sábado, 26 de julho de 2014

A Calçada do Adeus


Esta vida que não me esquece,
cai a noite e me absorve, e me evapora,
desço a calçada como poeira cansada,
e aos poucos, despeço-me do rio,
despeço-me da alvorada,
sento-me, e espero o regresso do amanhecer,
folheio um livro, leio um poema amaldiçoado,
dói-me o corpo, e esta vida que não me esquece,

Desenho uma gaivota apaixonada pelo silêncio do mar,
há uma cabana sem lareira, uma cabana atraiçoada,
e eu sentado, converso com a gaivota, converso com a cadeira...
sobre esta vida que não me esquece,
e me evapora,
folheio, folheio... e o livro do poema amaldiçoado... me deseja,
me leva para o solstício do beijo,
e sendo eu sou um ausente,
que não sente, que não ama...
pergunto-me... o que é o amor?
É uma cidade destruída? É uma canção com poemas de chorar?
que a vida não esquece, que a vida não me esquece... de me recordar...

Esta vida que não me esquece,
quando lá fora há estrelas à minha espera,
quando lá fora a gaivota apaixonada... chora,
porque foi maltratada, porque foi espancada...
pelo vento da clareira cinzenta,
que desce comigo a calçada, e... e me atormenta.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 27 de Julho de 2014

O livro que arde, e não sente nada...


Há um beijo desgovernado,
há uma planície na frescura dos teus lábios,
um livro que arde, um livro que desiste de amar...
há silêncios com sabor a amanhecer,
olhares desatentos, olhares... olhares suspensos nas pálpebras da solidão,
há uma mulher com asas de papel na varanda do terceiro andar,
não chora,
não... não olha para ninguém,
há um beijo desgovernado,
uma manhã prisioneira que teima em acordar,
há um veleiro perdido no mar,
onde habita o marinheiro amor,

Há um corpo que procura os rochedos da dor,
e finge ser a preia-mar, e finge ser a cidade inacabada, sem braços, sem mãos...
sem... sem madrugada,

Há uma planície na frescura dos teus lábios,
um rio que desce a montanha sem perceber o significado da paixão,
há peixes assassinados,
peixes... peixes coloridos no cansado coração,
há um terceiro andar, e há uma rua com cabelos de oiro,
uma eira esquecida nas noites de luar,
uma estrada,
o livro que arde, e não sente nada,
há... há uma mulher... há uma mulher amada...
sem o saber, sem o sentir,
há um beijo,
um beijo que não sabe sorrir...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 26 de Julho de 2014

sexta-feira, 25 de julho de 2014

O tambor do desassossego


Quando o tambor do desassossego entoa no coração da sanzala,
há uma palavra reescrita na pele húmida do amanhecer...
leio... leio SAUDADE...

Sento-me junto ao pequeno charco acabado de nascer,
puxo de um cigarro,
e finjo ver o mar a regressar da sombra das mangueiras,
as pequeníssimas películas de cacimbo alicerçam-se aos meus dedos,
ao longe, mulheres... e fogueiras,
e missangas de medos,
saltitando nos braços cansados de um esqueleto de papel,
oiço o bater fulgurante do zinco conta a solidão de um menino chorando,

Um dia a guerra o levará,
sua mãe morta rezará no altar da areia branca do faroleiro de pedra,
os meus dedos minguam quando um cadáver de insónia poisa no meu cigarro...
e espero... e não regressa o mar,
desce um corpo de prata dos coqueiros envelhecidos,
há uma palavra reescrita na pele húmida do amanhecer...
leio... leio SAUDADE...
e adormeço sem me apetecer,

Em criança brincava com silêncios e um velho triciclo em madeira,
acreditava nas flores,
acreditava que um dia..., que um dia voava como os pássaros,
envelheci, e o meu cigarro terminou quando um paquete de rebuçados atracou em mim,
transeuntes com pesadíssimos caixotes em madeira,
choravam...
e círculos de espuma saltavam à corda no cais dos caixotes em madeira...
perdi-me, e hoje... e hoje sento-me junto ao pequeno charco acabado de nascer,

O mar não regressará nunca,

E,

Quando o tambor do desassossego entoa no coração da sanzala,
há uma palavra reescrita na pele húmida do amanhecer...
leio... leio SAUDADE...

E leio sofrer!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 25 de Julho de 2014

quinta-feira, 24 de julho de 2014

“O Senhor Anónimo”


O teu corpo quando absorvido pela perspectiva cavaleira do desejo,
a tua pele tracejada nas ruelas da minha solidão,
sinto-te porque existe à minha volta uma lanterna de silêncios,
sinto-te porque em ti crescem as héderas nocturnas da cidade das sílabas,
e cruzam-se as palavras nos comboios que descem a montanha do amor,
há rochedos enfeitados com pálpebras de papel amarrotado,
olhares que me aprisionam e me transformam em apitos de suor,
na areia da insónia alguém desenha beijos,
e o sonho os leva, leva-os... até deixarem de ser beijos,
depois, depois os beijos ressuscitam a aparecem como algas imperfeitas que o medo alimenta,
o corpo flutua na morte clandestina do homem com rosto de triângulo,
e um dos catetos abra-se à hipotenusa,

Na lapela, um nome, ilegível, gatafunhos...
apelidei-o de “o senhor anónimo”,
cerca de quarenta anos, apátrida, e marinheiro de profissão,

O teu corpo, pouco ou nada me interessa,
embrulhado em geometria... apenas sobressaem os segmentos de recta do cansaço,
o barco onde trabalho e habito... há muito deixou de ter flores e cartas com corações...
a palavra “amo-te” não faz sentido, não pertence ás marés por onde navego,
peço que regresse o vento,
e vem a tempestade,
peço a tua pele tracejada... e sou apedrejado por crianças em fúria, como se eu fosse o culpado pela tristeza das lâminas da madrugada,
e não tenho onde me esconder,
precisava apenas de um pedaço de pano,
um cortinado envenenado,
o teu corpo, pouco ou nada me interessa,
comparado com a multidão de sombras que me acorrentam ao cais dos tentáculos de néon.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 24 de Julho de 2014

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Navalhas do sofrimento


Oiço das navalhas do sofrimento,
os teus beijos prometidos,

Lamento,

Oiço os teus anseios,
quando nos entra o mar casa adentro,
desço as escadas,
escondo-me nos teus lábios...
amo tanto o mar... que não consigo olhá-lo, tocar-lhe,
como não sou capaz de poisar a minha mão no teu luar...
e...
e simplesmente ficar lá, ela imóvel, prisioneira de ti,
e... e coitada da minha mão,
esponjosa, magra... cansada das palavras tristes,
das palavras... das palavras amargas,
e o movimento curvilíneo... em busca do teu coração,

O cofre com fechadura invisível,

Lamento,

Oiço das navalhas do sofrimento,
os teus beijos prometidos,
oiço-os e nada posso fazer,
lá fora está noite,
escuridão,
posso dar-me ao trabalho de procurar as tuas lágrimas,
nunca as encontrarei,
tão pouco sei se choras, se ris... se gritas... ou inventas árvores no recreio da escola,
e quanto a mim, nunca, nunca fui capaz de encontrar o que quer que seja,
porque sou desajeitado,
porque... as sombras do teu corpo habitam nas drageias do silêncio...
e há sempre um braço a proibir-me... de... de amar, de construir amores nas flores do amanhecer,

Tão longe, os teus sôfregos olhos perdidos na constelação AMAR,
o telescópio vagueia na eira da poesia,
e nem assim, e nem assim é possível observar os teus olhos...

Lamento,

O significado de corpo, agora é rocha vadia,
que caminha nas ruas com candeeiros de prata,
lamento...
ouvir das navalhas do sofrimento...
os teus beijos prometidos,
sofridos,
oiço-os e nada posso fazer,
apenas lamentar,

Que o cofre com fechadura invisível,
seja o teu coração protegido por um velho cubo de vidro,
aquário, peixe, avião... pá.. barco carregado de fantasias e travestis,
bares recheados de coquetes e marionetas envergonhadas,
alienados vizinhos que fumam cigarros de lata,
que o cofre se parta,
e morra...
como morrem os poetas,
como morrem os fantasmas... quando no relógio de pulso da solidão são quatro horas da madrugada,
nasci às sete horas e trinta minutos,
era Domingo...
e deixaram em mim as navalhas do sofrimento.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 23 de Julho de 2014

terça-feira, 22 de julho de 2014

O Cometa Amar


Não te mexas,
deixa poisar o Cometa Amar na Sombra do teu olhar,
não grites,
mantém-te imóvel nos lábios do entardecer,
não fales, não... não grites,
geme no salivar nocturno que acolhe o luar,
não te mexas, por favor!
Silencia-me como se eu fosse apenas e só o teu livrinho de cabeceira,
a tua almofada recheada com seios de verniz...
o espelho do teu quarto, onde dormes, sonhas... e... e brincas...
como uma menina mimada,
escondida na madrugada,

Não te mexas,
fala-me, ouves-me?
Não te mexas,
acaricia o cansaço dos meus abraços com o teu cabelo de cetim,
não grites,
por favor... não sejas assim...

Assim, como?
Assim... menina mimada,
menina com sabor a Musseque,
menina... menina bronzeada,

Não,
não te mexas,
escreve no meu peito de xisto tudo aquilo que te apetece fazer,
sei lá eu...
também não o sei, meu Amor, mas não te esqueças de nada,
escreve tudo, escreve...
mas... mas não te mexas,
escreve em mim, desenha em mim,
o mar,
o pôr-do-sol, ou... ou a saudade,
o poema mais belos da montanha do desejo,
escreve, não te mexas, escreve... escreve beijo,

(Assim, como?
Assim... menina mimada,
menina com sabor a Musseque,
menina... menina bronzeada).


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 22 de Julho de 2014

Divulga Escritor – Francisco Luís Fontinha

Divulga Escritor – Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Inventa-me


Inventa-me,
desenha no meu corpo as línguas de fogo que os teus lábios libertam,
escreve-me, escreve em mim as palavras proibidas, as palavras falseadas,
invade-me,
faz de mim uma equação trigonométrica,
soma-me, divide-me… e multiplica-me,
mas… inventa-me,
no pecado mais secreto do teu olhar,

Inventa-me,
no silêncio das madrugadas,
inventa-me no espelho onde escondes o teu rosto…
quando poisa a noite sobre ti,

Inventa-me nas catacumbas da insónia,
faz de mim a sombra mais bela do amanhecer,
inventa-me,
como flor,
como abelha…
inventa-me e acolhe-me na tua colmeia,
que eu seja o mel dos teus sonhos,
que eu seja… a tua invenção,

Inventa-me,
faz de mim pássaro, barco… ou… ou avião,
não tenhas medo de me inventar,
não, não tenhas medo de me amar,
inventando-me,
escrevendo em mim os números primos, ímpares… ou… ou pares,
inventa-me,
inventa-me sem chorares!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 21 de Julho de 2014

domingo, 20 de julho de 2014

As sanzalas embalsamadas!


Aos dias ímpares, as horas que me são roubadas por uma mão sem nome,
as sílabas disparadas pela espingarda das sanzalas embalsamadas,
o meu corpo não cessa no púlpito do cansaço, ele evapora-se, ele... ele transforma-se em zinco lamaçal,
há uma criança inventada, uma criança perdida na saudade...
aos dias ímpares, as horas malvadas,
que alimentam a dor,
que... que engolem todos os amanheceres,
e do meu corpo, apenas o coração de pedra ficou adormecido na eira da poesia,

Aos dias ímpares, o triste calendário envergonhado,
a desassossegada fantasia de um texto alienado, quando arde na fogueira da tua pele,
uma cidade nos espera, uma cidade em papel...

Aos dias ímpares, as horas, os minutos, e os... e os milésimos de segundo,
alguns em liberdade, e outros... e outros acorrentados a um envelhecido veleiro,
hoje não há vento,
hoje... hoje apenas a límpida tarde de pano a soluçar sobre as árvores do triângulo equilátero,
é este o meu Mundo?
ter uma cidade sem candeeiros em desejo,
ser filho de um desenho que o tempo apagou numa longínqua parede,
e contento-me com todos os dias ímpares, as horas que me são roubadas...

E a tua mão... e a tua mão, um dia, terá um nome, idade, raça, sexo... religião,

Aos dias ímpares, a geometria na doçura da caligrafia,
um poema morto, um poema descendo a calçada em direcção ao infinito...
e o meu corpo não cessa no púlpito do cansaço...

E o poeta permanecerá eternamente nas sanzalas embalsamadas!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 19 de Julho de 2014