sábado, 16 de janeiro de 2016

Clarissa

Clarissa, meu amor, viver nesta quinta é um pesadelo, sempre a olhar o rio, sempre o rio a olhar para mim, como se eu fosse um sem-abrigo, um “cabrão” diplomado, de fato e gravata, engatando gajas em Cais do Sodré,
E tu, meu amor, Clarissa, sabes que a minha vida está por um fio, esta maldita doença levar-me-á até aos teus braços, aos teus beijos, e esta maldita
Levanto-me, olho-me no espelho encurralado na insónia o meu rosto de cadáver, sinto muito, morreu…os dias despidos nas aventuras das tuas coxas, os dias libertos da prisão do Adeus, ontem, sabes, meu amor, Clarissa? Apaixonei-me pela razão, e sabes, meu amor, Clarissa, tu pertences aos pássaros do meu jardim,
E esta maldita morte que não me larga, três drageias ao pequeno-almoço e uma ao deitar… amanhã está como o aço,
Enferrujado, penso como se estivesse a conversar de futebol com o Joaquim, sempre o melhor, e eu que detesto futebol, e eu que detesto futebol… se fossem gajas de Cais do Sodré?
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Janeiro de 2016

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

As quatro esferas da saudade


Tenho na mão

As quatro esferas da saudade,

Silencio no meu peito este empobrecido coração

Com janelas para a madrugada,

Vejo a cidade,

Oiço os passos revoltados descendo a calçada,

Tenho na mão a pedra do silêncio envelhecer

Que me vai matar,

E depois de morrer…

O meu corpo será lançado ao mar,

Como uma jangada fundeada no desejo

Dos lábios o doce beijo.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 15 de Janeiro de 2016

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Da noite e do luar


Flutuo sobre os lábios cinzentos da sombra,

Sinto a ferrugem da saudade a entranhar-se nos meus ossos,

Pareço uma velha peça de aço no interior de uma qualquer sucata…

Esperando o embarque,

Alicerço-me aos braços da solidão

Como se eu fosse uma estátua em granito

Tombada no chão,

Esqueço-me da noite e do luar,

Esqueço-me do dia e da majestosa manhã junto ao mar,

Flutuo…

Invento coisas com pedaços de papel

E sorrisos escondidos na penumbra madrugada,

Invento coisas com pedaços de papel

E Invernos desgostosos que nunca mais acabam…

Como o meu corpo desaparece

Quando abro a janela…

E a saudade desembarca no meu peito.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 14 de Janeiro de 2016

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016


Ele desaparecia do meu imaginário, acendiam-se os holofotes da glória e da fortuna, ao longe o comboio deslizava suavemente sobre o pavimento improvisado quando da montagem dos milhentos ferros e ferros e companhia falida, aproximava-se do banco de jardim onde me sentava, sentia

Ouvia-se perfeitamente o cheiro do rio dentro das clarabóias das paixões proibidas pela loucura, das flores felizes, e infelizes, a tristeza

Aos trambolhões da nuvem número três, tempos depois, privatizada, deixou de chover, morreram todos os comboios e todos os circos e todos os jardins, ele, e

E docemente colocava a sua cabeça no meu ombro esquerdo, eu, eu sorria, e desacreditava-me que seria possível encher todo aquele espaço, e minutos depois,

Morreu,

Não sabia, sempre pensei que tinha sido privatizada,

E paz à sua alma,

Amém,

Os rios?

Não me digas que os rios são de pedra, porque, não o são, não, não me digas que a fome é invisível, porque, não o é, não, não me digas que o teu corpo é inacessível, como uma janela altíssima, quase junto à lua, porque eu não acredito que ele esteja tão longe de mim, não

(é atarde ainda para pegar na tua mão)

Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não

(imerso nas profundezas da tristeza que a tarde aproxima com a ajuda do vento, imerso nos cabelos das nuvens sabendo que não existem nuvens, e pergunto-me, o que tenho eu nos meus lábios? Qualquer coisa estranha e parecida com os cabelos de um ser humano, com esqueleto e na boca sinto-lhe pequenos orifícios, cavernas melhor dizendo, e escrevendo, e dizem-me que não podem ser lábios porque não existem lábios nas nuvens, E, E se não foram nuvens que o vento trouxe? Que trouxe então o vento? E se em vez de tristeza, não, não são profundas nem tristes..., E se forem? E se a água da chuva forem as lágrimas de Deus?)

Não, Não o são, porque se o fossem, eu saberia, não, não me digas que hoje é terça-feira, porque não o é, porque se o fosse, eu, eu estaria completamente quilhado, pois era hoje que partiria para a eterna viagem de barco para o longínquo

(de pedra, os rios?)

Oh minha querida, como poderiam ser de pedra os rios..., como caminhavam os barcos no interior das pedras? Não, não o são, não...

(e o mar, meu querido?)

Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não, e, no entanto, é tarde e eu sem entrar em casa, e, no entanto, caminho sobre um rio que se tu não estivesses ao meu lado, juro, com medo que me oiças, dir-te-ia que o rio onde caminho é de pedra sim, sim o é, mas não o digo, para não o ouvires, porque vais logo dizer

(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!)

E, não, não a tinhas,

(de pedra, os rios?)

Não a tinhas e nunca a tiveste, aparecias-me como se eu fosse o teu canino de estimação, colocavas-me uma gravata de plásticos, um pouco comprida diga-se, e pegavas em mim e levavas-me para o jardim em frente à nossa casa, um sexto andar em ruínas, sem elevador, com alguns dos degraus completamente embriagados pelo silêncio e pela escuridão, não tínhamos luz, e quando forçado a erguer-me do chão e subir até ao tecto do céu, três degraus depois, estava a cerca de seis degraus do local de partida, assim

(não, não)

Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e

(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)

Não, não, e, quando percebíamos... o cigarro com a ajuda do vento e da lei da gravidade, pumba... mesmo no centro do capô do automóvel estacionado na rua, coitado dele, e um deslumbre cinzento começava a erguer-se, e a erguer-se, até que acabou por desaparecer, eu tremia, o medo que ele se incendiasse, eu quase que me lancei da varanda para mais depressa conseguir resolver aquilo que o vento tinha provocado, e não me lancei e o automóvel não ardeu, E será que o vento apenas trouxe nuvens com cabelos e cavernas? Mas, tu não acreditas em nuvens com cabelos e cavernas!

Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e

(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)

E neste momento acredito que os cigarros inventem dores de cabeça na copa das árvores, porque se assim não o fosse, os pássaros fumavam, os frutos fumavam, as folhas fumavam, a chuva que dizes ser as lágrimas de Deus, fumavam, e como sabes, não fumam...

Árvores, pássaros, frutos, folhas, ou mesmo, como tu gostas de o dizer, as lágrimas de Deus, aquelas que ultimamente não nos largam, dia e noite, já não bastava não termos luz, água canalizada ou gás, ainda temos o problema do telhados, como qualquer coisa relacionado com bicos de papagaio, e claro, entra-nos as lágrimas sobre os cobertores embrulhados em insónias e soluços de Carnaval, aparentemente, desisto de construir um lugar seguro, eterno, com os rios de pedra, porque a tua teimosia, porque a falta de cigarros

(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!),

Eu

Também, respondia-lhe, morreu, vendem-se laranjas, vendem-se livros, quadros, ele

E docemente colocava a sua cabeça no meu ombro esquerdo, eu, eu sorria, e desacreditava-me que seria possível encher todo aquele espaço, e minutos depois

Fingia que eu era um estranho, louco, pouco, talvez dizimado pelas sombras das noites cobertas por um oleado de vidro, estrelas em pétalas azuis suspensas nas orelhas das madames à porta do cabaré, e sempre que lhe perguntava

Quem é?

Respondiam-me,

Não sabemos, não sabemos

Ínfimas películas de tristeza que o vento trazia, adormeciam, depois, sobre as águas dilatadas que a nuvem número três deixou escorregar sobre

Não sabemos,

Morreu,

Não sabia, sempre pensei que tinha sido privatizada,

E paz à sua alma,

Amém,

Eu

Também, sempre que posso, sempre que me deixam, ele

Morreu,

Não sabia, sempre pensei que tinha sido privatizada,

E paz à sua alma,

Amém,

Eu,

Não somos o vento, porque se o fossemos... tínhamos nas mãos asas... e temos dedos, dedos de acariciar corpos sofrendo, corpos desejando, corpos... acreditando,

Deve vir de longe, pensei,

E eu, eu ali, suspenso entre o olhar obtuso e a penumbra neblina do fumo do meu pobre cigarro, comecei a manuseá-lo como se fosse o rosto de alguém desconhecido, alguém que pela primeira vez tocava nas minhas mãos, senti um leve arrepio e sou embrulhado em palavras, confesso, palavras que nunca na minha vida de carteiro tinha encontrado, tocado..., ou, tocar toquei..., mas apenas nos selos, e por alguns minutos,

Me perdi, desencontrei, me amei…

 

(ficção)

In “Noites de Mim”

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Sombras de aço


Há arte abstracta no teu olhar

Uma sinfonia de cores

Que se diluem na madrugada

Se cruzam na avenida mais obscura da cidade

E se deitam em cada tela adormecida pela paixão,

 

Há palavras nos teus lábios

Sílabas extintas pelo vulcão da saudade

Casas ignoradas

Árvores envenenadas

Nos solstícios do desejo,

 

Há silêncios no teu corpo

Medusas embriagadas pelo cansaço

Sombras de aço

Sobrevoando o teu cabelo

Que o vento assassinou…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 12 de Janeiro de 2016

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Dois fedelhos apaixonados pelo mar…


Éramos dois fedelhos

Escondidos no capim,

Brincávamos aos pássaros

E desenhávamos sorrisos no meu jardim,

 

Éramos dois fedelhos

Suspensos na chuva miudinha que abraçava as mangueiras,

Dois pontos de luz

Nos lábios do luar,

Éramos dois fedelhos

Apaixonados pelo mar…

 

Construíamos marés de vidro

Nos alicerces da cidade,

Vestíamos a escuridão enraizada na tarde,

E regressava a noite

Com os beijos da melancolia,

Dois pássaros

Ao nascer do dia…

Dois pássaros fugindo da claridade.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 11 de Janeiro de 2016

domingo, 10 de janeiro de 2016

Sinfonia da loucura


Não acredito,

Meu amor,

Que as tuas noites ingrimes

Sejam o teu desejo,

Porque não tens desejo,

Porque desejo-te não me desejando,

Como as obscuras noites de Inverno,

Como as tristes planícies do Alentejo,

Camufladas pelos teus beijos,

Não acredito, meu amor,

Na geometria,

Na física

E na sinfonia da loucura,

Pareço-te um prisioneiro,

Na cancela do adeus,

Esperando os circunflexos odores da madrugada,

Perdi a alma,

Perdia a minha amada,

Não,

Não acredito na minha infância,

Nunca tive infância,

Amor,

Amar,

Desamar…

A flor,

O guindaste da solidão

Submerso na minha mão,

Só e só…

Não acredito,

Meu amor,

Nas jangadas de vidro

Que se deitam na nossa cama,

Que nunca a tivemos,

Imaginária

Dentro da cabeça de um louco,

Tu,

Eu,

Nós…

Na loucura das sílabas amordaçadas,

O pedestre menino enrolado nas finas folhas do prazer,

Os vigaristas poetas

Roubam-me a poesia,

Roubam-me as palavras,

E eu,

Eu… acorrentado aos teus lábios,

Em papel crepe,

Vermelho,

O cansado abutre

Vestido de alegria,

O cansado abutre

Vestido de dia,

Não,

Não meu amor,

Não acredito nos teus lençóis

Nem nas tuas mãos à volta do meu pescoço,

Fingida manhã,

Triste manhã do meu acordar,

E morrer,

Sem saber a amar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 10 de Janeiro de 2016