sábado, 16 de abril de 2016

Túbia


túbia dos lábios em cromados beijos

a fúria da tempestade alimentando o desejo

que se perde num olhar

não vejo o silêncio

não sinto o mar,

túbia do cansaço alicerçado à escuridão

um simples gesto

um simples poema

túbia do deserto quando a noite morta

invade a solidão dos musseques floridos

túbia da morte em circunferências loucas

finge-se a sorte

das planícies do medo

arrebata-se a sombra sobre os cadáveres do degredo

entre rochedos

e penedos

que apenas a ondulação da insónia sabe abraçar,

túbia meu do alimento proibido

que travestido de Inverno viaja de cidade em cidade

túbia sentido as pálpebras quebradas

do triste sino

das lamentáveis madrugadas.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 16 de Abril de 2016

sexta-feira, 15 de abril de 2016

A morte de um esqueleto


Tenho medo. A noite traz os esqueletos da insónia, perfilam-se em frente ao meu quarto, e sei que brevemente haverá uma revolta.

Tenho medo,

À minha volta brincam as flores da Primavera, loucas, loucas como as serpentes bronzeadas dos dias sem escrever,

Das palavras, o silêncio da madrugada que acorda embriagada,

Tonta, alimenta-se das minhas mãos como se alimentam os pássaros dos meus sonhos, medo, tenho medo.

Tenho medo da noite,

Do sifilítico cansaço da espuma do mar,

Dos barcos encalhados junto aos esqueletos, em frente ao meu quarto,

Fujo deste esconderijo,

Fujo desta cidade amaldiçoada pelo vento…

Medo.

Sinto o peso do xisto sobre os meus ombros,

E o bolorento desejo guardado na minha algibeira,

Tenho medo,

Sim,

Sinto a maldição das Calçadas que dormem no rio,

Sim,

Sinto a solidão das manhãs a olhar para o infinito, assim, assim como olham os esqueletos em frente ao meu quarto,

O peso da lua,

O peso do medo abraçado à lua,

Do medo,

Hoje, hoje acordei desconectado das sílabas do prazer,

As flores do meu jardim, tristes,

As bananeiras do meu jardim, contentes,

E os esqueletos que habitam em frente ao meu quarto…

Ausentes,

Diminutos segundos de lentidão,

O medo.

Sinto.

A lentidão dos ossos dos esqueletos em frente ao meu quarto, homens, mulheres, crianças, plantas e alguns animais de estimação,

Um cartão de cidadão grita,

Zurra,

Pimba…

E morre de overdose,

Sei que sim,

Sei que este medo pertence à neblina da minha terra, sei que este medo pertence às desavenças cotidianas, embargadas sonolências das noites em papel,

O medo,

No medo,

Sinto.

Sinto a sombra do meu esqueleto de vidro,

Sinto a sombra do meu cabelo quando chove torrencialmente no meu olhar…

E regressa o medo,

A morte,

A morte de um esqueleto.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 15 de Abril de 2016

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Noite geométrica


A desordem das coisas

Quando as roldanas da saudade invadem a noite,

Levam-me o sono,

Levam-me a alegria dos sonhos

Enquanto lá fora a ténue madrugada grita sozinha.

Não.

Avisto os rochedos cravados nos socalcos da insónia,

Visto-me de branco,

Alimento-me das palavras semeadas pela enxada da solidão, amanhã,

Um pedaço de terra tapar-me-á como se fosse um lençol de linho,

Branco e fino,

Com desenhos abstractos que só eu consigo ler,

Não.

A hipotenusa acorrentada à tangente do sofrimento, o seno do desejo, algures encurralado dentro do triângulo rectângulo, e um vício de seda entranha-se no teu corpo,

A geometria da ausência sente-se nos teus lábios,

A recta do amor escondida na mão dos cristais de prata,

Não, não, a fotografia minha despede-se do silêncio,

Oiço os apitos,

Oiço os navios que partem para o desconhecido,

Não. Não.

A desordem das coisas

No limite da escuridão,

O alpendre submerso pelas abelhas que procuram a minha fotografia, não, não preciso de mel, não, não preciso do mar e dos rios sem nome,

Porque amanhã, um pedaço de terra tapar-me-á como se eu fosse uma pedra sonolenta, triste, recheada de olhares sem amanhecer,

Não.

Não.

 

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 14 de Abril de 2016

terça-feira, 12 de abril de 2016

Amores de papel com lábios de algodão


Deixei de contemplar o teu perfume.

Ausento-me desta cidade de espingardas envenenadas

Que assombram o meu sorriso,

Procuro-te, procuro-te na ânsia de encontrar a tua sombra

Nos buracos da noite, procuro-te sem saber se existes nesta cidade de espingardas envenenadas, mesmo assim, eu não me canso de te procurar,

Desenho-te. Escrevo-te sabendo que não consegues ler as minhas palavras.

Amanhã acordarei na preguiça do amanhecer, novamente te vou procurar, aqui, ali, em qualquer lugar…

Não sei, não sei se existes,

Não sei se és real como as árvores no final do dia, encolhem os braços e dormem, dormem acreditando, também elas, que existes algures nesta cidade,

Mas não acredito na tua presença,

Imagino-te sentada num qualquer jardim esperando por mim, imagino-te sentada junto ao rio esperando por mim, mas enquanto vou ao rio e ao jardim, nada, nada da tua presença,

Desisto?

Desisto.

Sigo viagem, vou à procura do meu caderno preto, vou à procura da areia finíssima do Mussulo onde brincava com os outros meninos, também eles, esquecidos, sucata, velharias à porta de uma taberna,

Estou só, estou só enquanto escrevo, não sei se existes…, mas…, mas não quero a tua presença enquanto escrevo,

Lamento-me,

Lamento-me dos confins da lixeira dos sonhos, invento amores de papel com lábios de algodão, sinto-o, sinto-o

Sinto-o na minha mão como um fidalgo desempregado, triste e vaiado numa noite junto ao mar, amanhã, talvez,

Talvez existas nos meus aposentos de criança, amanhã, talvez existas nas pedras circulares dos Oceanos abandonados,

Desisto?

Desisto.

Esqueço-me de ti,

Recordo a liberdade de viver sobre este cansaço de aço,

Recordo a ardósia onde escrevia poemas só para ti, mas tu, tu não existes,

Pareces a morte,

O silêncio disfarçado de morte,

E depois

E depois deixei de contemplar o teu perfume.

 

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 12 de Abril de 2016

segunda-feira, 11 de abril de 2016

O falhado cadáver de silicone


Sou um falhado

Inventor de sonhos sem solução

Mendigo

Cansado

Farto de ouvir esta canção,

 

Sou um falhado

Diplomado em escuridão

O amor se ama

Amar não amando

Um triste e pobre coração,

 

Sou um falhado

Um transeunte que teima em se esconder

Não sei de quê

Nem de quem…

Mas aos poucos fico sem palavras para escrever,

 

Restam os livros deste falhado

Que sou eu

Criança sem Pátria

Um apátrida revoltado

A caminho do Céu,

 

Sou um falhado

Um cabrão à porta da morte

Bebo

Fumo

E espero pela sorte…

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 11 de Abril de 2016

domingo, 10 de abril de 2016

As máscaras


Assim permaneço inconstante

Neste lugar habitado pelos silêncios das amoreiras

Finjo ser feliz porque minto

E mentir faz parte da minha solidão

Fujo

Regresso

Permaneço inconstante na plenitude dos teus braços

Amargo sofrimento das fotografias onde morres

E sofres

Nesta cidade de sonâmbulos

O espelho da insónia

Pregado ao meu corpo

Assim permaneço inconstante

Com medo

O sofrido doente

Neste esconderijo

Fiquei desanexado do presente

Fugitivo da morte

Hoje não sei se te amo

Talvez nunca te amei

Porque o amor é-me estranho

Um ser prepotente

E ausente

De mim

Um esqueleto de palavras incertas

Uma máquina de roldanas fictícias

O livro em acabamento

Com todas as suas personagens

Lá fora

Meu amor

O nada

A absurda escuridão vestida de mar

O semáforo da paixão entre verdes e encarnados

Paro

Inclino-me para o desassossego

As manhãs dos teus lábios

Argamassados pelo colorido beijo

O livro vive

Dentro de mim os parafusos da melancolia

As porcas do cintilante pássaro da madrugada

A paixão novamente no ventre da solidão

Que o tempo há-de levar

As ruas desertas

As casas invisíveis

Como gargantas em granito

Procurando o pôr-do-sol

Ausento-me de ti

Sei que amanhã estarás a ler a minha lápide

Amaste

Não amei

Desamaste em poucas horas

Para voltares aos meus braços

O caminho deserto do silêncio

A rua sem transeuntes envergonhados

Amo-a sem o saber

Ou querer

O sítio esquelético da minha sombra

Em busca do privilegiado tesão do amanhecer

Durmo

Ajuda

Ajuda

A calçada dos ventres desventrados dos destroços de prata

Amo-te

Sem saber a razão

Cintilam em mim os terramotos da lentidão sonolência da sorte

Ausento-me

Corres

Amas-me como eu amo estes livros

Estes cadernos

Estas sebentas encurraladas na escuridão

Regressa o sono

Regressa o desejo das Calçadas envidraçadas pelo engate de um puto

A ressaca

A ressaca dos amigos

Quando ninguém habita o meu coração

Sem ajuda

Com Ajuda

Belém enraizada no meu corpo

Nos meus ossos

Na minha boca entrelaçada nos teus seios

Pássaros

Árvores

E gaivotas

Nos meus restos mortais

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 10 de Abril de 2016