sábado, 7 de novembro de 2015

os segredos


tínhamos nas veias a fúria das tempestades de areia

mergulhadas nas madrugadas envenenadas

a solidão da esperança

de nunca ancorarmos ao silêncio

e de ele alicerçado aos nossos braços

éramos crianças

e dançávamos sobre a toalha límpida do mar

havia sempre um telhado zincado ao nosso alcance

uma esplanada abandonada

uma ou duas ou três cadeiras sem ninguém

sentávamo-nos e voávamos em direcção ao nada…

para depois adormecermos na praia

ao relento

o monstro da noite

vinha das árvores

trazia-nos palavras rasuradas numa triste ardósia

que só o tempo conseguiu apagar

sem demora

sentávamo-nos em círculos

quadrados

sombras geométricas na clandestinidade…

para morrermos na aldeia mais próxima

da infância

desprovidos dos segredos das fotografias poisadas nas nossas mãos

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sábado, 7 de Novembro de 2015

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

incerteza


hoje recordo as tuas mãos pigmentadas na insónia madrugada

sinto dentro de ti um rio desnorteado

rumo à incerteza

e os barcos que nele brincam

não têm âncoras nem cordas de nylon nem amarras invisíveis

são pássaros meu amor

e corações de pedra

descendo a montanha

 

gritos da noite escondidos no teu cabelo

raízes de sémen poisadas na tua solidão

e sempre que o comboio da esperança avança

há sempre uma carruagem desalinhada

só e triste

só e cansada

correndo a Calçada

embrulhada no sono

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 5 de Novembro de 2015

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

a sombra em teu sorriso vermelho


a sombra

em teu sorriso vermelho

sem destino nos meus lábios

entre marés de Inverno

e noites de Inferno

traz o sofrimento desejado

inventa no meu corpo a alma desajeitada

que só os fantasmas conseguem ouvir

na madrugada

da sombra

na sombra

em teu sorriso vermelho

a rosa de papel com odor a silêncio

teus beijos

sem triangulares janelas

onde poisas os teus seios

quando passa na Calçada

o quadrado a recta e o sonâmbulo embriagado

a sombra

na triste roda dentada

aqui

ali

longe de mim…

sentada

à minha espera sabendo que eu não regressarei nunca

aos teus braços

às tuas mãos…

nunca

a sombra

em teu

sorriso

vermelho

se ausentou do meu destino

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 4 de Novembro de 2015

terça-feira, 3 de novembro de 2015

nas palavras das palavras


nunca sei onde me encontro

neste labirinto de noite

nunca sei porque estou aqui

sentado

a olhar-te… quando pertences ao infinito

das palavras

e dos sons melódicos da solidão

nunca sei se o dia é lindo

assim-assim

ou como o de ontem

feio

triste

sem tempo para adormecer

nunca sei onde me encontro

neste labirinto de noite

sem noite

com dia

entre o dia e noite

pertences-me

ontem

feio

triste

assim-assim…

sentado no teu colo

a olhar-te

nas palavras

das palavras

do silêncio ancorado aos teus braços

 

Francisco Luís Fontinha – Alijo

terça-feira, 3 de Novembro de 2015

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Sem ninguém


Sou refém das minhas palavras

Um prisioneiro sem cela

Um carcereiro endiabrado dando-me porrada

Pancada em mim

Esta vida

De ser

Assim

Sem mim

Abstracto do teu olhar

Sou refém das minhas palavras

Quando estes arbustos pela manhã

Me cumprimentam

Abraçam

E beijam

Pego nos livros teus

E misturo-os com os livros meus

Tudo palavras

De que sou refém

E ninguém

Desta cela prisioneira…

 

Sem ninguém.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 2 de Novembro de 2015

domingo, 1 de novembro de 2015

O álbum de fotografias dos teus ossos

A morte das palavras num qualquer musseque da insónia, as cinzas dos poemas disfarçadas de sanzala sem dono, destino ou incómodo de sobreviver à pobreza, o exilado texto além-fronteiras, os gritos, os gemidos da noite entre siderais e abstractos retractos e o espelho do quarto, depois vem o amor, depois vem a paixão, e nada mais do que isso
Ou morte, de ti, às primeiras horas da madrugada,
Odeio a noite, e nada mais do que isso nos nossos corpos, a distância das palavras, mortas, numa lápide de saudade e o eterno amor, depois, ele, partiu para as incandescentes ruelas do inferno, embrulhou-se nos lábios do sofrimento, tombou no pavimento
O espelho, cansado desta imagem prateada,
Tombou no pavimento como se fosse uma abelha a ancorar à colmeia do sexo, o orgasmo poético, a ejaculação da prosa em pequeníssimas lâminas de esperma, e eu… sofrendo com a tua ausência programada, hoje, acordei acreditando que estavas vivo, entre mim e em mim, olhei-te, perguntei por ti
E o espelho fantasiado de vergonha, a alvorada não nasce, o dia promete ser uma abstracta palavra, mota,
Perguntei por ti, ouvia-te longinquamente sobre as árvores do nosso jardim, e os pássaros poisados na nossa sanzala, o álbum de fotografias dos teus ossos, e percebi que brincavas entre mabecos e gaivotas embalsamadas pela tristeza,
Palavra, morta, ninguém à nossa porta,
Pela tristeza e pelo silêncio… marchar, marchar…
Fui, desisti…
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Novembro de 2015