Dos
murmurados alpendres onde me arrumavas os braços e as pernas depois de me
usares,
Acordavas
cedo, puxavas as cordas da noite e começava a clarear o dia, inventavas
Descobri
tardiamente
Que
inventavas os dias só para mim, como o jardineiro quando sente que uma fina
pétala se desprende do esqueleto da Cinderela e também ele, inventa as espinhas
que sobejaram dos peixes de madeira que a filha fez numa das aulas de Trabalhos
Manuais, ele aprendeu a pregar botões e a fazer uma simples instalação
eléctrica, e com algumas picadelas nos dedos de areia
Descobri
tardiamente que não tinha jeito para invenções,
De areia
como as línguas de fogo que começaram a descer dos telhados de vidro das casas
dos mais enlouquecidos pasteis de nata, do Rossio até Belém, aproveitando o
vento e o sabor a morango do rio, a cidade ia ficando-se
Como tu
antes de inventares esse maldito espelho onde te olhas ao acordar, a janela do
dia de ontem, onde vês o restaurante encerrado por falta de clientes, as cadeiras
vazias onde se sentavam as galdérias noites e candeeiros a petróleo que a
cidade rejeitava, ouvíamos um banco de jardim a passear junto à Torre de Belém,
fumava cigarros de enrolar, tinha na cabeça um pano vermelho, e era alimentado
por painéis lunares, e
Saltitava-lhe
da voz
Todos
Todas Adivinhos,
A
rouquidão do prazer quando os mamilos da Cinderela, colorida com os lápis de
cor da miúda, a filha da Rosalinda, chegava da escola, e poisava a mochila no
pátio de gelo em frente ao pindérico jardim onde brincava um casebre
empobrecido, de lata, e um olho em xisto, E
E
Saltitavam-lhe
da voz as laranjas podres e os limões sem as palavras que tu
(Inventas
no espelho, e no caixilho onde dorme o espelho, inventas no prego, onde
penduras o espelho, e na parede, inventada por ti, inventas na sombra que
escurece no espelho, onde te olhas, onde fumas, no cigarro inventado, pela
secura do silêncio agachado no pavimento ósseo com ripas de fumo e pedacinhos
de suor da tua pele perfumada, na água inventada, inventas com as tuas mãos as
calibradas pálpebras (de) (da) madrugada, perdem-se nos sossegados momentos de
literatura dentro da esplanada vestida como as roupas por ti, inventadas
Todos
Todas Adivinhos).
In
“Noites de mim”
Francisco
Luís Fontinha