sábado, 13 de setembro de 2014

Fotografia


Não tenho paciência para as coisas simples,
transformo-me em cometa,
sou um agregado de poeiras vagueando no teu olhar,
gostava de ser camaroeiro...
e enganar os navegantes intrusos que invadem o meu silêncio,
fazia desaparecer todos os barcos do oceano,
e sobre a mesa-de-cabeceira... eles perfilados, esperando o cair da noite sobre os invólucros das sanzalas inabitadas,
uma criança sorriu-me e eu fingi que era apenas uma sombra,
ninguém... não queria ver ninguém,
percebia-se nos meus lábios as gaivotas acabadas de abandonar a linha de montagem,
rochedos rebeldes com mão de azoto,
não tenho paciência...,
o amor infinito que arde num cinzeiro recheado de restos de cigarros inanimados,
sentia nos dedos o peso do fumo obsceno das meninas que passeavam junto ao rio,
paciência,
não,
obrigado pelas estrelas que me enviaste,
de nada me serviram,
mas colei-as nas cartas de amor sem remetente,
tão tristes,
e tão belas quando via o carteiro e lhe perguntava...
tem correio para mim,
que não,
nada, e as palavras quando poisavam nas minhas mãos...
desmaiavam,
tombavam como cancelas de um qualquer apeadeiro esquecido numa fotografia,
que não,
que eu nada sentia.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 13 de Setembro de 2014

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O apeadeiro da solidão


Encurvado,
o maligno cansaço entre as montanhas da dor,
lá longe o rio embalsamado procurando o luar,
desce a nuvem do sofrimento sobre a madrugada,
há lápis de cor embrulhados em pergaminhos transparentes...
começa a noite,
e encurvado... o apeadeiro da solidão,
só,
enlatado numa caixa de sapatos,
o mórbido alimento dos pássaros sem asas,
há tristeza nos teus olhos,
só,
há lâminas de silêncio onde habitam lágrimas de néon,
a cidade perde-se na algibeira nocturna das amendoeiras em flor,
e só...
vejo o apeadeiro da solidão desfalecer junto à ponte.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 12 de Setembro de 2014

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Nome lapidado...


Não digas o meu nome,
nunca...
rasga-o e lança-o ao vento,
não digas o meu nome na vã esperança,
porque o cansaço alimenta...
e a noite come os êmbolos do meu silêncio,
sou uma máquina em aço laminado,
o meu esqueleto é composto por rodas dentadas,
roldanas...
e milímetros de fio desengonçado,
não,
não digas o meu nome,
amanhã acordarei?
sem nome,
idade,
altura...
amanhã nunca,
o meu nome lapidado...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 11 de Setembro de 2014

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Malmequeres sem nome...


Tinha o odor dos teus lábios nos meus lábios,
uma tempestade de silêncio... levou-o...
o vento absorveu os teus cabelos,
que se passeavam no jardim dos plátanos,
senti a morte nos meus braços,
desfaleci... e aos poucos via-me dentro do espelho da saudade,
gritei...
e ninguém me ouvia,
até que desceu do luar um sorriso de nada,
agarrou-me,
fortemente conta o seu olhar...
e hoje... e hoje pertenço aos malmequeres sem nome...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 10 de Setembro de 2014

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Escuridão


Esta escuridão que não cessa de gritar,
esta montanha que não se cansa de chorar,
as tuas mãos, meu querido, suspensas no amanhecer,
este mar que te leva para o infinito,
quando do silêncio acordam as ninfas coloridas da dor...
este porto sem correntes,
esta cidade endiabrada que foge do teu olhar,
as árvores que tombam... e... e tu não sentes,
esta escuridão,
nas tuas pálpebras de cartão,
submersas em palavras com odor a tristeza,
esta vida, meu querido... esta vida que teima em destruir-te como se fosses pequeníssimas bolas de sabão...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 9 de Setembro de 2014

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Melancólica saudade


Este poço impávido com janelas para a morte,
um telhado de vidro que lhe esconde as feridas em falsas palavras,
o poema morto, o poeta de braços cruzados...
sem conseguir cessar a tempestade,
este poço amargo, este poço invisível,
escondido nos algerozes da solidão,
de palha o esqueleto do homem arde...
e oiço levemente sobre o a mar as cinzas da indefinida melancólica saudade!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 8 de Setembro de 2014

domingo, 7 de setembro de 2014

Anónimo duplicado


O homem das sete cabeças dentro do teu corpo,
prisioneiro nas tuas veias,
enrolado em fios de seda...

Um anónimo duplicado,
sem voz,
sem medo...
em pecado,

O homem que se veste de sofrimento,
e se olha no espelho da dor,
caem-lhe as folhas caducas dos cinzentos cabelos,
e espera pelo vento...
na ponta dos dedos,
sem voz,
sem medo...
em pecado,

E o anónimo duplicado... não sente a cor do mar que brinca nos seus braços!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 7 de Setembro de 2014