sábado, 31 de outubro de 2015

Um dia nos meus lábios


Diz que disse sem o dizer

Dizendo que eu era um monstruoso esqueleto com asas

Que voava enquanto todos dormiam

E que tinha uma cidade só minha

Diz que disse sem o dizer

Dizendo

Mas disse-o

Esquecendo

Que eu voava nas noites de insónia

Que era monstruoso

Que tinha alergia aos rochedos da solidão

Não o dizendo

Disse-o

Um dia

Nos meus lábios

Emagrecidos

Pobres

Descarnados pelo veneno da madrugada

Que só o Inverno consegue abraçar

Diz que disse sem o dizer

Dizendo

Que um dia

Qualquer dia

Eu

O esqueleto monstruoso com asas

Ia morrer

Sem o saber

Dizia-o

Que disse

Sem o dizer

Inventando-me sonhos que eu não queria

Nem dormia

Com medo das suas garras de chocolate…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 31 de Outubro de 2015

Tejo?

Tive um amigo que morreu de silêncio,
Paz à sua alma,
Tive um amigo que se cansou da melancolia dos dias, das noites, das noites sem noites depois das noites, vivia acorrentado a uma árvore, eu, acreditava na inocência dos seus lábios, encardidos pelo temporal, desgastos pela insignificante margem do rio onde brincavam gaivotas e marinheiros, e sucata de mim
Ontem fui a um bar em Cais do Sodré, sentei-me, viajei até mil novecentos e oitenta e sete, era dia, corríamos embriagados em direcção ao medo, havia conquilhas e cerveja à mistura, como sempre, este amigo, embriagado pelas minhas palavras,
Amo-te, dizia ele, quando percebia que a escuridão se entranhava nos meus ossos de veludo, que eu, semeado na seara do vento, tinha medo, sentia a solidão sobre o meu peito, havia noites de tortura, havia noites de desequilíbrio mental, a loucura, o Tejo no meu quintal,
E sucata de mim,
Que boiava nos teus cabelos, meu amor, e sucata de mim espalhada pelos sítios mais incógnitos da nossa casa, um palheiro, simples, e felizes, assim,
Acorrentado, tu, meu amor, nesta cidade de Cais sem destino, de barcos sem comandantes, ou cordas de nylon invisíveis, e mesmo assim, recordo-te, amar-te talvez, um dia, amanhã, depois de amanhã… ou ligo, talvez, talvez meu amor,
No meu quintal,
Uma sanduiche de sódio baloiçava nas minhas veias, sentia a morte, o fim, a despedida, não faz mal, meu amor, amanhã, talvez, no meu quintal, eu, em Cais do Sodré, abraçado a ti, sem ninguém, amanhã
Tive um amigo que morreu de silêncio, frequentava a minha poesia, uns dias aparecia outros…
Amanhã, não saberei se tu,
Outros… uma cancela de vidro,
Se tu me amas, se tu, se tu me recordas como recordas as tristes alvoradas em frente ao Tejo,
Outros, e mais outros, não sabiam que o amor é um cubo de chocolate, só, triste e só, como eu
Tejo?
Outros…
Amanhã, não saberei se tu,
Outros… uma cancela de vidro, um comboio em aço desgovernado subindo a Calçada da Ajuda, e
Ajuda nenhuma, sempre só, meu amor, sempre, sempre só nos teus braços, nos teus fantasmas, nas tuas coxas de silício mergulhadas na corrente eléctrica do sofrimento, Tejo?
Talvez, meu amor, talvez…
Tive um amigo.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 31 de Outubro de 2015

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

corpo em silêncio


a melancólica solidão

dos dias sem ti

a saudade inventada na tua mão

dos finais de tarde

esboçando a madrugada

no pergaminho beijo

do infinito desejo

neste desajeitado corpo em silêncio

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 30 de Outubro de 2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

seiva repatriada deste corpo indefeso


não serás o último silêncio de mim

todas as noites oiço a tua voz espalmada nos rochedos junto ao mar

todas as noites vejo as tuas mãos poisadas na geada

e de caligrafia em caligrafia

escreves-me

e abraças-me

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 29 de Outubro de 2015

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O sono da lentidão


Esqueci-me de amar-te

No esconderijo da noite

Dormias nos meus braços

Como dormiam os vampiros das searas envenenadas

Pegava na tua mão

Alicerçava-me a ela como se fosse uma âncora invisível

Para me aprisionar

Sempre

Eternamente sempre

E esqueci-me

Do esconderijo

Que habitava a noite

Amava-te sem o saber

Sabendo que te amava

E dormias

E pegavas na minha mão…

E sempre

Amanhã

Depois de amanhã…

O amor encastrado na montanha da solidão

Tinhas as pálpebras em combustão

Tinhas o silêncio suspenso nos teus lábios

E um beijo acordava na claridade do desejo

Sou um pedinte diplomado

Que não se cansa de encontrar o amor na madrugada

Quando há madrugada

Quando há o amor

O amor da madrugada

Sentias, acredito que sentias os meus olhos nos teus olhos,

Cegos

Esperando o regresso do alpendre abandonado

O mar

O mar, meu amor, dançando nas tuas coxas,

Saltando os muros de xisto da paixão

Que divide o prazer da ilusão

Amanhã

Depois de amanhã…

O amor ancorado aos insignificantes corpos de desilusão

O mar

E o amar

No sono da lentidão.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 28 de Outubro de 2015

terça-feira, 27 de outubro de 2015

As vozes de amar


Esta triste esfera metálica

Que habita o meu corpo de água

Não se cansa de viver

E gritar com as minhas palavras

Não se cansa de escrever

Com as suas perplexas garras

Que a alicerçam ao mar

E a suicidam contra os rochedos

A arder

E todos os medos

Descendo a calçada a correr…

Esta triste esfera

Metálica

Ao pequeno-almoço

Quando todas as janelas da minha casa dormem

(O banho matinal

O café e as torradas sobre o telhado)

Esta esfera

Metálica

No meu corpo deitado

Ou as alegrias da madrugada

Nas tristezas do luar

Ou a vanguarda manhã

Nas vozes de amar

Sem eu o saber

Sem eu o perceber

Esta esfera

Pequena

Triste

E que nunca espera

Nem desiste

De habitar no meu corpo… de água.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 27 de Outubro de 2015

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Angola querida


Não me “fodas” minha amiga,

“fodeu-se toda a poesia,”

“fodeu-se” a revolução e o golpe de Estado, minha amiga,

“fodeu-se” a alegria,

E o nascer do dia…

Na minha Angola querida…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 26 de Outubro de 2015

domingo, 25 de outubro de 2015

Lisboa 1987


Hoje visitei a cidade das esplanadas, sentei-me no teu colo, mergulhei no teu perfume, sabia-me a saudade acorrentada a um triste cubo de vidro, não importa, amar-te-ei sempre, amar-te-ei eternamente sempre, mesmo que o rio se esconda no pôr-do-sol, amar-te-ei

Tive um sonho, revistavam-me a casa, conversava com o meu pai sobre os meus poemas, sobre livros, sobre as coisas mais simples da vida,

Toma conta da tua mãe,

Amar-te-ei eternamente só, amar-te-ei eternamente até que a morte me transforme em poesia, e a minha cinza seja lançada ao mar, sempre amei o mar, sempre amar-te-ei eternamente te,

Hoje, visitei a cidade das esplanadas, sentei-me, não estavas lá, a tua ausência recorda-me o livro de “Boris Pasternak” “O Doutor Jivago”, Lisboa, 1987, há tanto tempo que recuso afirmar se o amar-te-ei é verdadeiro ou apenas um sonho de amar, uma nuvem, a chuva descendo devagarinho sobre o teu corpo de chocolate

Falavas-me de ter juízo, mas pai, sabes que nunca tive juízo, nasci assim, sou assim, eu sei meu filho, eu sei, mas tento conversar contigo todas as noites, mas tu, meu filho, sempre ocupado, pareces uma ribeira descendo a montanha,

O teu corpo de chocolate derretendo nas minhas mãos, os teus olhos alicerçados aos meus olhos, amar-te-ei? A menina dança…!!!!!!!!!!!!!!!!!! Não, esqueça, desista de mim, e vou desistir de conversar contigo, sempre as mesmas palavras, tu falas, eu, eu oiço, sempre as mesmas palavras…

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 25 de Outubro de 2015