sábado, 26 de agosto de 2017

O homem invisível


Dizem que sou o homem invisível,

Sentado numa mesa invisível,

Desenhando na sombra quatro cadeiras invisíveis…

Estou numa esplanada invisível,

Num bar “Mercado” … também ele… invisível,

 

Solto-me das amarras de vento,

Liberto-me das searas perpendiculares ao quadrado da hipotenusa…

Brinco com um velho copo de uísque,

E o invisível homem cresce na praia da areia branca,

Está noite, meu amor,

Tenho nas mãos os três livros invisíveis que me ofereceste pelo Natal…

E sinto que todos os Natais são invisíveis…

 

Tenho saudades do meu pai,

Abraço a minha mãe durante a tempestade, somos fortes, e vamos resistir a este caos invisível…

 

Sabes, meu amor…

 

Nunca poderás beijar este homem invisível,

 

Filho das cavernas,

Homem dos barcos de papel navegando no Oceanos invisível da madrugada risível,

Agacho-me, sento-me no teu colo, meu amor, e tenho medo dos furacões com olhos de serpente, e tenho medo de perder-te neste bar invisível.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26 de Agosto de 2017

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O sono utópico


Não sei o que te diga,

O sono utópico na displicência da ignorância,

Cansaço, muito, agreste e triste,

Triste e alegre do cansaço absorvido no dia sem fim…

Conto os segundos, conto os minutos… e perco-me nas horas mortas, sem destino, nas palavras, e, e nas searas envergonhadas,

Desconfio que fui atropelado por um poema sem nexo, idade… ou cidade,

Dispo a farda, poisa a arma de papel sobre a secretária, pego novamente na arma e disparo… e sinto a cabeça cravada no espelho do quarto,

Estou parvo, hoje, cansado, hoje, farto das palavras, e farto dos livros,

Não sei o que te diga,

O sono,

O tédio,

Casa assombrada e a arder de febre,

E o sofrimento nas mãos…

(estou parvo, hoje, meu amor).

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Agosto de 2017

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O exilado corpo da paixão


Vivo exilado neste corpo cansado,

Tenho as rugas do desejo estampadas nas mãos calejadas pela velha e imaginária enxada,

Os socalcos lá longe, dormem profundamente na sombra de um rio,

Navego em ti, minha querida, até que regresse a morte e te leve para longe,

Imagino-me sem ti, um grande desassossego, uma longínqua e inerte sentido de não liberdade,

Perdido na cidade, esquecido na paragem do eléctrico, só, sem ninguém…

 

Sei que um dia vamos estar todos juntos… mas isso, mas isso é quando?

 

O rosto cremado na lixeira da paixão,

A sombra enigmática do sorriso ao acordar, distintas portas de saída…

E da rua, o silêncio fumarento dos cigarros envenenados pela tua dor,

 

Vivo,

Sou um exilado da solidão,

Entre pássaros e as abelhas desgovernadas do teu coração,

 

E amanhã será um novo dia, de luta, e da pele incinerada do abismo…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 23 de Agosto de 2017

domingo, 20 de agosto de 2017

As árvores dos teus braços


Navego nos teus alicerces de prata,

Sinto o término do dia, é triste, meu amor, a despedida da luz vadia…

Quando tenho nos braços o cansaço da solidão, meu amor,

Navego sem destino, desorientado, sem leme… nem rumo certo,

Trago no peito a lança cravada pela noite, meia-noite aqui, meu amor,

E das sanzalas de veludo o cheiro dos meninos brincando na areia…

A prezada manhã enraivecida pelo tédio, o sol distante de nós,

E lá ao fundo os barcos de papel…

Navego nos teus alicerces de prata,

Sonâmbulo nocturno das cavernas,

E dos pequeninos charcos de incenso… voando em direcção ao rio.

Escrevo-te todos os dias, minha sombra de parede,

Olho-te no espelho da tarde, e sabes, meu amor, amanhã mais um dia de tristeza,

Carregado de sangue nas algibeiras da coragem,

Amanhã, meu amor, amanhã entras pela janela e correrás dentro de mim…

Líquido da madrugada, fantasma da alvorada…

Navego,

Acesso ao teu coração…, e observo um cadáver de lata lutando contra um braço de mar…

Esperança, a distância dos perfumados destinos, assim, assassinados pelo tempo, escuro, deserto, e áspero…

E as árvores tombam nos teus braços, meu amor, tombam nos teus braços.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20 de Agosto de 2017