sábado, 7 de setembro de 2013

e eu e eu acreditei

foto de: A&M ART and Photos

não sei como são as tuas manhãs de solidão
quando acordam os vidros embalsamados pela escuridão do corpo suspenso no tecto da paixão
não sei como és quando descem sobre ti as mandíbulas ensanguentadas do orgulho
quando o mar entra na tua mão
e no peito
uma âncora de prata alicerça-se como um cogumelo encarnado
voando sobre os cinzentos teus seios de flor apaixonada
não sei como são as tuas tristes manhãs de solidão
se és branca
escura
alegre abelha de silício
procurando a colmeia do púbis em madrugadas embriagadas

não sei como são os barcos onde nasceste
viveste
brincaste com os meus olhos debaixo das mangueiras de papel
e tínhamos dentro de nós
o frio congelado dos beijos nunca dados
inventávamos tardes numa sanzala de cartão
e chapinhávamos nos charcos de incenso
as doces pernas da infância
brincávamos
e em beijos
ouvíamos os meninos que dormiam sobre um colchão de palha castanha...
e chovia e dormiam e choviam coloridas imagens de triângulos equiláteros

eu procurava nos teus seios ainda por descobrir o cosseno dos teus abraços
e tu
calculavas a tangente do sémen que um dia apareceria nas equações húmidas diferencias
que de um caderno quadriculado saltitavam como pigmentos de resina depois da despedida noite em lençóis de Aspirina derretida
éramos tontos vagabundos de areia
apaixonados loucamente e literáriamente vestíamos personagens magoadas pela ausência do Pôr-do-Sol...
não sei como são as tuas manhãs de solidão
porque a noite rende-se à porta de entrada
onde moram as tuas loucuras fantasias dos telhados em zinco
uma sanzala chorava
eu chorava...
e tu dizias-me que o cacimbo tinha levado o meu triciclo e eu e eu acreditei


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Setembro de 2013

Esqueleto de aço com mãos de seda

foto de: Francisco Luís Fontinha

(dedicado ao amigo Zeca Gaspar)


Se sentes a pulsação do sol não digas que estás triste, inventa riscos traçados nas paredes das nuvens envergonhadas, inventa desassossegos nos cansaços das caravelas teus olhos, hoje, encerrados como quatro paredes de uma cela com meia dúzia de grades em papel colorido, inventavas traços nas costas dos morcegos, inventavas sílabas na língua dos socalcos inclinados descendo o Tua... e ao longe, o verdadeiro apito da vida, as tuas mãos que seguravam as escadas em direcção ao Céu, as tuas mãos, iguais às minhas, iguais às de tantos outros camaradas... acreditávamos que era possível vencer a insónia, o cansaço e a fome, como tantos outros, tudo demos, e tufo fizemos, se sentes a pulsação do sol, tu, amigo, não fiques triste pela ausência da luz vestida de marinheiro, não fique triste amigo
(prisões de chocolate com sabor a melancolia)
E no entanto, tu, eu, acreditávamos no sonho, na saudade, na literatura e nos automóveis com nomes esquisitos
Dizias-me... Isto é um Lada... e
E nas árvores com pássaros coloridos por diversos artistas, por diversas mãos, como as de há pouco, pequenas, silenciosas, e meigas, em chocolate, em porcelana, em...
E subíamos e descíamos, ruas e becos e montanhas, e nunca, e nunca
Adormecíamos, e nunca, e nunca
Éramos vencidos pelo cansaço, pela vergonha, ou
Dizias-me... Isto é um Lada... e ao longe, o comboio subindo o Douro, ofegante, na mala do carros a propaganda misturada com inocência, misturada com a saudade, misturada com os sonhos, os mesmos sonhos que ainda hoje, uns mais do que outros, acreditam, acreditamos, e tu? Onde estarás agora, logo, e pela madrugada? Andarás a segurar as escadas sonâmbulas onde eu timidamente, como medo de tombar sobre as pedras íngremes do medo... eu... subia, subia
Não tenhas medo pá, ninguém nos bate!
Claro que não, claro que não, respondia-te sempre com todo o respeito que merecias, mereces... e continuarás a merecer, como continuará suspenso na parede da minha biblioteca o quadro que me ofereceste, autografaste... e quando te encontrar, talvez
(prisões de chocolate com sabor a melancolia)
Se sentes a pulsação do sol não digas que estás triste, inventa riscos traçados nas paredes das nuvens envergonhadas, inventa desassossegos nos cansaços das caravelas teus olhos, hoje, encerrados como quatro paredes de uma cela com meia dúzia de grades em papel colorido, inventavas traços nas costas dos morcegos, inventavas sílabas na língua dos socalcos inclinados descendo o Tua... e ao longe, o verdadeiro apito da vida, as tuas mãos que seguravam as escadas em direcção ao Céu, as tuas mãos, iguais às minhas, iguais às de tantos outros camaradas.. porque a vida é isto, entramos uns dentro dos outros... e depois...
Depois...
Simplesmente... partimos.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 7 de Setembro de 2013

Texto em destaque - Blogue Cachimbo de Água - Sapo Angola


Texto em destaque - Blogue Cachimbo de Água - Sapo Angola

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

então um dia

foto de: A&M ART and Photos

então um dia vou cobrir o teu corpo de rosas...
inventar o sono que dormirá sobre os teus seios em pedaços de pétala
então um dia vou saborear os teus lábios como se fossem pequenos favos de mel
como se fossem Primaveras embebidas em silêncios
mergulhadas
como se a luz fosse uma janela
e o mar
a jangada por onde foges
corres
invisível no corredor da solidão
então um dia voarás nos meus braços
e do teu sorriso uma fina lâmina de madrugada embriagar-se-á com o teu corpo salgado


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 6 de Setembro de 2013

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Assim seja, assim seja, amigo fiel...

foto de: Francisco Luís Fontinha (Noqui)

Será que me vais perdoar? Os dias terminavam em canseiras brincadeiras e ao longe submergia o cheiro do rio encurvado, um barco flutuava sobre o teu peito com asas fungiformes, acendiam-se as lâmpadas da dor, olhavas-me, eu olhava-te, trocávamos silêncios por pedaços de solidão, depois chegava o perfume de embriaguez que servia de esconderijo das mulheres que te absorviam como as moscas embebidas nos cortinados de areia, eu percebia a tua dor, eu sentia o teu sofrimento, eu
Adormecia envenenado pela tua tristeza vagabunda que circulava pelas ruas da velha cidade, pegávamos numa pistola, brincávamos com balas de borracha e teias de aranha magoadas pelos tornozelos das sombras das estrelas em papel crepe, solitáriamente correndo becos, encostando-se a esquinas invisíveis, e inventando mares de prazer entre lençóis de espuma, eu
Adormecia,
Pensava em ti, recordar-te como criança saltitando os socalcos dos íngremes vómitos do comboio em direcção ao Porto, curva, curva, montanha, montanha, e nada mais
Xisto?
Quanto houver, venha ele, se for preciso... comemos-o como se comem os mabecos que o inferno tece, vulcões com sorrisos de marfim, tabique em solstícios envergonhados, e havia janelas com larvas suspensas nas persianas da lareira do incenso, adormecia, adormecia, adormecia... até que o vento nos separava, até que a tempestade nos transportava para
Onde?
Xisto, voávamos sobre as circunferências tracejadas dos olhos castanhos que viviam na página trinta e cinco do livro das noites sem dormir, tínhamos vergonha de sonhar, tínhamos vontade de comer
Os mabecos?
Tristes, alegres, cansados folgados, meninos e meninas, soldados
Todos temos o direito de amar...
Guerreiros, canhões de guerra barcos e petroleiros
Todos temos o direito de amar...
Xisto? Quanto houver, venha ele, se for preciso... comemos-o como se comem os mabecos que o inferno tece, vulcões com sorrisos de marfim, tabique em solstícios envergonhados, e havia janelas com larvas suspensas nas persianas da lareira do incenso, adormecia, adormecia, adormecia... até que o vento nos separava, até que a tempestade nos transportava para
Os socalcos?
Para, para depois de amanhecer descermos as escadas do poço da morte...
Assim seja, assim seja, amigo fiel.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Setembro de 2013

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

um dia

foto de: A&M ART and Photos

um dia serei eu
um dia acordará a madrugada vestida de branco
com uma pétala de rosa em cada estrela suicidada
um dia vestir-me-ei de amanhecer
como as páginas de um livro perdido na livrarias em poeira...

um dia acordarei e tu és uma pausa
como as sombras do musseque
depois da chuva se entranhar na terra ressequida
um dia
um dia ausentar-me-ei... como as bananeiras do teu sobrolho

como as sílabas dos teus lábios
e um dia saberás quem sou porque morri
partirei para a terra de ninguém
não estarás certamente à minha espera... porque tu não existes
porque tu és uma feiticeira com asas de carvão e boca de crocodilo


(n ã o r e v i s t o)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 4 de Setembro de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Essas, essas, não...

foto de: A&M ART and Photos

Não percebo as angústias dos teus braços, é sexta-feira e lá fora chove, e todas as flores do nosso jardim, hoje, hoje não estão, bato-lhes à porta e parecem ausentes, ou doentes... ou preferem não me reconhecer durante a viagem ao inferno dos teus sonhos, tenho portas metálicas que me obrigam a esconder da luz original das madrugadas onde tu
Eu deitava-me sobre os embondeiros dos teus olhos, abrigava-me como pétalas e mesmo assim, sabia que tu
Que eu?
Que tu continuavas a mentir-me, que tu
Que eu?
Que tu continuavas a escrever nas nocturnas meninices com o cabelo apanhado e enrolado sobre os bronzeados comestíveis peixes do aquário que durante anos tivemos na sala de jantar, hoje
Hoje?
Hoje, ontem, talvez amanhã...
Hoje, que... eu?
Hoje, ontem, talvez amanhã... sexta-feira, meia-noite nos teus lábios, o pêndulo tresloucado contra a trave em madeira que sustenta o tecto, do aquário os peixes de brincar adormecem nas mãos deles, e os ponteiros de ti... adormecidos entre as três horas e as três horas e quarenta e cinco minutos, indeciso, não o sei
Desisto?
Não Desisto?
Hoje?
Que tu continuavas a mentir-me, que tu
Que eu sofro porque deixei de observar as estrelas sobre o mar, que eu sofro por
Tu continuas a mentir-me,
Tu
Tu que eu sofro por não adormecer devidamente como as nossas plantas da varanda das traseiras, porque
(Para que serve esta porcaria, saberás responder-me?)
Porque os rios são de seda, porque as árvores são de papel... porque eu
De pano, achas que eu sou de pano?
Talvez de entretela... estranha manhã a tua antes de acordares e me venderes o primeiro e o último beijo do dia, um por dia, trinta e cinco euros, e a vida parece sorrir-lhe até que regressou um veleiro de lá e trouxe a tempestade de abelhas que devoraram todas as plantas
Da varanda das traseiras?
As plantas que não quero, as plantas que não me interessam... e o cansaço encontrou-me debaixo da meia-noite, despeço-me de sexta-feira e entranho-me no sábado...
Normal?
(Para que serve esta porcaria, saberás responder-me?)
Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras?
Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras? Da varanda das traseiras?
(Para que serve esta porcaria, saberás responder-me?) e
Desisto?
Não Desisto?
Hoje?
Que tu continuavas a mentir-me, que tu
Que eu sofro porque deixei de observar as estrelas sobre o mar, que eu sofro por
Tu continuas a mentir-me,
Tu
E,
… cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não...
… cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não... cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não... cansaço sono amargura sofrimento solidão loucura... tudo, tudo, menos as plantas da varanda das traseiras,
Essas, essas, não...


(não revisto – ficção – Alijó)
@Francisco Luís Fontinha
Terça-feira, 3 de Setembro de 2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

As três tristes palavras

foto de: A&M ART andPhotos

Balanço-me das tuas tristes três palavras escondidas no disperso xisto que jazem nas tuas mãos como pigmentos coloridos de pequenos animais, balanço-me e esqueço-me, percebo-o agora, não o sabendo, das tuas outras vozes que alimentas o piano de cauda que vive no hospício com janelas gradeadas viradas para o jardim dos doces colares de pérolas, vejo-te passar sobre o alegre relvado onde brincam árvores, pássaros e crianças que ainda não lhes é permitido visitarem os pais, as mães... os amantes as amante, que amam, que vivem, que comem drageias como quem saboreia os gelados do Baleizão, sentava-me, via-te sobre saias curtas e sandálias com tiras finas de couro adormecido, passavas, olhavas-me e eu, indiferente
Saboreava-o como se ele fosse um botão de rosa descoberto no interior de um velho livro de poemas, havia junto dele uma fotografia, uma imagem estática, triste e com olhos mergulhados em água salgada, olhavas-me, olhas-me... e nada consegues dizer
Apenas
Talvez,
Que o dia terminou, que alguém correu o cortinado da tarde... e o Baleizão mergulha nas sombras dos barcos encalhados perto da Maria da Fonte, de longe chegava o som do Grafanil, cheirava a naftalina e a calções recheados de urina, e ouviam-se os teus suspiros depois de terminar o espectáculo de circo onde passeavas sobre um arame invisível, olhavas-me e vias-me...
Apenas
Talvez,
As mesas e as cadeiras metálicas, o chão em pequenos cubos de açúcar, e eu sabia que nunca mais regressaria aos teus abraços de menina vestida de branco passeando na companhia de um belo e monstruoso cavalo, pungente, e de olhar triangular como as estrelas do Mussulo, e apenas
Talvez,
Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles, os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam
Somos felizes aqui,
Perguntava-me
Felizes?
Não, nunca percebi porque prendiam os barcos com cordas se eles de tão velhos quase não se movimentavam, viviam encaixotados em andares sem elevador, escadas, escadas, a cadeira de rodas mal conseguia mover-se no interior do caixote de vidro, e eles, os barcos, e eles os barcos enferrujados gritavam como meninos antes do lanche, tristes, e no entanto, alguém os amarrava às cadeiras e às camas... como medo que eles
Navegassem...
Que eles
Fugissem...
Que eles
Que eles fossem fumar cigarros para Cais do Sodré, entrassem no Texas, pegassem numa das meninas cinzentas, e
Dançassem,
Dançassem até que o comandante com o apito embebido misturado com vodka... os mandasse regressar ao cais, ao cais do caixote de vidro, escadas, escadas, escadas... até que morriam, hoje um, amanhã outro...
E deixavam de ser barcos
E deixavam de ser as três tristes palavras.


(Não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

um corpo putrefacto como as flores de Sábado à noite...

foto de: A&M ART and Photos

a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?
não vestido
voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira
debaixo do corrimão...

oiço-o ofegante adormecido nas noites de solidão
oiço-o em corrida apresada descendo a calçada
abrindo janelas
abrindo... olhares cintilantes com sabor a estrelas do mar

oiço os apitos marinheiros
embriagados por ti
e em ti
quando inventas seios de prata e coxas de chocolate

oiço-o mergulhar nas minhas asas
são os teus sorrisos vagabundos como silêncios prisioneiros das aranhas clandestinas
mórbidas
mortas pela ranhura de uma lâmina de barbear

(a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?
não vestido
voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira
debaixo do corrimão...)

e oiço-o suspenso nas árvores do jardim da Estrela
e oiço-o que me chama e precisa das minhas mãos para subir as escadas da insónia
pertencerás tu aos grandes pilares de areia?
o comboio cintila e morre nos teus olhos cintilantes envenenados pela luz falsa
reescrita nos muros das palavras deambulantes que as gaivotas trazem da ilha...
oiço-o
e oiço-o sobre a cama esperando pelos meus lábios de sabão
como as pequenas caravelas de esferovite perdidas no tanque dos quatro caminhos

a quem pertencerá? um corpo voando nas marés de vidro
um corpo um apenas e simples corpo
o teu corpo que ninguém consegue explicar a quem pertencerá...
terá nome idade sexo religião? um corpo putrefacto como as flores de Sábado à noite...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

domingo, 1 de setembro de 2013


A chuva não existe

foto de: A&M ART and Photos

Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos, vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... como a lua procurando as tuas mãos sabendo ela, que as tuas mãos são um pêndulo, suspensas por um longo fio de nylon e suspenso no tecto da paixão,
Um corpo em repouso, estaticamente só, um corpo longínquo e transformado em ponto de luz, mergulha, e dorme, e alimenta-se das lâminas transparentes dos apitos marinheiros com vista para o mar... um corpo só, suspenso no pêndulo da noite, adormece, sonha, vive, esquece... e saltita como marés cinzentas depois dos velhos suspiros em peixes voando sobre a cidade, este corpo, este pequeno ponto de luz... ele mesmo, a própria cidade, a cidade mergulhada nas camisas madrugadas ornamentadas de pequenas dentadas, e em dentes de marfim, o teu corpo aparece transvasado dentro das minhas tristes mãos, como um vagabundo silencioso perdidamente esquecido nos bolos de chocolate e das fatias laminadas que sobejavam da luz vizinha em arbustos envenenado pela solidão dos finais e tarde, um corpo, o teu, um pequeno ponto de luz, procurando, procurando verdadeiramente o movimento circular uniformemente acelerado, serve-te, este?
Não sou eu que procuro a luz dos teus olhos, mas ela persegue-me, embrulha-se nos meus braços, e não me deixa escrever, às vezes, sinto-a longínqua em redor do meu pescoço, quase não respiro, quase não vivo, e mesmo assim, o teu corpo, minúsculo, o teu corpo transparente das tardes de Setembro... voa, e navega como uma caravela nos lençóis de espuma que o desejo abandona depois de acariciá-lo, depois de...
Não percebi!
Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos, vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... imagino-a sobre o piano, imagino-a enrolada ao cortinado carmim da janela da biblioteca, entre mortas personagens e vivas paixões de areia, o mar, nua, sinto-a como a se fosse filha da chuva e mergulhada nas sandálias da manhã por acabar, sinto-a vaguear nas sílabas do meu corpo, e depois
Não percebi, não percebo porque chove em ti,
Depois, qualquer coisa de estranho na tua voz, um simples e medíocre círculo com olhos verdes, e escrevi-o sem saber porque o fiz, ou se vivesse eternamente, acreditava na morte dele depois de o escrever, e não percebi e não percebo que ainda vive em mim e só morrerá quando eu morrer, quando as minhas mãos deixarem de escrever e o espelho
Não percebi...
E o espelho vestido de grená espera-me


(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Setembro de 2013

P.S.

Deixei de ser eu quando a chuva me roubou os sonhos de papel que e guardava religiosamente no meu peito, deixei de ser eu, e mesmo assim, corria devagar para adormecer nos teus braços de aço, âncora mórbida, só, sentada no Cais das Colunas, só como as nuvens quando desciam as escadas dos velhos e rabugentos guindastes e entravam no teu sorriso, embebias-te em algodão e açúcar refinado, e tão finas que eram as noites em ti que deixei de existir, deixei de ser
Eu?
Tu?
Deixamos de viver, de comer, deixamos de correr em volta de um círculo com olhos verdes, ele, vive, ele pertence ao livro ainda não terminado, vive, come, vive e oiço-o diversas vezes nas ranhuras clandestinas dos veleiros invisíveis,
E ainda há quem diga
“A chuva não existe”,
E ainda há quem diga que o teu corpo é de espuma e que os teus olhos são...
Pequenos pontos de luz?
Electrões, fotões, positrões, neutrões, partículas de Deus... e afins, limitada, com sede na rua dos desgostos, número vinte, Lisboa,
E ainda há quem diga que o teu corpo é como a espuma, e desaparece todas as sextas-feiras à meia-noite, rés-do-chão, direito.