as portas e todos os telhados da minha pobre casa, mas ele não está, dorme

Hoje há tripas.

Dorme como o silêncio que habita o sorriso, e as estátuas parecem o meu corpo antes de acordar, mórbido, cansado de sonhar, triste, também ele,

Hoje,

Não.

Pego num livro, folheio-o e encontro finalmente a amizade, três palhaços, uma pequena tenda de circo e uma contorcionista escreve poesia nos lábios dos espectadores impávidos, ciumentos, capazes de gritos histéricos ao cair a noite,

Hoje?

Hoje, não, meu amor…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

22/03/2019

quinta-feira, 21 de março de 2019


Sabia que a noite trazia o perfume da luminosidade das praias em flor, sobre a secretária, uma simples folha de papel, uma caneta de tinta permanente e um copo inventado, com uísque, também inventado, e duas pedras de gelo,

Posso?

Detesto que batam à porta do escritório, aborrece-me, não me dá prazer, enquanto brinco com as pedras de gelo, e me interrompem,

Posso?

Porra.

Entre.

Sempre a mesma coisa, que os pássaros, durante a tarde, não poisaram no nosso jardim…

Mulher chata!

Enquanto derretia o gelo, no uísque inventado, dentro do copo inventado, semeava palavras sobre a folha de papel, alguns livros, não muitos, olhavam-me e pareciam que queriam comer-me,

Já imaginaram alguém ser comido por um livro?

Posso?

Porra.

Entre.

O sono cansado, a cama ainda por fazer, o jantar ficou em cima da mesa-de-cabeceira, como alguns livros que dormem por lá… e, tinha entre os dedos, finíssimos tons de cinza, resultado dos dias sem dormir,

Detesto,

Jardim,

Posso?

Não. Não podes…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/03/2019

O visitante desamado


Não tenho tempo para amar.

Amar o não amado, quando o desamado, triste, parte junto com a morte,

Pertinho do mar,

Uma flor em transe, vai habitar o meu jardim,

Coitado do poeta, desamado, sem sorte…

Ouvindo os berros do clarim.

 

E das palavras, construo farrapos,

Farrapos que que agasalham,

Gritam,

Morte ao amor.

 

Ponto.

 

Travessão.

 

O visitante da minha sepultura, de vela no coração, e flores no sorriso,

Escrevo um conto,

Estendo a mão…

E aparece nos meus lábios o juízo.

 

Porque me bates à porta?

 

A casa vazia, sem janelas para a ribeira,

O silêncio pendular da paixão,

Descendo,

Subindo,

Malditas escadas sem corrimão,

Sem beira nem eira,

O desamado, mentindo,

Que ama a flor, aos poucos tombando.

 

No chão argamassado.

 

Amar?

Não. Obrigado.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21 de Março de 2019

terça-feira, 19 de março de 2019


Não sei, meu pai, não... sei,

O frio entranhava-se-lhe nos ossos fictícios de pequenas partículas de desejo, António inventava fogueiras no olhar, esfregava as mãos como se de uma reza se tratasse, mas não, a rua deserta deixava-lhe suspenso nos ombros um fino silêncio de noite, imaginava vãos de escada em cada esquina, desenhava na geada pequenos quadrados, depois, de pé ente pé saltitava como a queda de uma folha,

Um cigarro adormecia-me a alma, reclamava ele quando dois adolescentes se abraçaram a ele

E ele?

Incrédulo,

Vocês. Aqui?

 

 

In “Amargos lábios do poema”

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 18 de março de 2019

O silêncio.


Entre as mulheres, o crucifixo da paixão,

As sílabas na rebelde tarde poeirenta,

Esperando o regresso do rio Doirado.

As palavras milagrosas, nas mãos do peregrino,

As lágrimas, tenebrosas,

No rosto do pobre menino…

Escrevo-te esta canção,

No papel pardo, que alimenta,

E respira,

O meu corpo cansado.

E, o vento me atira,

Todas as pedras da montanha,

Ninguém me apanha na escuridão…

Sofro, a morte aparece suspensa nas paredes da aldeia,

Tenho uma ideia,

Um dia, um dia deitar-me no chão,

E sonhar-te enquanto caminhas em direcção ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 18/03/2019

domingo, 17 de março de 2019

Corpo de incenso


No futuro, amar-te-ei?

Escrevo-o no teu corpo de incenso.

 

A escravidão de amar.

 

STOP.

 

A carta que nunca recebi,

As palavras tontas, esfomeadas, que enviaste da cidade,

As ruas íngremes, sonolentas e cansadas…

 

Como eu, o assalariado poeta das noites perdidas,

Sentir no corpo o peso da tua sombra,

Quando descem sobre mim os candeeiros a petróleo,

Imaginados pela loucura,

Numa tarde de Primavera.

 

A morte.

 

A sorte de morrer, sem o sentir,

Sentir a morte, sem morrer,

Nos livros,

E, palavras.

 

O fim.

 

No futuro, amar-te-ei?

Escrevo-o no teu corpo de incenso,

O lanche envenenado pela solidão,

O pão,

O sorriso do teu cabelo,

Nos jardins de Belém…

 

A partida.

Para sempre; a morte, da morte…

Na morte.

 

E, as palavras.

 

As palavras da morte.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17 de Março de 2019