sábado, 12 de abril de 2014

Quintal de prata


Inseminas-te nos meus braços,
beijas-me,
desenhas no meu corpo traços,
círculos, quadrados, estrelas à janela das pálpebras cansadas,
inseminas-te e beijas-me...
como se eu fosse a árvore do teu quintal de prata.

Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 12 de Abril de 2014

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Em combustão


Viajo pelos cinzeiros envenenados das manhãs de Primavera,
sinto a sombra deles impregnada na minha janela,
oiço-os e vejo-os nas palmeiras do quintal contíguo ao meu,
a manhã levanta-se e começa a cambalear nas tuas mãos de desejo adormecido,
viajo e sei que existem pálpebras encharcadas na neblina inventada,
à lápide o teu retrato, à lápide... o teu nome reescrito e escrito pelas estrelas da saudade,
sou um cadáver imaginário que habita na loucura,
corredores sem portas,
e tectos...
tectos descendo até não poderem mais,
cansados,
tão cansados que pedem licença ao rodapé...

(por favor... ajudem-nos)

e o rodapé de livro na mão...

(quero lá saber... do pavimento não passarão)

viajo dentro dos teus fluidos depois de te levantares do meu corpo,
sei que está um crucifixo a observar-nos... mas nada nos diz,
e apenas nos olha,
olha-nos como se fossemos dois pedaços de madeira em combustão.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 11 de Março de 2014

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A montanha do adeus


Vivíamos sobre o traço invisível que separa a areia movediça do silêncio amanhecer,
colocávamos os pés na sombra da madrugada, ainda a crescer, menina, menina de lânguido sorriso,
menina de alegre olhar,
sonhávamos com flores que gritavam palavras antes de adormecerem,
e víamos na noite o corpo perfeito da solidão,
entranhava-se-nos e levitávamos como dois pássaros loucos,
procurando beijos,
pintando os lábios das amachucadas folhas de papel...
vivíamos sobre o traço invisível,
o dia e a noite num compartimento único, sem janelas, sem porta de entrada, sem... sem os seios das pétalas azuis depois do banho de espuma, não chovia, não... não pertencíamos ao mesmo círculo verde de olhos cinzentos,
e dormíamos sem sabermos se era dia,
noite, ou... ou apenas o espelho da saudade suspenso no tecto estrelado de uma caverna deixada ao abandono na montanha do adeus...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 10 de Março de 2014

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Carta do Canadá


A correspondência pesadíssima balançava no meu braço esquerdo, de mão amachucada dentro da algibeira, procurava cigarros com sabor a saudade, o carteiro nem tinha começado o giro e já se encontrava cansado, sonolento, e o carteiro... eu mesmo, disfarçado de andaime ambulante e despropositadamente peguei num subscrito, apenas porque chamou-me a atenção a quantidade de selos e os desenhos dos mesmos, deslumbrantes como as planícies iluminadas das ruas embriagadas de uma cidade em construção,
Deve vir de longe, pensei,
E eu, eu ali, suspenso entre o olhar obtuso e a penumbra neblina do fumo do meu pobre cigarro, comecei a manuseá-lo como se fosse o rosto de alguém desconhecido, alguém que pela primeira vez tocava nas minhas mãos, senti um leve arrepio e sou embrulhado em palavras, confesso, palavras que nunca na minha vida de carteiro tinha encontrado, tocado..., ou, tocar toquei..., mas apenas nos selos, e por alguns minutos,
Acariciado?
Isso, acariciado, isso, acariciei,
E repentinamente sou invadido por pequeníssimos sons metálicos, e


“Canadá, 09/04/2014
Meu querido,
Devido às circunstâncias que tu já conheces, fui obrigado a ausentar-me desse País e da tua vida, não sei se o fiz de livre vontade, não sei se o devia ter feito, mas..., e fi-lo acreditando que me libertava da tua voz, não o consegui e ela permanece entranhada no meu corpo esguio de árvore caduca, e não estou arrependido, não, não estou arrependido,”
Entre o silêncio sinto a dor que o meu cigarro provocava nos meus dedos e o cheiro a pele queimada, sentia-me tão embalsamado pelas palavras que me embrulhavam que acabei por esquecer-me que estava a fumar e que o diabo do cigarro tinha acabado de morrer, a morte, sempre a morte dos cigarros, essa sim, o medo que me atormenta, quando vejo e sinto a morte de um, seja um só ou vinte, ou trinta...,
E voltava a sentir no meu esqueleto as tais palavras que eu nunca duvidei que vinham do subscrito que poisava na minha mão,
“Ontem estive a reler as nossas cartas, tanto tempo passou entre as equações dos nossos corpos na ardósia de um velho divã e o sentido poético dos teus dedos, lembras-te quando lias para mim AL Berto?, lembras-te quando lias para mim Cesariny?, ontem percebi que as Acácias deixaram de sorrir quando entraste naquela ruela sem janelas, e tu, e tu nunca mais regressaste, e tu”
Possa... que não entendo nada disto!,
“E tu começaste a ter asas, a sair de casa manhã cedo, e às vezes, nem regressavas no final da tarde, e eu sentia que te perdia como o marinheiro sabe quando a sua embarcação está prestes a afundar-se... e pluf, novamente silêncio, e pluf, novamente Primavera,
E pluf, entravas casa adentro e com o teu sorriso de solidão dizias-me
Olá amor!,
E hoje enquanto relei-o as nossas cartas, algumas delas parecem os cigarros do carteiro aí da tua rua, cartas mortas, descoloridas, e os corações desenhos por mim..., não corações, desapareceram como desapareceu o cinzeiro de prata que levaste para vender e em troca
Pluf,
Mais um regresso adiado, e eu, eu acreditava sempre, sempre,”
Procuro outro cigarro, sinto frio e percebo que alguma coisa não está correcta, aquelas palavras e aqueles sons metálicos deixavam-me totalmente desnorteado, tremia, ressacava, e no entanto, e no entanto conhecia aquela voz que vinha da escuridão,
“Meu querido, espero que entendas a minha ausência, espero...”
Deixei de ouvir a voz e cada vez menos chegavam a mim os metálicos sons, até que
“Despeço-me com saudade,
Sempre,
Alberto”
Volto a colocar o subscrito na sacola e começo a caminhar para a primeira casa da rua, a Dona Joana esperava a carta da filha que tinha partido para Lisboa, ainda menina, ainda inocente,
E uma luz preenche as minhas pálpebras de verniz, os meus olhos pareciam cortinados negros sem vontade de correrem em direcção ao cais dos cigarros mortos, aos poucos, muito devagar... vou-os abrindo como quem abre pela primeira vez uma porta de entrada de uma casa descolorida e percebi, e percebi que tinha sonhado,
E percebi que não havia carteiro nenhum e percebi que nunca existiu subscrito nenhum, e tão pouco conheço alguém que viva no Canadá...
Corro para o banho e depois de alguns minutos a sacudir as palavras do subscrito..., percebi que nem da cama ainda tinha saído.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 9 de Março de 2014

terça-feira, 8 de abril de 2014

Flores triangulares


Percebo que as equações do meu corpo não têm resolução,
sou um aglomerado de números complexos, integrais duplas e triplas, habitam nos meus braços,
percebo que tenho um sorriso em granito, e sei que nas quadrículas do meu peito...
suspendem-se as infinitas cordas paralelas do nylon madrugada,
um imbecil programado, um corpo onde se misturam os algoritmos de Fortran e as raízes quadradas do obscuro olhar, sem sentido, único, proibido estacionar o meu corpo em cima do passeio da solidão,
cruzo os braços,
e pergunto-me...
o que faz o poema sem nome dentro do silêncio amanhecer?
sem prazer,
a vida é um fluído em escoamento permanente...
em direcção ao mar,
em construção... como corpos geométricos procurando amor nas flores triangulares...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 8 de Março de 2014

segunda-feira, 7 de abril de 2014

palavras de dizer


não sei o que te direi amanhã
tão pouco se existe amanhã
palavras deixei de as ter
de as escrever
não sei o que te direi...
e amanhã é já quase hoje
e hoje... nada tenho para te dizer
vou inventar-te uma estória
com... claro que é com palavras
uma estória de um amanhecer
que se recusou a acordar
e amanhã
amanhã talvez tenha alguma coisa para te dizer
não sei o quê
não o sei
porque amanhã
amanhã é amanhã
e amanhã não sei o que te direi


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 7 de Março de 2014

domingo, 6 de abril de 2014

Estórias sem palavras...


Inventava estórias para eu adormecer,
dizia-me que todas as estrelas tinham mãos, que todas as estrelas tinham... coração, amor, e... e paixão,
acordava cedo,
sussurrava-me palavras inaudíveis, palavras frágeis, palavras sem rosto,
nuas palavras em corpos vestidos de papel,
inventava estórias com sabor a chocolate,
e ouvia o som melódico da voz invisível,
tinha medo do mar,
e hoje, hoje... amo-o, amo-o como se ele pertencesse à minha vida,
corresse nas minhas tristes veias, nas minhas... tristes palavras,
e eu menino, acreditava nas suas estórias...
nas palavras de estórias que vagueavam sobre os telhados da cidade imaginária.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 6 de Março de 2014

O sonâmbulo amachucado


Desenhava a tua voz no meu cansaço, sentia as tuas palavras amorfas nos meus braços, e tínhamos a consciência do término do dia, as horas para nós apenas significavam sombras, dispersos espinhos de uma rosa em decomposição, e havia dentro de nós o abismo disfarçado de melancolia, acordávamos tristes, dormíamos embrulhados em pequenas lâminas de prazer, sabia que o teu corpo flutuava numa janela envidraçada, virada para o Tejo, desenhava nas paredes do teu cabelo o afago da despedida, partias, voltavas, partias..., como os barcos a vapor procurando marinheiros, como lareiras acesas quando o doce Inverno invadia a cidade recheada de estrelas com sabor a embriaguez, lá fora
Preciso de ti, meu amor, ouvia-te enquanto te olhavas no espelho da saudade,
Pertencíamos às fogueiras imaginárias do quarto penumbra que nos servia de esconderijo, habitávamos no exíguo refúgio da literatura barata, pobre, esfomeada, e tu
Preciso de ti, meu amor,
Havia arbustos escondidos nas tuas mãos, pedaços de chuva miudinha nas tuas nobre pálpebras e
Preciso...
E quando percebíamos que a noite tinha sido engolida pela boca do caranguejo de mil patas..., tu, tu
Preciso de ti, meu amor, eu, eu ouvia-te do outro lado a caverna iluminada por morcegos, alguns vultos que nunca cheguei a conhecer, e claro, pelos teus beijos disfarçados de desejo, sentia-me perfeitamente feliz, quando não o era, sentia-me perfeitamente humano, quando não o era, e desenhava na tua voz as palavras que nunca escrevi, dizia-te que te amava... e não te amava, dizia-te que te desejava...
Preciso,
E...,
Preciso meu amor,
E nunca te desejei, e nunca foste a âncora que aprisionava o meu corpo ao cais das Colunas, eu regressava, sentia o peso dos caixotes em madeira, lá dentro quase nada, lá dentro... apenas, apenas objectos e memórias, e dor, e sofrimento com tentáculos,
E,
Preciso de ti, meu amor,
Um cigarro, um cigarro cor de amendoim sobre a mesa do café, ouvia um CD com os poemas de “AL Berto na Casa Fernando Pessoa”..., e
Preci...
E esperava que o mar entrasse em mim, que nunca entrou, que nunca me levou, apenas...
Te trouxe?
Regressei como um sonâmbulo amachucado, um menino que trazia na algibeira sonhos, calções e que acreditava no silêncio da gaivota pergaminho que dormia todos os dias na mesa da sala de jantar, perguntava
Precisam de mim?
E o amor respondia que sim, que precisava, que
Te trouxe?
Era meia-noite e o horizonte encerrou-se como os cortinados no Teatro, fim da peça, as personagens evaporavam-se à medida que tu
Precisas de mim, meu amor?
E eu, e eu...
Não, não quero regressar, não, não preciso de ti, meu amor, porque desenhei a tua voz no meu cansaço...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 6 de Março de 2014