sábado, 10 de agosto de 2013

Pedras rasuradas

foto de: A&M ART and Photos

As pedras rasuradas que alimentam os teus olhos
às lágrimas choradas
como ribeiras em declínio tombando sobre a calçada
vêm as árvores à tua dócil mão de chocolate adormecido
vens tu procurar-me no interior da fértil maré que a solidão semeia nos teus seios...
sou filho pródigo do teu ventre
sou as palavras que escreves nas pálpebras da inocência
as pedras
rasuradas...
onde deitas o teu cabelo em pedacinhos amanhecer
sombras e telhados olham um líquido escorrer...
das folhas enlameadas dos velhos saberes,

Choram as tuas pedras rasuradas
um livro recusado à mão escrever
escorrem de ti as uvas embriagadas...
em videiras tuas lágrimas choradas
as pedras
e o feitiço dos lábios suspensos na tua boca
as pedras
loucas quando adormeces sobre mim antes de nascer o sol,

Loucas quando... nascer o sol
as tuas pedras amarguradas
as tuas doces pedras rasuradas
que a chuva engole nas tardes de neblina...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 10 de Agosto de 2013

Flores e ruas... Flores

foto de: A&M ART and Photos

Sempre o quiser, sempre sonhei viver, assim, como vivo, simples, livre, às vezes, pareço um abstracto pólen voando sobre a cidade infestada de ratazanas, flores, abelhas, mulheres e homens, crianças, tendas de lona e roulotes, sempre o quis ser, sempre sonhei viver assim, como hoje, ontem, procurando coisas, vendendo coisas, tendo dentro de mim
Coisas?
Dentro de mim a saudade das fotografias a preto-e-branco, imagens mortas, imagens encerradas dentro de um livro, imagens..., sempre o quis ser, sem cheiros, sem a visão da terra gretada antes das chuvas, dentro de mim, coisas, edifícios com coração de madeira, ruas e ruas, coisas, automóveis, barcos flutuando
Dentro de mim?
Coisas,
Não flores, dentro de mim, barcos flutuando nas sandes da manhã, dentro de mim, gaivotas vomitando coisas, porque a ressaca assim o determina, coisas, não flores, não guilhotinas, cordas
Para que servem, pergunto-te, coisas?
Não
Flores, a terra cheira a húmus, a terra cheira a literatura, a terra sabe a poesia, coisas, das coisas, de ti, e de mim, não, não flores, nunca, e nunca me ofereceram flores, nem quando ele se transformava em mulher, nem quando ele
Não
Não flores,
Nem quando ele olhava o espelho do guarda-fato, vazio, coisas, como um compartimento sisudo, sem sorrisos, e que nunca viu o silêncio, nem quando procurava
Ruas?
O desejo transformando-se em mulher, vagueando como minhocas nos jardins das plataformas do cais de areia, trazias umas calcinhas, não meias, Flores? Não
Flores,
E ruas...
Flores,
E nauseabundas camas ortopédicas, onde praticávamos os números de circo que depois exibíamos nos espectáculos sem nome, procurando terras, vivendo dentro de espelho, gemendo quando os sexos, o meu, e o teu, e não flores
Flores?
Se misturavam nos lençóis como a capa do homem que era responsável pela apresentação, uns gritos, uns poucos uivos, e gemidos, dentro do camarim, dentro do espelho
Não, hoje não, flores, não flores,
E ruas?
Nem quando ele olhava o espelho do guarda-fato, vazio, coisas, como um compartimento sisudo, sem sorrisos, e que nunca viu o silêncio, nem quando procurava
Ruas?
O desejo transformando-se em mulher, vagueando como minhocas nos jardins das plataformas do cais de areia, trazias umas calcinhas, não meias, Flores? Não
Não?
Fiquei
Perdi-me nas avenidas escuras com dentes de marfim, fiquei, dentro do armário, anos, meses, segundos, zero, menos um, menos dois...
Debaixo da terra, encalhado numa linda e bela fenda, eu, da roulote, chamava por ti, ouvias-me e dizias que tinhas ficado surdo, ouvias-me e dizias que a lona tinha voado, como o faziam
Pássaros?
Flores?
Fiquei, esperei por ti, perdi-me nas avenidas de gorro e sobretudo, e não
Flores?
Não
Porque odiávamos as flores, porque
Dentro de mim?
Coisas?
Tristes, as coisas que me contavas, contas, e deixaste de contar, tristes, nós, eu e tu, tristes, dentro de uma roulote parecendo um bar flutuante a passear sobre uma velha ponte metálica, porque, tu, deixaste de coisas
Flores?
Não, não flores.

(Não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

estranhas-me e desiludes-te

foto de: A&M ART and Photos

estranhas-me e desiludes-te
com as palavras que se escrevem nos meus cansados lábios
caminho corro caminho e sonho e volto a correr e volto a caminhar
com as palavras
passear-me correndo sobre as giestas adormecidas do orvalho Oceano
estranhas-me e desiludes-te
como eu
quando percebo que da rua vêm os desejos sem braços
pernas
esqueletos e aços
barcos em papel
e foguetes de cordel... subindo subindo subindo...

subindo teu corpo acima
do mais belo entre as madrugadas inventadas
e os sonhos
correndo só descendo contigo correndo como ele descendo descendo

caminhando na tua mão
sou como as serpentes
enrolar-me-ei no teu pescoço e acariciar-te-ei os teus desejosos beijos
descendo subindo descendo
caindo
subindo pelo teu corpo acima
descendo
como um rio entre as margens procurando os seios da montanha

tomando sobre o mar
cair
morrer sem morrendo
tombando tombando... tombando sobre as tuas coxas cinzentas

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Qualquer coisa - Que ela é o diamante dele

foto de: A&M ART and Photos

Tinhas um gosto qualquer, inexplicável, sabias-me a nafta e dei-me conta que não existo, sou uma sombra que vive dentro de um espelho, sou um lugarejo sem vida e perdidamente encalhado na serra, vivo fingindo viver, habito os corpos sem palavras, tenho asas, e voo, e durmo, e choro, e tenho sempre na algibeira as lágrimas da noite, invento coisas, coisas invisíveis, como pessoas, como árvores, como... ritmos de ninguém, excepto, excepto quando acordam as gaivotas dos pedaços silêncio que guardam as amendoeiras em flor, há uma ponte que me transporta, há uma vagão escuro sem janelas, que em noites de solidão, me acolhe, me alimenta, há mentiras vestidas de verdade, mentiras em lábios de espuma, marés invertidas, corpos suicidas como as lâminas finas dos orgasmos nocturnos, tinhas um gosto qualquer, inexplicável, sabias-me a coisas amargas, distantes, coisas sem significado, coisas abstractas, fúteis como as tuas mãos, coisas
Ainda existem as palmeiras?
Coisas intransponíveis, coisas apenas, indisponíveis, indigesta, alimentos vagabundos que o vizinho de quarto esquerdo deixa todas as noite à entrada da porta, lá dentro, oiço-o em conversas fictícias, conversas... conversas parvas, que a ama
Amo-te querida,
Que ela é o diamante dele
És o meu diamante, minha querida,
(que treta)
Falhados, fúteis, lamechas, queixinhas,
(que treta)
Amo-te,
Coisas intransponíveis, coisas apenas, indisponíveis, indigesta, alimentos vagabundos que o vizinho de quarto esquerdo deixa todas as noite à entrada da porta, lá dentro, oiço-o em conversas fictícias, conversas... conversas parvas, que a ama, que dava a vida por ela, que...
Palhaço,
(Sair, beber um copo, esquecer que vives e habitas no Bairro Madame Berman)
Que se cada toque que recebo no Facebook correspondesse a um euro... porra, não fazia nada, nada, nem tão pouco escrevia, que se ela regressar, eu fujo, escondo-me na sanzala onde nasci, juro, escondo-me num charco depois das chuva que sobejou no musseque, subo para o telhado, sento-me sobre o zinco, e não desço, e não regresso, apenas se ela me prometer que não voltará nunca, jamais, eu, percebo que sou uma ponte alérgica aos automóveis, apenas sobre mim andam velhinhos e velhinhas e criancinhas, nada mais do que isso, nada mais do que ontem, porque hoje,
Palhaço, eu, eu sim!
(cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado, cansei-me, fartei-me, farto, farto, cansado, cansado)
Palhaço, eu, eu sim!

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Verdes pedras da calçada

foto de: A&M ART and Photos

Porque são verdes as pedras da calçada do teu olhar
E íngremes as pálpebras da tua madrugada
Porque são cinzentos os lábios da tua insónia…
E tristes os silêncios da tua saudade,

Porque és de xisto se o teu corpo é mulher
Esculpida nas estrelas de mil cores
Porque escreves em mim
As palavras proibidas
As palavras
As outras
As cansadas
Porque gritas com as minhas lágrimas
Se estou à janela a contar os barcos no seu regressar…
Porquê?
Porque dizes que sou louco…
Se das minhas mãos crescem gladíolos com sabor a gelados de amar…

(Porque são verdes as pedras da calçada do teu olhar
E íngremes as pálpebras da tua madrugada,
Porque são cinzentos os lábios da tua insónia…
E tristes os silêncios da tua noite)

Porquê porquê?
Porque construíste um muro em betão
(entre o meu coração e os teus cabelos de vento)
Porquê?
Se amanhã é Sábado
E as lanternas do amor estão desligadas…
Sós e apagadas
Porque me dizes baixinho… devagarinho…

Que a solidão é um corpo estranho
Medonho
Sujo
Imundo… como as palavras que me gritas,

Porquê?

Porque são os teus dedos
As esferográficas dos mendigos
Porquê?
Se eu sou o veneno do teu viver…
A mentira que inventaste numa noite de tempestade
Porque deixaste ficar as árvores
E levaste contigo
Todos… todos os meus pássaros de papel!

@Francisco Luís Fontinha – Alijó

e sinto o meu esqueleto vaguear sobre as tuas coxas de cereja

foto de: A&M ART and Photos

embriagas-me os olhos em silêncios neblina
como esperanças vãs
e manhãs adormecidas
que dentro ti
voam como serpentes em desejo
no veneno tua doce mão
que dentro de ti
entre o beijo e a saudável poesia
embriagas-me
os meus olhos sintéticos pintados com acrílicas insónias
e dizes que as minhas pálpebras são os pedaços da noite
mergulhadas em mesas de café...

embriagas-me como paixões de areia
no coração dos barcos apaixonados
indefinidos sem saberem o sexo das marés travestidas de baloiço
onde me embriagas
e me comes
e sinto o meu esqueleto vaguear sobre as tuas coxas de cereja
como um transeunte ausentado das madrugadas em papel
branco vazio sem palavras ou... recheado de cadáveres empobrecidos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Rosas de amar

foto de: A&M ART and Photos

Rosas... rosas de amar, cansativas rosas após um estonteante dia louco de silêncio absoluto, nada existia que brotasse um simples melódico som, nenhum barulho, nada, nada que se ausentasse de mim e me deixasse adormecer sobre as roseiras do jardim dos cossenos de areia,
Havia bruxas vestidas com panos em tecido falsificado, havia bruxos com mamilos de bruxas, e havia os apelidados tresmalhados do Reino, que de degrau em degrau, vão subindo, proliferando como camaleões embrionários, gajos e gajas, nojentos como os bichos, agarram-se ao galho mais resistente... e ficam lá até ser dia,
Rosas, meu amor, trouxe-te rosas, rosas de amar, rosas após o pequeno-almoço, rosas depois do almoços... e roas depois de fazermos amor,
Abrimos a janela
Rosas? Claro que sim, claro que sim, até que seja dia, eles, elas, todos, lá estarão à espera do prometido, Rosas
Sim, meu amor, Rosas...
A velha Singer
A vomitar, Rosas,
Amar, rosas de, inventadas pelas mãos da bruxa voadora, quanto ao bruxo, quietinho a aparelhar os mamilos como limões acabados de colher, frescos, rijos, ainda meio amargos, a vomitar,
Rosas, sim, sim meu amor, são rosas de amar, rosas, com pétalas em papel, com palavras, textos, poemas, com lábios e ti quando tu brincas no meu jardim, olhas-me, e não me desejas, viras-te para a janela dos vidros negros, chamas ao vento noite e à noite, à noite chama-la de sexo, e voas sobre mim, danças, e brincas no meu jardim, sim, sim meu amor, são, são rosas de amar, rosas, simples, morenas, negras, encarnadas
Brancas?
Não, sei, não sei meu amor,
E oiço-te suspirar dentro da escuridão, há uma vazio de películas parecendo imagens a preto-e-branco desnecessárias, cansadas, hoje o dia, cansativo como os teus olhos, quando regressas do infinito e me trazes um presente
Outra vez rosas, meu amor?
São rosas de amar, meu querido, são rosas de amar,
E assim, a bruxa, o bruxo, os gajos e as gajas suspensos e suspensas nos galhos dos ramos das árvores mais resistentes do Reino... tombaram, e fingiram viver felizes até que a morte os separasse,
Ninguém morreu,
Apenas as rosas, rosas de amar, e ninguém vai morrer, porque estas rosas não são de comer, são verdadeiras, são rosas...
De... amar,
Rosas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Fingindo crescer brincando não brincar

foto de: A&M ART and Photos

Uma tímida mão de porcelana
entranha-se no teu olhar vigilante como as nuvens sem nome
finge-se tudo
até a vida de viver quando se deixou de amar...
finge-se a riqueza
e os silêncios em alto-mar
uma tímida mão
de dedos longos
extintos como a fogueira do teu corpo
fingindo o amor
construindo mentiras sem alicerces
ou sepulturas
uma tímida mão de porcelana
entranha-se
e fingi-se tudo
do orgasmo
à chuva miudinha...
aos barcos que se dizem cansados
apodrecidos
enferrujados...
tudo
mesmo tudo
fingido como o miúdo...
fingindo crescer brincando não brincar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Tristes Domingos sem literatura

foto de: A&M ART and Photos

Tu persegues a escuridão vadia dos tristes Domingos sem literatura
há uma janela onde habita o quebra-corações
escrevem-se-lhe palavras no corpo difuso como música suave
vagueando sobre os móveis trôpegos sem asas
e ouvem-se as gaivotas
o piano
os barcos loucos quando entram casa adentro
e o sexo acontece antes de ancorarem ao cais do medo,

A menina sorri
e ao de leve
pega na chávena levando-a aos lábios de diamante onde poisam favos de mel
pétalas de rosa e alguns versos desajeitados
que nasceram da mão do quebra-corações
que nasceram numa tarde de Domingo
sujo e vagabundo
como as flores do teu jardim,

Sento-me sobre ti e esqueço-me da vida
do amanhã
oiço os sons teus em teus dedos que de um piano de infância brota
como fluidos dentro do vácuo
perdidos
apaixonados
como lâmpadas de silêncio procurando os teus beijos
que vivem nas tuas mãos com dedos longos e imaginários,

Tu
tu persegues a minha escuridão
retiras as sombras
e semeias sobre o meu corpo
fios de nylon embebidos em azevinho
tu
tu libertas-me da noite e fazes-me regressar à vida dos vivos
tu o teu piano e os teus dedos perdidamente esquecidos nos meus cabelos fazem de mim o quebra-corações sisudo e envelhecido...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Não Slave to love

foto de: A&M ART and Photos

Sinto-me verdadeiramente encaixotado nos aranha-céus que o teu querido pai me prometeu, entre um deles e um qualquer livro, escolho um qualquer livro, e entre um qualquer livro e um copo de vodka, escolho obviamente...
Um qualquer vodka, porque dispenso o livro, porque dispenso um qualquer poema, porque dispenso o copo, sinto-o e sinto-me encaixotado nas tuas mãos vendadas pelo sono, cerras os olhos dos ténues pulsos de areia, pertences aos corpos clandestino como os pequenos grãos e as distintas óbvias gotículas do suor tua pela, cerras os olhos que jazem nos teus pulsos, suicidadas-te como uma menina mimada, singela, como uma flor vagabunda num qualquer palco, onde se ouve, uma qualquer banda, o piano melódico, e da voz poética, ela, ele, transformam
“Demito-o obviamente”,
E demiti-me,
Deixei se ser o amantes nocturno das noites de Verão, deixei de ser o clandestino mendigo passeando-se pela Avenida ribeiro das Naus, enquanto escrevo, oiço a melódica voz de “Joana Gomes” e dos “Fingertips”, e obviamente
Recordo, as saudades, de Carvalhais, e de S. Pedro do Sul, e dizem-me que o rio ainda corre como corria, e dizem-me que a eira ainda é a eira de ontem, pouca coisa mudo, apenas que o avô Domingo deixou de passear-se de bengala e dorme debaixo da lápide granítica onde alguém escreveu
“Eterna saudade”,
E demiti-me,
Hoje, hoje não amante, hoje, hoje não escravo do amor “Slave to love”, STOP, e na primeira rotunda a segunda saída, a respectiva plana de sinalização
“Precisa-de amor”,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente apanha um chupa-chupa, lembro-me de quando ainda era eu, muito antes de me demitir, lembro-me do Baleizão, lembro-me dos palhaços e dos malabaristas, lembro da tenda do circo dançar sobre a minha cabeça de menino
Mimada, tu
Eu, eu mimado, filho único, tinha um cavalo em madeira, saltava o portão de entrada e entrava cidade adentro, a cada machimbombo que encontrava gritava
Avô Domingos?
Nada
Avô Domingos?
Nada, nada de nada
Outra vez... Avô Domingos?
E encontrava-o numa transversal em Luanda com um cordel na mão a puxar um machimbombo com olhos azuis e missangas no pulso esquerdo, no direito
Machimbombo? Outra vez... Avô Domingos?
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Triste,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Infeliz,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Cansada de ti,
E obviamente... demito-me.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Olhos de água

foto de: A&M ART and Photos

São frágeis os teus olhos de água
Transparentes como a noite
Em cio
São castanhos, azuis, verdes… são olhos demónio
Tamanhos verdejantes dos abraços de um rio
São frágeis
Como a noite sincera de ti quando entras dentro do espelho
São teus os teus pseudónimos olhos vagueando na paisagem
Destino
Viagem
São eles
Tão frágeis…

E tão lindos quando as palavras se escrevem
E vivem
E crescem
Neles, os teus frágeis olhos de água,

Mágoa
A alvorada em travestidos sorrisos
A menina tem lume?
Juízo?
A menina ama?
É amada?
A menina… é tão linda
Como os seus olhos de água…

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Os musseques imaginários de uma Lisboa travestida

foto de: A&M ART and Photos

Sumias-te nas fendas cansadas das noites sem dormir
misturavas-te com a bruma espuma do infinito amanhecer
lias-me folheando-me como se eu fosse um livro inacabado
sujo
imundo deixado esquecido num banco em madeira,

Tínhamos frio
e sentíamos os ossos mergulharem no silêncio das pratas em construção
havia um poema que líamos todas as noites antes de adormecermos
e não dormíamos
e não tínhamos vontade de voar naquela noite de Novembro,

Ardíamos como lareiras de vidro
suspensas na insónia
ardíamos debaixo de mil cobertores
e de alguns invisíveis...
havíamos descoberto o abraço em prestações,

Trinta e cinco suaves
como janelas pigmentadas nas faces rosadas do Inverno
tínhamos um barco que esperava por nós
e todas as noites
habitávamos os musseques imaginários de uma Lisboa travestida de felicidade...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Não me importo dos sons melódicos de ti

foto de: A&M ART and Photos

Eu, tinha as palavras escondidas dentro de uma algibeira esquecida nas grandes tempestades de areia das noites de loucura, tu, tu tinhas os melódicos sons e poéticos do teu violino, da tua voz cresciam gladíolos em formato de rubi, tinhas medo do escuro, vivias como uma andorinha de Primavera em Primavera, e sabíamos que existiam tardes de solidão onde eu, onde tu, onde nós procurávamos as mãos, a minha, e a tua, e as entrelaçava-mos como fios de luz suspenso do tecto do sótão minúsculo onde habitávamos,
Hoje, não me importo dos sons melódicos de ti, hoje, não me importo dos sons poéticos de ti, hoje, não me importo que vivam violinos, pianos, ou
Livros
Que ardam todos, e se possível, durante a noite,
Hoje?
Flores?
Não, não flores,
Que a tempestade as leve, as amarrote como pedaços de papel quando o vento submerge os triângulos transcritos nos silêncios gemidos das mesas em flor,
Trágico,
Humilhante, diria eu, mas... quem sou eu, afinal, Uma estátua? Uma sombra de xisto esquecida no socalco junto à linha férrea? Não, não os quero tal como são, indesejados, tóxicos, melindrosos, quero-os tal como são, barulhentos, Ou... Serei um simples apitar de uma louca locomotiva em passeio pelo Duro, olha o Rio, cerra os olhos
Trágico, hoje não, querida, hoje não...
Cerra os olhos e percebe-se que nos lábios brincam os melodiosos sons e poéticos do violino, e juro, sinto pena dela, e juro, coitada da louca locomotiva, corre, corre, e acaba por encalhar num banco de areia, húmida, em pequenas gotículas de suor, e coitada dela, a louca locomotiva... sempre a apitar, sempre de olhos cerrados, sempre,
Não, não flores,
Deitava-se sobre o cais de embarque, um homem de chapéu e com farda azul carregava aleatoriamente malas, pequenos embrulhos e ramos de flores, todos, que ardam todos, e se possível, durante a noite, como os corpos transatlânticos dos petroleiros emagrecidos, doidos, às vezes, e ela, sobre o cais de embarque, rompia a neblina, nua, dizia-se dona do amor e dos meus versos, ora
Donos de mim, nunca, não, existem, existira,. Existirão...
Não, não flores,
Coisa estranha, essa, de teres um violino dentro de ti!
(Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...),
Quantos somos, nós, tu, sobre o cais, o homem de chapéu azul curvilíneo debaixo do sombreado rio, acusam-me de partir corações, pergunto
De que são feitos os corações,
Adiante, o meu, já nasceu partido, com defeito, talvez... talvez devido às temperaturas elevadas a que foi submetido numa noite em Janeiro, e Janeiro morre, e eu, eu sobrevivi, e sou uma rocha misturada no veneno da madrugada, o veno que és tu, o veneno que são os teus lábios...
Tal como são, barulhentos, Ou... Serei um simples apitar de uma louca locomotiva em passeio pelo Duro, olha o Rio, cerra os olhos
Trágico, hoje não, querida, hoje não...
((Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...),
Livros
Que ardam todos, e se possível, durante a noite...

(não revisto, não ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Cidade sem janelas

foto de: A&M ART and Photos

Meus dias passados
Perdidos num cubo de gelo
Procurando lábio lânguidos
Quando me dizem que é manhã…
Durmo sem o saber
E não acredito que o seja
Dizem-me que morri em mil novecentos e oitenta e nove…
Acredito que sim
Porque deixei de ver o mar
E as pontes de aço
Perdi barcos
E gaivotas
Amigos alguns
Perdi
Encontrei tempestades de areia
E silêncios profundos
Solidões de vidro
Meus dias passados
Perdidos
Num cubo de gelo
Numa cidade sem janelas
Sem portas…
Como asas mortas de andorinhas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

o chocolate Pôr-do-Sol

foto de: A&M ART and Photos

não sabes que o tempo mata
e a saudade vem
como a chuva depois da tempestade
como o vento velozmente nos teus lábios,

não
não sabes que
mata
o tempo
a saudade
a insónia
não sabes que da noite vêm as tuas mãos acariciar a minha face em migalhas de xisto
triste
vadia
perdidamente só como as árvores quando dormíamos na floresta dos sonhos
depois de fazermos amor
tínhamos a miudinha chuva onde nos embrulhávamos como lençóis de água salgada,

galgando muros
terrenos indomáveis
silêncios
amores
e barcos
fundeados na paixão fumegante dos cigarros invisíveis,

(não sabes que o tempo mata
e a saudade vem
como a chuva depois da tempestade
como o vento velozmente nos teus lábios)

Deitas-te sobre a areia vermelha
desenhas-me no chão húmido em finos traços de carvão
há em ti uma tela esbranquiçada
doente
falida
amada,

amas sei que amas
e sofres
porque sofres
porque és o mar
desenhas-me e deitas-te sobre a areia vermelha
iludes-te
e desiludes-me
como uma criança sem perceber que o Pôr-do-Sol é de chocolate...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

E bebe até voar sobre a cinza da cidade ardida

foto de: A&M ART and Photos

Oiço-te na clandestina cidade, os edifícios arderam, e todos os habitantes são neste momentos sombras, pedaços de escuridão vagueando junto às ruas despidas, nuas, hirtas, como vulcões de areia nas ranhuras da paixão,
Oiço-te e finalmente vou, como um esqueleto transeunte formatado em compacto Linux, olho-me no espelho, provavelmente o único objecto que restou dentro da casa onde habita, por favor, olho-me enquanto te oiço, e cada vez mais percebo que começas a não existir, que és uma cidade morta, uma cidade sem peixes, sem pássaros, uma cidade apenas habitada com Rosas Bravias e mais nada,
Paixão,
O amor, tal como a cidade
Ardem,
A paixão, oiço-o dentro de mim a vestir-se de madrugada, descerra as persianas do desejo, abre a janela dos lírios encarnados, oiço-o, oiço-o voluntariamente a descer do quinto andar em queda livre, chega ao chão, apenas migalhas, cinzas e pequeníssimos papeis que sobejaram do suicídio dele, o louco marido, o apaixonado poeta que inventava cidades para viver, e vivia, dormia nelas, e depois
Ardem,
E depois
A paixão,
Depois, nada, ninguém, hoje, hoje apetece-me mandar foder a literatura e a poesia, e as musas inspiradoras, hoje, hoje apetece-me vandalizar todos os livros que eram meus e deixaram de o ser, hoje
E depois?
Ilumino-me, e oiço-o dentro de mim, ele, ele veste-se pela madrugada, sai de casa, desce a calçada e entra na primeira tasca que a madrugada inventa só para ele, senta-se numa cadeira simples, coloca os cotovelos sobre uma mesa simples, provavelmente da mesma família do que a pobre cadeira, sobre a mesa uma velha toalha em plástico, e bebe, e bebe até voar sobre a cinza da cidade ardida,
E depois?
A paixão, o amor, o falso amor, a velha paixão, a saudade de uma cidade ainda não nascida, as escadas para os sótãos sem janelas, os crucifixos mergulhados em oceanos de luz, e das lâmpadas, eles, eles vêm-me buscar, carregam o meu corpo como se fosse um pedaço de rocha, a neblina que se funde como o gelo no Inverno de brincar, trazia calções invisíveis com suspensórios, sandálias de couro já bastante diluídas nas chuvas torrenciais das tardes de ninguém, e ninguém
E depois
E depois,
A paixão?
(Depois, nada, ninguém, hoje, hoje apetece-me mandar foder a literatura e a poesia, e as musas inspiradoras, hoje, hoje apetece-me vandalizar todos os livros que eram meus e deixaram de o ser, hoje
E depois?)
Sou feliz assim, deixem-me, deixem-me... e... depois? A paixão, os barcos a romperem quilhas sobre os telhados de Belém, ao longe uma sanzala arde, o zinco funde-se e mistura-se com o capim envelhecido, eu, eu brinco como um pequeno arco (aro da roda de uma bicicleta), e oiço-o, oiço-o dentro de mim, ele sofre, ele chora, ele amava, ama, apaixona-se e morre, como as estátuas, morre sobre os cortinados da cidade ardida, pessoas, corpos amontoados sobre as cabeças de xisto, a noite leva-a, e eu, eu feliz,
Hoje?
Hoje, hoje não acredito, acreditava, acreditava nas lâmpadas de néon que as cidades vomitavam nocturnamente dentro dos lençóis de esperma, havia sempre um livro entre nós, havia sempre uma personagem a espiar-nos, e cansei-me, e fartei-me,
Feliz,
Hoje?
Fartei-me, cansei-me, e perdi-me em todas as cidade onde vivi.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

A cidade dos desejos

foto de: A&M ART and Photos

Tem você os olhos mais lindos da cidade dos desejos
Tem você
Sem perceber que tem
O sorriso mais elegante e belo da rua dos beijos
Sim
Tem
Tem você o corpo de floresta selvagem vagueando nos gemidos da noite
Suspenso nos seus loiros cabelos,

Tem
Sim
Tem você,

Sem o perceber
Sem o saber
Tem você os lábios mais desejados das minhas mãos poéticas
E no seu corpo
Tem
Tem você
Sem o saber
Sem perceber
A mais bela folha de papel
… Para eu, para eu escrever,
Acariciar com os meus dedos de tinta permanente…
Tem, eu sei que tem,

Tem você o corpo meus versos em pedaços palavras
Eu sei que tem
Sim, você tem,
Os lençóis de porcelana sobre a sua pele de maré acordada,

Tem, tem você…
O meu corpo reescrito pelas minhas palavras…
Sem o perceber
Sem o saber
Sim, sim você… tem
Tem em mim a claridade da manhã como um cortinado de areia… esquecido no mar.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 4 de agosto de 2013

Rosa Bravia imaginada por um poeta

foto de: A&M ART and Photos

Rosa bravia como castelos de areia envenenados pela chuva da madrugada
silêncios de nada quando das mãos sobejam as porcelanas poéticas lágrimas nocturnas
rosa bravia como tu quando acorda a noite e dás-te conta que ficaste sentada
sobre uma cadeira imaginária
tempos infinitos
tempos... tempos sisudos,

Dizias-me que eras tua e que vivias no meu jardim
tínhamos um lago invisível com peixes de brincar
tínhamos flores, muitas flores...
mas rosas, como tu, nenhuma, nenhuma no meu jardim
construído apenas para te acolher
e embrulhar-te num lençol de água doce,

Despias-te
e brincava com as tuas pétalas de vinil voando sobre as melancólicas avenidas
que uma cidade louca
(louco és tu, talvez o penses em baixinha voz)
que uma cidade louca inventava para nós
e ias à janela do Adeus e lembravas-te da saudade e dos amigos loucos poetas,

Rosa bravia tu
comestível e amarfanhada entre os dedos da paixão
aos sons melódicos da tua respiração
ouvia-te os sussurros de mim
atirando-me as palavras sisudas
que as abelhas em cio deixavam sobre a tua pauta poeirenta e adormecida pelo cansaço de ti...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

E que aos Domingos voávamos sobre as árvores

foto de: A&M ART and Photos

Dia de voar sobre as árvores..., estava escrito no teu braço esquerdo, li, fiquei indiferente, regressei e percebi que sim, que era Domingo, e que aos Domingos voávamos sobre as árvores,
E que dos teus olhos Margarida brincavam as pálpebras encarnadas do desejo, cerrei os meus olhos, e vi, começaste a levitar em pedacinhos milímetros de cada vez, e quando percebi, pouco importava já, tinhas-te diluído com a neblina acabada de nascer,
Dia de voar?
E vi, e aos poucos entraste nos meus olhos, despias-te, e vagueavas como uma andorinha de íris em íris..., até que acordei, abri os olhos, e tu, não estavas, e tu, não existias em mim..., dobravas-te sobre a neblina, o sombreado teu corpo mergulha no espelho do calendário suspenso na parede da cozinha, cheiravas a naftalina, a roupa despida numa tarde de Domingo, dia, de voar,
voar?
Sim, minha querida, sim, voar sobre a planície dos arbustos domésticos, voar sobre as árvores, porque
Hoje é Domingo,
Porque uma criança em birra não come a sopa, porque um palhaço no circo, triste, deixa de fazer rir, porque...
Hoje
Domingo,
Porque vejo nos teus olhos o desejo de seres desejada, porque invento histórias quando as nuvens descem sobre nós, eu, e tu, e lá fora a mesma criança que muito há pouco fez uma enorme birra devido a não querer,
Não quero, não gosto de sopa,
Tu, tu esqueceste-te de mim, tu cerraste os lábios e proibiste-me os beijos, tu, tu cerraste os olhos e proibiste-me os olhares Primaveris de quando passeavas nos jardins do Palácio, Belém fervilhava, fervilha, como tu, quando te despes, como tu, quando te desembaraças de todas as tuas roupas e me dás as mãos e
Domingo,
Dia de voar sobre as árvores..., estava escrito no teu braço esquerdo, li, fiquei indiferente, regressei e percebi que sim, que era Domingo, e que aos Domingos voávamos sobre as árvores, e que hoje vamos começar a voar sobre as árvores, sem roupa, apenas tu, apenas eu, e um dia, não Domingo, um outro dia
Vais, sim, acredito, um outro dia vais tocar para mim, só para mim,
Um outro dia, os sons melódicos do teu piano e as gotículas de suor da tua pele poética, não Domingo, não, um outro dia, tu, tu vais tocar só para mim, e eu, e eu poisarei a minha cabeça sobre o teu ombro, inventarei uma tempestade para ficares dentro da sala, eu, tu e o teu piano, Domingo, não
Domingo não,
Talvez um dia, talvez uma bela manhã, talvez numa feliz noite de inverno, livros, o piano, tu e a lareira..., mas
Domingo?
Mas...,
E vi, e aos poucos entraste nos meus olhos, despias-te, e vagueavas como uma andorinha de íris em íris..., até que acordei, abri os olhos, e tu, tu não estavas, e tu, não existias em mim..., dobravas-te sobre a neblina, enrolavas-te como uma rosa bravia, ias à janela e ficavas a olhar as notas musicais dos teus dedos a despedirem-se do Domingo...
Não, Domingo, não, não Domingo,
E sorrias no prazer dos pássaros, antes, muito antes do teu corpo silenciar-se na nocturna insónia em pequenos desejos masturbais...
Desejar-te desejo, como às palavras ainda não escritas, soltas e vagabundas...
Domingo?
Não, não Domingo.

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

Um tonto peixe procurando o amor debaixo das algas

foto de: A&M ART and Photos

Lias-me nos esconderijos de cartão
quando a varanda voava sobre os olhos dos telhados de vidro
lias-me no reflexo do espelho vadio que habitava nas tuas mãos
e quando pegavas em mim
folheavas-me como se estivesses a saborear a manga adormecida
e acabada de ser escrita,

Lias-me como se eu fosse
sou
talvez... um pássaro apaixonado pelo vento
e pelas árvores comestíveis dos jardins da insónia
lias-me e eu não percebia que tinha palavras em mim
dentro do meu esqueleto de papel,

Lias-me como um tonto peixe procurando o amor debaixo das algas
e de verso em verso
descíamos as escadas da dor
embebia-te e embrulhava-te nas canções clandestinas dos rochedos de amar
vivíamos parecendo flores em plástico
que as doiradas abelhas comiam... e deixavas de pertencer à minha biblioteca,

Morrias
ardias na fogueira dos cigarros infestados pelas malditas ratazanas que habitavam a caserna tuas coxas...
morrias e lias-me como se não existisse amanhecer
madrugada
palavras reescritas nos teus silêncios seios com desenhos por pintar
e imagens escurecidas e inabitáveis nas nossas vidas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó