sábado, 15 de abril de 2017

Embalsamado pelos relógios em suicídios soluços


Deixo o meu corpo poisado na ribeira da solidão,

Suspenso no pesadelo da morte

Caminho pelas montanhas semeando espadas em granito…

E recordava a ruidosa noite dos corpos ensonados,

O cais onde habitavam os meus barcos parece uma cidade sem nome,

Distante da madrugada,

Descendo o rio até ao mar,

As gaivotas envenenadas pelas palavras amargas do teu sorriso,

E envelheci antes do teu regresso,

Vou à janela e sinto o raiar do amanhecer dentro de um livro apodrecido pelo tempo vazio da escuridão,

O amor não dorme mais,

Acorda-se enquanto as minhas mãos apalpam o olhar das tuas pálpebras nas paixões dos comboios entre sucata e pequenas miudezas, a algazarra dos teus gemidos inclinados no sótão dos cigarros inacessíveis nas nocturnas avenidas do desassossego,

Sou um palhaço embalsamado pelos relógios em suicídios soluços, uma arvore recheada de lentidão, a traição do corpo poisado na ribeira da solidão,

Tragam-me o escuro poema com asas em papel, tragam-me a rapidez dos alicerces do vento antes de apodrecerem as pontes imaginárias, e foi-se a idade, deixei de pertencer-te…

Deixei de amar-te.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15 de Abril de 2017

terça-feira, 11 de abril de 2017

É quase noite e vejo-me enrodilhado de palavras


O dia vai longo, meu amor,

É quase noite e vejo-me enrodilhado de palavras órfãs que se masturbam junto à paragem do eléctrico,

Dos poucos livros que me restam apena o “fugitivo” ficou a acompanhar-me,

Dizem todos que sou louco, meu amor,

Porque gosto mais de brincar com as palavras do que jogar futebol na areia da parai, onde em criança, esquecia-me das tardes no Mussulo,

O destino vingou, das minhas mãos deixou de haver areia húmida e pedrinhas… que deitava escrupulosamente para um balde em plástico e depois enchia os bolsos de recordações,

O teu olhar, meu amor, na ausência das pálpebras incendiadas pela escuridão,

Ao longe um comboio recheado de crianças e palavras,

Barulhentas, brincalhonas como são as árvores no Outono, diariamente sinto no corpo o dardo envenenado dos teus lábios, quando sei perfeitamente que o amanhã não existirá mais…

Hoje pertenço-te…, hoje pertenço-te e pertenço-me, somos dois catetos galgando as tristes paredes de xisto da tua boca, vim de longe, segredei-te sem perceberes que eu te mentia, nem à hipotenusa consegues chegar… quanto mais a cateto…

Ou a triângulo rectângulo…

O dia vai longo, meu amor,

É quase noite nos meus olhos, e lá fora uma velha cancela geme, os pregos enferrujados, as ripas entrelaçadas num emaranhado de sombras regressadas do Além…

Roço-me no teu corpo e morro.

Abraço-te.

Sem dizer ou escrever que te amo…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11 de Abril de 2017

domingo, 9 de abril de 2017

A casa dos espirros


Vagabundos,

Sonâmbulos

Cromos

E outros cromados,

Assim avança a vida do poeta…

Sobre a janela da solidão,

Desamados,

Triângulos de prata no papel amachucado

Correndo pela paixão na juventude das pirâmides sonolentas,

Vagabundos,

Sonâmbulos

Cromos

E outros cromados,

Enigmáticos circos de terra em terra,

Palhaços,

Candidatos a palhaços…

Num empobrecido poste de iluminação,

A forca miserável do inventor

Entre círculos e cubos de sombra…

A inquietude neblina que assombra a mão

Do palhaço candidato a palhaço,

As bocas de esperma descendo a calçada

Até se sentar junto ao rio,

Ouvem-se os socalcos do amanhecer

Quando as enxadas do prazer batem no xisto esfarrapado,

O circo não tem fim,

O fogo adormece as almas dos condenados,

E sobre o papel amachucado…

A casa dos espirros,

Os vampiros telhados das cidades em chamas…

Tudo arde no teu olhar

Como arderam as minhas palavras nas náuseas do sono…

Ergo-me,

Faço-me vagabundo como eles…

E vivo apaixonadamente no cubículo da idade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 9 de Abril de 2017