sábado, 6 de junho de 2015

Fotografias em solidão


A náusea vagabunda da solidão,

Traz o medo na algibeira,

E uma pedra na mão,

Recorda-se das sílabas incendiadas pela paixão,

Desenha beijos no peito da madrugada,

Sente nos ombros os barcos encalhados nos rochedos de luz,

Dorme…

Sonha,

Inventa desgostos nos oceanos do medo,

Escreve,

Desenha,

Caixões de cartão sitiados nas arcadas da cidade,

E não sabe,

E nunca soube…

Porque sorriem as andorinhas na Primavera,

Um dia fugiu de casa,

Levando consigo alguns livros

E palavras para alimentar,

Os sonhos morreram no poço da tristeza,

Levou-os o vento,

E levou o corpo do feldspato…

E levou o corpo das manhãs de Inverno,

Sem destino ou sem lamento,

Ele,

Ele cansado,

Da vida,

Do viver sem viver,

E do sonhar… sem sonhar,

Fugiu de casa…

Mas todas as noites,

Aprece no seu quarto a fotografia da solidão,

E sem acreditar,

Acredita na paixão…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 6 de Junho de 2015

Regressar


Não,

Não regresses nunca aos meus braços de silêncio prensado,

Não digas

As palavras que não escrevi,

Nem aquelas que pensei algum dia escrever,

Não,

Não regresses,

Aos meus braços,

De silêncio,

Prensado,

O meu corpo envenenado pelas sanzalas de verniz,

O capim incendiado dentro de mim,

 

Não,

Não regresses,

Não regresses aos meus lábios de noite prostituta,

Na boca de todos os transeuntes sombreados das avenidas em cio,

Não,

Não entres pela minha janela desenhada numa qualquer parede invisível,

Sem nome,

Nome…

(Francisco Luís Fontinha)

Um criado ao seu dispor,

Um mendigo embrulhado nas palavras,

Regressar,

 

Não venhas,

Há na madrugada uma fendilhada manhã ainda não nascida,

Uma criança de lodo…

Brincando junto ao mar,

E eu pensando em regressar,

Não,

Não regresses nunca

Aos meus braços prensados pelos infelizes dias sem o teu rosto,

Os cadeados de néon saltando os muros embriagados da cidade fotografada

Pela mão de um louco,

A loucura a dor o sofrimento a morte…

Regressam sempre,

 

Sempre,

Como o rio regressa ao mar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 6 de Junho de 2015

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Corpo inventado


Quanto tempo

Tempo algum

Sobre o corpo nu,

 

O cadáver de rocha fendilhada

Descendo as escadas do tempo

Quanto tempo

Tempo algum

Sobre o corpo nu

Acorrentado na madrugada,

 

Não o sei,

Nunca o saberei,

 

Quanto tempo

Esta janela encerrada

De cortinados enfartados

Das palavras

Minhas

Que o tempo

Alimenta

Quanto tempo

Este tempo

Demora a entranhar-se na minha janela

Sem vidros

Sem ementa,

 

Quanto tempo

No tempo

Que nunca sonhei…

Quanto tempo

O tempo

Sobre o corpo nu,

 

No corpo que inventei!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 5 de Junho de 2015

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Desenhos do luar adormecido


Invento desenhos

Nas paredes negras do sonho,

Acorrento o sono aos socalcos inanimados da minha vida,

Procuro a cidade prometida,

E apenas encontro lápides em xisto

E ruas esverdeadas

Com sabor a lágrimas,

Invento desenhos

Nas paredes cinzentas dos teus lábios,

Escrevo palavras na tua pele artificial

Enquanto ainda há luar

E estrelas no céu para pintar,

 

Depois,

Olho-me no espelho da solidão,

Sou feliz sem ninguém…

Porque as pessoas à minha volta,

Irritam-me,

E sinto saudades do meu velho cão,

Sempre sorridente,

Sempre… em silêncio,

Olhava-me

E percebia nele as palavras que te escrevo,

Porque ele,

Nada me perguntava,

 

Apenas me olhava

E nada mais do que isso,

 

E nada mais do que isso…

 

Apenas me amava sem o saber.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quinta-feira, 4 de Junho de 2015

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Tarde vaiada


A tarde vaiada no silêncio do adeus,

Há sempre uma partida,

Sem despedida,

Alguma,

Ou… ou nenhuma

Canção de embalar,

Há sempre uma palavra

Amiga,

Amarga,

Desempregada…

Sem… sem desenhos para desenhar,

A tarde,

 

Só,

Entre as paredes dos plátanos envelhecidos,

E gritam,

Às vezes…

Enfurecidos,

As pálpebras cinzentas da madrugada,

 

Mas da tarde vaiada…

Não sobra nada,

 

Nada.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 3 de Junho de 2015

terça-feira, 2 de junho de 2015

Livro em sofrimento


O suicídio milimétrico do corpo

Contra os filamentos invisíveis das palavras,

 

Há sempre um livro em sofrimento,

Um poeta acorrentado a uma sombra,

Lá fora inventa-se o sol,

Como se ele…

Como se ele fosse o silêncio da vida,

Não sei porque morrem as palavras

No canto esquerdo do meu caderno…

Mas morrem.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Terça-feira, 2 de Junho de 2015

segunda-feira, 1 de junho de 2015

E o mar tão longe…


Percebia nos teus lábios

A distância do mar,

Não existiam no teu olhar

As caravelas nocturnas do silêncio,

Acariciava-te os cabelos

E via em ti uma criança,

Sentada debaixo da melancólica sombra da árvore esquecida,

A tarde fugia-nos em direcção ao Tejo,

 

E o meu corpo levado pelo vento…

 

Regressavam as estrelas de papel,

Ouvíamos os tentáculos do sono em constante pulsar,

Adormecíamos

No desespero luar…

 

E o meu corpo,

Voava como o lençol do amanhecer

Entre a partida e o regresso de um novo sonho,

 

Percebia nos teus lábios

A distância do mar,

 

E o mar tão longe… meu amor!

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Segunda-feira, 1 de Junho de 2015

domingo, 31 de maio de 2015

Negro espelho da alvorada sem destino


Este negro espelho

Abraçado à solidão do cansaço

O sonho embainhado nos alicerces da noite

Como se a noite fosse o cobertor

Protector

Da alegria

Não sentida

A vida a escoar-se montanha abaixo

E o rio enforcado no socalco esquecido pelo homem

Dos sonhos

Entre sonhos

A poeira das fotografias,

 

Abandonadas

E perdidas,

 

Este negro espelho

Sem coração

Que o dia entristece

E aquece

Na lareira da dor,

 

E há uma fogueira no meu peito

E há um esconderijo nos meus braços

Prateados

Das doces pálpebras do destino,

 

O menino,

 

Este negro espelho

Espantalho do sofrimento

Que só o sono consegue alimentar

E na lareira da dor

As cinzas parcas dos eléctricos

A cidade ignora-me

Mas não me importo com as cidades

Os rios

O mar

Os barcos

O menino…

Perdido na esperança de acordar.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 31 de Maio de 2015

Hoje e só hoje


Hoje, apetece-me ver-te,

Escrever no teu corpo silencioso

O significado da paixão,

Hoje,

Agora,

Apetece-me…

Escrever-te,

Sem demora

E na hora,

Convencer-te

Que só a noite nos transforma em luar

E a solidão sem aroma…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 31 de Maio de 2015