sábado, 14 de dezembro de 2013

apitos doirados

foto de: A&M ART and Photos

não percebes que o sonho é uma porta em aço
e enquanto dormes
eu
eu construo canhões de papel para arrombar essa maldita ranhura de carne com ossos em madeira
inacessíveis
e indolores... os olhos absorvem-te os perfumes das madrugadas inventadas pelo calendário do sofrimento
choras
habitas em lágrimas oceânicas
choras... e choras...
não percebes que agora... que agora o sofrimento é de verdade
é o teu sofrimento
e são as tuas lágrimas
não percebes que nas minhas mãos habitam lençóis de água
com barcos enferrujados
com homens apaixonados
e mulheres apaixonadas
e apitos doirados
nos prazeres desgovernados
não
não sentes a dor da travesti doença
não dizes nada
silencias-te como uma porta em aço
a mesma
a outra... o sonho
não percebes as minhas palavras
não percebes os meus medos
aqueles que te atormentam enquanto dormes
sonhas
enclausurado pela porta em aço
e mentes... mentes quando respondes que está tudo bem... e nada está bem... nada.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Dezembro de 2013

papel de parede

foto de: A&M ART and Photos

o papel tua pele que se entranha na madrugada
a canção do menino triste esconde-se entre os arbustos loucos da despedida
o salário emagrece os seios das meninas de leite
e o menino não tem medo do silêncio amanhecer
o papel estremece e arde
e a fogueira dos teus sorrisos parece a chuva violenta das tardes em tempestade
vadias e tristes
tristes.. e emagrecidas mulheres de areia na tua pele anelar que a solidão tece como velhas teias de aranha
tua doce lâmina de papel que um calendário come e vomita nas gotículas negras do suor em suaves prestações de desejo
abraço-te
não
é proibido abraços e beijos e...
pontapés em sílabas mortas
doentes
ou... envenenadas
o cheiro a mofo sai da minha algibeira
o dinheiro em pequenos esqueletos de vidro... simplesmente se derretem como cubos de chocolate...
há farturas
churros e guardanapos nus com braços em prata
a roulote engana-se no pavimento
e desaparece no corredor da morte
há flores à tua espera
há uma lápide de prazer deitada num divã menstruado...
e... e o papel tua pele que se entranha na madrugada
não é mais do que pequenas partículas de sémen desproporcionais que uma equação diferencial alimenta
vive
vive só como vivem os pinheiros esquecidos na montanha do destino...
come-me enquanto durmo
e sonho com janelas pinceladas de verniz
com telhados de cinza
e ardósias...
e o meu nome
o meu nome desenhado a giz
a senhora professora diz que é banal a paixão dos lábios siderais das mangueiras ensanguentadas
há masturbação em grupo na sala da saudade
e... e os beijos proibidos... proibidos são... como o papel de parede gritando LIBERDADE.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 14 de Dezembro de 2013

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

anéis de poesia...

foto de: A&M ART and Photos

o espaço exíguo do meu sonho perde-se na neblina de prata
sei que uma língua de fogo jaz nas profundezas da tristeza
que de um bairro em chapa
acordou a madrugada cinzenta em pétalas de ciume sem beleza
chata
a miúda da perfumaria a tentar impingir-me livros pornográficos
cinzeiros
lanternas mágicas com anéis de poesia...
a miúda diz amar-me sem saber o que é o amor
como eu desconhecia as lágrimas dos bravios pinheiros
das tardes fotográficas
que o recreio da escola inventava entre serpentinas e muros de fantasia

alegria
sorria...
dizem-me que estou a ser filmado

porcaria
com a autorização de quem pergunto eu ao primeiro vagabundo das amendoeiras em flor
alegria
sorria...
lanço-me do telhado e debruço-me sobre as veias mágoas dos cristais envenenados
uma flor em papel é como um jardim desenhado pela mão de um pintor
aberrantes lábios que seguram as florestas da montanha na ponta do lápis de cor
sinto-me exíguo dentro do espaço nas neblinas de prata
és tu tão chata
sou eu... eu um rochedo recheado de pontos pigmentados nas manhãs dos quadriculados
uma rosa à janela do desassossego milagre que a liberdade adensa depois das tempestades...
e o espaço exíguo... sou eu... o homem desiludido com os barcos de veludo em negras tardes


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 13 de Dezembro de 2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

labirinto

foto de: A&M ART and Photos

sinto-me perdido no labirinto da insónia
da janela em linguagem gestual
oiço os vampiros beijos das avenidas entristecidas
os candeeiros escondem-se numa cama de enfermaria
a palavra ténue que o néon absorve
está viva
e habita dentro das tuas veias envenenadas pela solidão dos dias
invento horas
desenho relógios na algália do sofrimento
sinto-me perdidamente perdido no labirinto da insónia
troco a saudade por meia dúzia de cobertores de lã
e sei que na rua vivem flores com sorrisos coloridos

uma sombra vestida de cetim...
acena-me
chama-me...
e come-me como se eu fosse um animal enferrujado do sobejado aço dos barcos fantasmas

o cais espera-me
e o marujo enlouquecido amarra-me aos esconderijos de pedra
sinto-me perdido
perdido procurando uma paragem
ou
a cinzenta madrugada para aportar
sento-me e beijo-me
e tu preferes os meus desastrados medos nocturnos
aos parafusos que brincam nas mesas infestadas de cigarros do bar neblina
o labirinto adensa-se como as estrelas de papel
o meu corpo flutua sobre uma lâmina de gelo
e sinto-me perdido neste labirinto negro e escuro das palavras constipadas


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 12 de Dezembro de 2013

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

musseque das trevas

foto de: A&M ART and Photos

não me toques porque o Sábado não existe
não quero entrar dentro de ti... porque o vento me leva para os telhados de zinco
os pregos mergulham na saudade do menino traquina
saltita entre sandálias e latas vazias...
brinca
chapinha nas águas tranquilas os sonhos nocturnos do musseque das trevas
não toques na minha mão
não querias ser a caneta que dorme
e se desfaz nas minhas tristes lágrimas
não digas sim aos meus abraços
porque... o Sábado não existe
e a neblina... parece cansada nos ramos bravios das madrugadas em flor


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2013

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

arcadas da solidão

foto de: A&M ART and Photos

inventas mentiras com dentes de marfim
escreves falsas palavras nos lábios do rio apaixonado
dizes que sou louco porque tenho sonhos com gaiolas de vidro e sapatos de granito
inventas coisas a meu respeito
que amanhã serei submergido como um navio profanado
uma imagem branqueada
límpida
alegre ou triste
como as tuas mentiras
com dentes...
jacarés em mpingo inoxidável
voando sobre as arcadas da solidão

inventas flores com sabor a orgasmo silabando e desfiado pela mão do drogado
sabes que os poemas escritos no teu corpo são uma lareira de prazer
e nunca mais desaparecerão da tua pele flácida
mole...
mole e cintilante como diamantes num leito abandonado
inventas carcaças de baleia que trazem a nós o cheiro nauseabundo do teu sémen com... dentes de marfim
e o drogado de mão estendida... sonha como eu sonhava
com gaiolas de vidro e sapatos de granito
(se é lá possível... gaiolas de vidro e sapatos de granito)
louco ele
varrido
como as folhas do velho plátano na madrugada das aflições intermináveis...
e acreditava que tinhas nos seios as pétalas embebidas na penumbra neblina do silêncio


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

giba da paixão

foto de: A&M ART and Photos

brincava com as dúcteis tuas mãos de porcelana
vivia em nós o espelho giba da paixão
e sabíamos que das barcaças tontas dos malignos jacarés de palha...
palavras em fogo atravessavam os nossos corpos
eram agulhas de desejo
como serpentes envenenadas da selva dos beijos embriagados
comíamos coisas fúteis
bebíamos líquidos esbranquiçados com duas simples pedras de gelo...
a tua mão tremia
abraçada à tua voz de noz enfeitada com néons de linho nos cortinados vazios das esplanadas nocturnas de Belém... e os cacilheiros dentro de ti
choravas e uivavas...
e apitavas...

percebia-se nos teus olhos o romper da madrugada
e o regresso das chuvas invisíveis com sabor a procissão desalmada
brincava
choravas
e vivíamos encalhados numa tenda de circo
com asas metálicas
e nariz em fibra-de-vidro...
não não éramos um avião
e vivia em nós o espelho giba da paixão
um fino sabor a hortelã vagueava no teu rosto desenhado no xisto de prata
e da lareira
uma nuvem de sofrimento fundia-se como chumbo no prato fundo da ribeira dos tristes orvalhos...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 9 de Dezembro de 2013

domingo, 8 de dezembro de 2013

Posso oferecer-lhe flores, menina?

foto de: A&M ART and Photos

O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, alimenta-se de pigmentados corações de açúcar, dança descalço sobre as pedras quadriculadas do caderno de Matemática, inventa equações que para não esquecer o significado de cada uma, escreve-as na adensada areia branca da praia das gaivotas cinzentas, o menino não acredita que existem barcos com asas, o menino não acredita que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Ela dizia-me que quando eu fosse grande
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Cresci, fiz-me de homem
Fizeram-no homem com braços, com pernas, com... cabeça e olhos, tudo, tudo em granito, puro, do Transmontano, mas nunca contou que
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu?
O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, o menino de sorriso amarelo não gosta do Natal, das coisas supérfluas e inanimadas como as árvores rendadas do pijama dela,
Ela dizia-me que quando eu fosse grande um poema chamado saudade aparecia na minha sombreada constipação nocturna das flores ainda não oferecidas
Posso oferecer-lhe flores, menina?
O parvalhão do moço, dizem que sou eu, inventava palavras e escrevia-as sobre a pele incandescente da areia branca das praias do Mussulo, o menino de sorriso amarelo queixava-se que a travessia transatlântica era uma maneira fácil e cómoda de se esconder dos embondeiros com lábios de suor encarnado, havíamos de descobrir o amor e a paixão, o silêncio quando a noite rompes os cortinados vazios dos púbis em fúria, havia sempre um clitóris agoniado, sem sentido, às vezes
Envergonhado,
Outras
Outras..., não, não gosto do Natal, e o poeta é lindo enquanto escreve, e o homem de pedra é homem enquanto a pedra não se desfaz, esmigalha-se... e o pó entranha-se nos móveis do quarto com varanda para o Tejo,
Os apitos chegavam-nos de Cais do Sodré, elas vestidas de meninas gritavam...
Olá meninos, vamos a uma voltinha?
Inseríamos a moeda na ranhura... e voávamos sobre as oliveiras invisíveis que me acompanhavam desde o Douro ainda não Património da Humanidade, mas um Douro carrancudo, encurvado... como cobras de cabeça em prata que pernoitavam no vão de escada do sótão dos esquimós de aço, que inventávamos nos iglus que o prazer carnal transmitia aos alicerces de leite-creme depois das aventuradas passagens pelo carrossel do sexo vampiro, o sangue aparecia nos tornozelos da ardósia tarde, os cobertores
A menina dança?
Nem dançava nem tão pouco consentia que lhe apalpassem as mamas, como as plantas do canteiro da dona Augusta, acariciávamos-lhes as doces pétalas de chocolate, e depois
Envergonhado,
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu? eu... o poema chamado saudade...
Subíamos, descíamos, rodávamos em sentido contrário aos ponteiros do relógio do tio Serafim, e vinha-me à memória o círculo trigonométrico do tesão quando o cosseno de trinta e cinco graus adormece sobre as âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, choravam elas, tremiam, e
Não deixavam que lhe apalpássemos as mamas porque diziam
São estrelas com sabor a tristeza,
As flores, o carrossel e o vão de escada,
Cais do Sodré em sólidos apitos, e eu
O menino de sorriso amarelo não acreditava no Natal,
Depois
Acordei, fizeram-me de homem
E tal como o menino
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
É ela, quando acendo a luz do candeeiro da mesa-de-cabeceira e vejo lá poisado um par de óculos, um livro do Agualusa e o “Quinto Livro de Crónicas” de A. Lobo Antunes, e oiço-o em teias de aranha caminhando no corredor do
Carrossel
Inseríamos a moeda na ranhura...
E no corredor do sótão um jacaré de palha seca brincava com o menino que
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Um carrossel pintado de fresco,
Cuidado
“Pintado de Fresco”
O Natal... e as meninas não gostam que eu lhes ofereça flores...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Dezembro de 2013

cadáveres de cartão

foto de: A&M ART and Photos

a rosa assassina que dorme no silêncio do teu livro
come-lhe as palavras
inventa segredos
imagens
cores...
sorrisos que às vezes parecem tempestades
e paixões disfarçadas de cadáveres
que às vezes...
parecem... que às vezes parecem a rosa assassina
do teu livro
à tua mão
o meu beijo alicerçado aos teus espelhos de Verão


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Dezembro de 2013