sábado, 20 de abril de 2013

Invento a tua mão

foto: A&M ART and Photos

Procuro um trilho seguro entre duas linhas paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina, e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam a linha férrea que me irá transportar até ao “O Cais das Merendas – Lídia Jorge”, li-o ainda eu era adolescente e apaixonei-me pelas palavras dela, pelas histórias, e foi há tanto tempo, tempo demais, o suficiente para chamar a “Clarissa – Érico Veríssimo” e afagar-lhe o cabelo com os meus dedos de insónia, finos, compridos, leves como o vento, cinzentos, e até às vezes, encarnados como os botões de rosa do jardim público com bancos em ripas de madeira, finas, e em letra de imprensa “Cuidado – Pintado de Fresco”, e como eu distraidamente, como tu, sentámos-nos, demos as mãos, e quando nos erguemos, a minha saia tinha as marcas das ripas e as tuas calças de ganga
(três sombras como uma grade de sofrimento, três ripas de madeira que aprisionavam invisivelmente as minhas nádegas de areia)
Três linhas rectas, carris, sem saída, e sobre mim uma fina camada de neblina que não me deixava ver os carris, começa a descer a noite, escrevia o teu nome na minha boca, e tu, não vinhas, e tu, talvez perdido entre ruas e edifícios defeituosos, com muitas janelas e vidros partidos, e quando acordava o sol, ouviam-se-lhes as saudades da areia branca,
(três sonhos dentro de três desejos que esperavam por três tristes tigres, e à nossa volta, três ruas, apunhaladas por três homens com uma cabeça de marfim, e depois, viam-se três, também elas tristes, três lindas flores com pétalas em vogal de incenso e sílabas com molho de palavras voláteis dos dias engasgados nas bocas de três alegres, estes sim, alegres rapazolas vestidos com mantas embalsamadas pelo silêncio e pela pobreza, e triste, também, triste não é ser pobre, triste é ser ignorante e acreditar que tudo à sua volta gira em círculos de saliva, há um pequeno gaguejo sísmico, há um pequeno latido, um lamber de botas... e já está, a vida só é triste quando se é ignorante, e ser-se pobre não é dramático, ser-se pobre ou filho de pobres, não é vergonha, é um enorme orgulho, vergonha... é realmente ser-se ignorante, porque a única coisa que o dinheiro não compra é a vida, e a inteligência)
E nós sabíamos que as areias brancas estavam tão longe de nós, como estes carris, que quanto mais caminho sobre eles, mais compridos são, longínquos nas manhãs de Outono, entre poeiras e tinta acrílica sobre o olhar da linda Mariana, e nós sabíamos que apenas os perfumes que sobejavam das clareiras em bolor conseguiriam sobreviver à saudade...
(três lindos carris em aço procuram esposa, máximo sigilo)
E procuro-me no trilho seguro entre duas linhas paralelas, do aço longitudinal poisa o nevoeiro como a poeira fina das lágrimas do meu rosto, pego na minha mão e coloco-a transversalmente na face rosada, escura, sou absorvida pela neblina, e metros depois, desapareço entre as tábuas apodrecidas que abraçam a linha férrea que me irá transportar até aos teus braços,
(onde andarás agora...!)
E sussurradamente invento a tua mão dentro da minha mão...

(não revisto, quase ficção)
@Francisco Luís Fontinha

Ficcionado eu de ti marinheiro

foto: A&M ART and Photos

Ficcionado eu na tua mão sideral em pedaços imaginários
de cristal e finos objectos de luz,
há uma lareira que se extinguiu dentro do teu peito de caverna inventada
pelas palavras de uma árvore perdida na montanha,
há ruas que nunca tiveram saída,
tu sabias,
e nelas continuaste a caminhar
como... se passeasses sobre o silêncio mar,

Ficcionado eu nos teus seios de pano
que serviram para embrulhar luares e noites de prazer,
há nessas mesmas ruas,
aquelas que nunca tiveram saída e tu caminhavas,
relógios de pulso e canções de amargo amor,
e tu sabias
que eu era uma simples sombra
como um copo moribundo na mão de uma mulher pintada de negro,

Eras a noite
e aparecias-me quando as luzes da insónia cessavam,
morriam,
eras a noite que sempre tive medo
e cobria-me com o cobertor cinzento...
para que não desses por mim,
ou descobrisses que o meu esqueleto em vez de ossos
tinha ficcionado uma pomba branca cansada de voar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha


Em destaque – Sapo Angola

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A roulote da alegria

foto: A&M ART and Photos

Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, e tínhamos medo do dia seguinte, e quando acordávamos, continuava tudo igual ao dia de ontem, amanhã, dizem, amanhã é Sábado, levantarmos-nos não muito cedo, o duche, o pequeno-almoço, e uma torrada para o REX, tomar café, de preferência DELTA RUBY, e depois de enganar-me com as sombras de cigarros apagados desde Maio de 2012, regresso a casa, ligo o portátil e escolho o Ubuntu como Sistema Operativo, fartei-me do Windows e das suas birras, parecendo às vezes certas mulheres, chatinhas, tão chatinhas que as prefiro a elas do que a ele, mas enquanto existir o Linux não o trocarei por outro qualquer, porque há coisas inconfundíveis, incontornáveis, amores eternos, amores como o das pessoas, amores
(sou a favor do software livre e aberto a todos)
E depois de tantos amores, e depois de portátil ligado, vou à minha caixa do correio, - Levanto-me, abro a porta da biblioteca, passo pelo corredor, atravesso em bicos de pés a sala de jantar, mergulho num pequeno Hall e depois de ultrapassar a cozinha, entro definitivamente no quintal, e cerca de quinze metros depois, abro a caixa, e correio... nenhum – quem é que tinha o atrevimento de me escrever, digam-me – Quem? - só o “Fisco”,
(andávamos de abraço em abraço, andávamos de gemido em gemido)
Faço uma visita breve ao meu blogue, talvez escreva alguma coisa, depende dos sábados e do estado da caneta Parker de tinta permanente, até à data nunca ame deixou ficar mal, escreve sempre aquilo que quero e desejo, e Às vezes, até me obriga a escrever aquilo que não quero, mas ela é assim, e assim me vai acompanhar até ao fim
(fim de mim, fim de ti, ou fim de um texto qualquer ou poema)
Copiam tudo, aqueles sacanas, e de “O Medo” de AL Berto, na mão, abro-o, e verifico que é uma edição de Outubro de 1991, Contexto-Círculo de Leitores, e com o número de edição do Círculo de Leitores 3138, nada disto importa, apenas que este livro vale algum dinheiro – Talvez cento e vinte euros – mas a minha curiosidade está na contracapa onde vive um pequeno texto meu, de 9 de Maio de 1994, em Vila Real e digo ser esse o dia mais feliz da minha vida,
E reza assim,
“Não tenho medo
de estar só...
não tenho medo de morrer,
mas... sinto medo de estar vivo!
E se eu morrer,
Que seja sozinho;
tenho medo da multidão,
e sei que não estarás ao meu lado!



Claro que eu percebo estas palavras e porque as escrevi naquela data, mas já não importa, e copiam tudo, aqueles sacanas, copiam os poemas, copiam-me os textos, copiam tudo, aqueles estúpidos pássaros de bico amarelo e negros como a noite, recordo-me em miúdo de ver um em casa do meu avô, dentro de uma gaiola, e já na altura, ficava confuso ver alguém com asas dentro de um pedaço de rede, sem liberdade, apenas porque canta lindamente,
(e se um dia, um louco, fizer o mesmo comigo, isto é, construírem à minha volta uma rede invisível, onde me aprisionam, apenas porque escrevo, apenas porque gosto de ler, apenas... porque sou eu)
Andávamos de terra em terra, andávamos de luar em luar, éramos dois mutantes fugitivos aos arautos das marés de inverno, sonhávamos, desesperávamos-nos quando encalhávamos sobre as fragas frágeis das aldeias em flor, sem flores, sem janelas, depois, depois voaram-nos as palavras e os bancos de jardim com meninas de livro na mão, sentadas, cruzavam a perna, e de saia meio de chita, meio de qualquer coisa, esqueciam-se que eu era um pássaro esquecido dentro de uma gaiola numa aldeia do Concelho de S. Pedro do Sul,
(- Tens saudades minhas, meu querido amigo? - e só sei que era Sábado, e que depois de escrever qualquer coisa, deixava o portátil ligado, música em sons melódicos para os fantasmas da livraria, e antes do meio-dia, todos os Sábados, dirijo-me à barbearia do senhor António, desfazem-me a barba e venho descontraidamente almoçar, com o meu querido AL Berto sempre à minha espera, sobre uma secretária de madeira)
Uma das meninas levantou-se do banco onde estava ancorada, colocou o livro debaixo do braço, o olhar dela cruzou o meu, e hoje, hoje acompanha-me todos os dias e todas as noites dentro da roulote da alegria.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Diluído em azuis e castanhos

foto: A&M ART and Photos

Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e as pernas, tenho uma vaga sensação que eram de granito, e havia uma escada de acesso à caverna, entrávamos, amplamente arejada, uma enorme entrada, e sem janelas, e depois, continuava por um corredor, curvilíneo, até desaparecer na escuridão da noite, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas
(que animais fariam mal a duas apaixonadas sombras?)
Ao longe ouvíamos o sombrear da lua quando caminhava sobre a copa das nuvens, tão finas, tão belas e tão doces, diziam-nos que eram de açúcar, mas por infelicidade, mas porque o destino nos tramou quando resolveu juntar-nos numa noite de Setembro, nunca tivemos o tempo necessário para verificarmos se realmente as nuvens eram de açúcar, mas que cheiravam bem, lá isso cheiravam, e que quando chovia, sentávamos-nos cá fora, e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas, sem imagens, desenhos, e palavras, e ao
(animais)
Longe tínhamos terminado de acender os candeeiros a petróleo, nas mochilas apenas alguns cadernos, alguns livros, e lápis de carvão, e todas as noites, enquanto olhávamos a labareda da velha fogueira, olhava-lhe os olhos e imaginava um rebanho de ovelhas saltitando nas terras férteis e indomáveis de Favarrel, ainda conseguia imaginar o tio Serafim em corridas loucas e à pedrada contra a estrelada, e esta, quando regressava a casa, tardíssimo, mancava, e o velho
(que tem a ovelha, rapaz? - Caiu da parede abaixo, meu pai – e o velho dizia-lhe que no dia seguinte a estrelada ficava no curral, e o Serafim contente, saltava de alegria, porque depois da escola já não ia com as ovelhas para o pasto...)
E o velho tudo fazia para que o filho fosse agricultor, e o Serafim comportava-se como um artista, cantava fado, contava histórias, andou pelas ruas de Lisboa e quando regressou a casa convenceu toda a gente que tinha estado no Brasil, e durante dois ou três anos, ninguém, ninguém sabia do paradeiro do cantante que saiu de casa propositadamente para viajar até às terras de Vera Cruz..., ficou por lá encantado com os cheiros e com os sons
(do Tejo)
E com as mulheres de lá, onde durante a noite se escondia em tasquinhas perdidas em ruelas, e de dia, de janela encerrada, e de cortinado puxado até aos confins do Inferno, ressonava canções com sabor a vinho e sonhava com barcos que se faziam passear pela Terra Nova na peugada do fiel amigo; o eterno bacalhau,
“Porque gemiam as gaivotas se o mar parecia um campo de milho, calmo e sereno, diluído em azuis e castanhos, meninos com infâncias destruídas, meninos sem infâncias prometidas, e no entanto, sabíamos que um dia íamos experimentar os chocolates com frutos silvestres, que um dia íamos experimentar as cavernas encolhidas nas rochas no cimo da montanha com o coração de riacho, as penas eram de sobreiro e de olhar terno, frágil, magoado, um olhar existente em construções falsas acompanhadas por lágrimas de cereja, e porque transpirava o espigueiro recheado de espigas de milho, e porque tinham os melros medo do escuro, quando alguém por engano, desligava o interruptor do dia, vinha a noite, trazia com ela outras amigas, bebíamos, comíamos e fumávamos, sem que nunca tenhamos percebido, sem que nunca tenhamos admitido, que, ontem, na caverna, não tínhamos móveis, e dormíamos no chão, não tínhamos nada, e éramos tão felizes, como a pequena fogueira que ardia noite e dia, como se fosse uma porta de entrada em madeira robusta, que apenas servia para afugentar os animais mais endiabrados, mas os animais ferozes, éramos nós, eu, ela”
(e sentíamos as gotas de água da chuva junto ao canto do lábio inferior, e aí sim, percebíamos que era doce, mas nunca tivemos a certeza que fossem de açúcar..., como também, nunca tivemos a certeza de nada do que vivíamos ou viveremos na posteridade das sebentas com as páginas brancas e os títulos a negrito, poucas palavras, as datas mais importantes, o nascimento, e o último a morrer, ficará encarregue a reescrever a história e a data final de quando terminar a fogueira, tudo dentro da caverna cessará de respirar, e apenas a cinza da fogueira ficará como testemunha do amor de dois apaixonados, risíveis, ternos e com saudades do apito do comboio em corridas loucas na linha de Cais do Sodré até Belém, saía, puxava de um cigarro, e)
Como cresceu o milho,
(e sentava-se no parapeito da janela imaginária para o Tejo)
E não só o milho, o rapaz também está crescido, e a própria cidade, parece obesa, oca, sombria, uma cidade dentro de outra cidade, que, que hoje já não existe...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Três tristes madrugadas

foto: A&M ART and Photos

Três tristes rostos
embrulhados em três tristes madrugadas
com três indefinidos tigres coloridos
nas três primeiras semanas do mês,

Três mulheres desalmadas
sós
apaixonadas
três... rostos sombras espelhos ou montras de incenso...

Três horas
em três relógios trigémeos
nas três madrugadas tristes
embrulhadas,

Três tristes rostos
com três lindos pincéis de areia
três barcos e três Marias
e... três... três gramas de paciência.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 17 de abril de 2013

O último nome e o último desejo à espera do último sonho

foto: A&M ART and Photos

Foi a última vez que escreveste o meu nome, escreveste-o, continuas a escrever-me no silêncio dos Deuses e fazes-lo como se eu ainda estivesse vivo, e deixei de estar, e deixei de pertencer ao musgo ensonado que cresce no tronco dos pinheiros mansos, recordo-me de apanhar pinhões debaixo de um pinheiro ranhoso, rabugento, e tinhoso, que habitava no recreio da escola, sentava-me sobre as pedras em repouso, e fazia com que outras se movimentassem, às vezes, errava o alvo, partia um dos vidros da janela da escola, quando chegava a casa
(faziam-me uma festa, havia banda de música, havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente, e na minha peugada, o meu pai tentando acertar-me mas como sempre, eu parecia invisível, e como sempre, eu atravessava as paredes, e bastava um simples olhar...)
Sobre a secretária, quando chegava a casa, os destroços de um amor, pensava-se que eterno, mas nem as palavras são eternas, nem as pessoas, nem os corações, e procurava entre o desalinhado sossego dos objectos destruídos pela intempérie, ainda deixaste restos de café dentro de uma chávena envenenada pela presença das pérolas e de uma caneta de tinta permanente
(procurei o teu nome em vão, não respondias, e entrei em cada compartimento daquela casa assombrada, para finalmente perceber, que... tu tinhas partido, definitivamente, como partem os pássaros depois da Primavera, procurei, e procurei, e encontrei sobre a tua secretária os teus restos mortais, aqueles que já referi e mais uns botões de rosa dentro de um copo com água, sentia-se no ar o perfume, a essência, a fragrância das palavras deixadas ao acaso dentro de uma carta de despedida, ou simplesmente, de uma declaração, - De amor? - e enquanto fixava o olhar na caneta de pinta permanente, como se fosse um filme, um conjunto de imagens construíam-se-me e do nascimento dela, passando pelas ressacas da falta de tinta, dos textos e textos em meio por meias palavras, porque ela, simplesmente se recusava a escrever, a enquanto uma mão de menina a segurava, enquanto uma mão de criança bati-lhe o aparo sobre a madeira da secretária, e o texto, aos poucos, esmorecia, e morria, e deixava de existir, a a menina, e a criança, ambas, sorriam..., sorriam como nuvens de finíssima adrenalina)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com os resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu perguntava-me – De que me serve esta faca de prata? - correspondência pouca recebo, do correio electrónico, não é necessário abri-lo com a ajuda de uma faca de prata, e até os livros modernos, esses, já nem é necessário abria-lhes as páginas como o fazia quando adolescente..., e parece que tudo se perdeu, e parece que até o cheiro do papel não é o mesmo cheiro do papel de antigamente, os jornais, não têm o mesmo cheiro, e ainda recordo quando após folhear algumas das páginas, percebia-se posteriormente... - De que me serve esta faca de prata? - percebia-se que tinha os dedos e as mãos com o cheiro da tinta do jornal e de cor negra, hoje, hoje procuro-te, abro cada compartimento, até já fui ao sótão, mas de ti, nem sombra, nem o perfume, nem o som do teu colar de pérolas quando regressavas a altas horas da madrugada, sentavas-te na tua secretária, rabiscavas algo no teu caderno e depois, depois de pegares num dos botões de rosa e o cheirares, tiravas o colar de pérolas, e poisava-lo sobre a secretária, e nunca, nunca esqueci esse som melódico e poético,
(desacreditado que dos muros de xisto as folhas de videira cessem de crescer no olhar da melancolia, e se alicerce a tristeza nos gonzos desmiolados das portas e janelas com a boca virada para o mar, acreditava que as madrugadas intermináveis, não morriam, e morreram como morrem as pequenas línguas de fogo que a paixão deixa cair sobre a pele macia dos corpos clausurados nos castelos de areia - havia comeres e beberes e claro, havia cinto, danças de corredor, eu na frente em passos apressados como um louco – e nunca deixei de gostar dele)
E uma faca de prata, ao lado da chávena envenenada com o resto do teu café, o copo com os botões de rosa, e eu pergunto-me
(porquê?)
Pergunto-me se em vez de uma despedida no meio de uma feira de velharias, pergunto-me, se eu tivesse comprado o barco de papel, que sobre uma mesinha estava à venda por uns míseros Euros, - vê melhor, pior ou igual do que via com as lentes anteriores? - e sinceramente, não sei, não sei senhor doutor, mas é uma verdade que a letras miudinha de alguns livros, mesmo com estes óculos, não as consigo ler,
(e o meu sonho era viver dentro de um barco).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As sombras cinzas dos cigarros perdidos

foto: A&M ART and Photos

Inventaste o medo para me afugentares
dos braços silêncio em espuma submersa nas manchas do prazer,
acreditava nas gaivotas com coração de prata
e lábios desconexos percorrendo searas adormecidas
e voando mais alto, perdiam-se, como os grãos de areia de fina estampa

nos corpos de madeira depois de derrubadas,
depois de assassinadas, todas as árvores e arvoredos
que a insónia imprime nos teus seios de pedra-pomes,
havíamos um dia de cruzarmos-nos numa rua sem saída
que o tempo deixou esquecida na cidade dos fantasmas vaidosos,

não acreditei,
não percebi que das sombras cinzas dos cigarros perdidos
pudesse sair o teu corpo húmido como uma manhã quando a neblina,
espessa, árida, cobre o rio com todas as gotinhas do suor tua pele,
quando a tua neblina penetra incessantemente as flores de um jardim enforcado,

um jardim sombreado, lapidado a lápis de cor,
eu ouvia
e,
eu ouvia e sentia nos teus doces lábios o cansaço dos dias
e das noites como um náufrago

há procura das rochas vermelhas,
roubava ao luar a sanidade mental de estar vivo,
e acreditar que amanhã,
depois de acordares,
deixavas de inventar o medo, e me abraçavas como as sílabas deitadas na página de um caderno...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de abril de 2013

A cidade das Eiras

foto: A&M ART and Photos

Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a fina e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures dentro da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores, flores e bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia
(e se um dia uma desconhecida me oferecer flores... isso é, nada, porque nunca uma desconhecida me ofereceu flores, nem nunca, na minha curta vida, uma desconhecida, conhecida, me ofereceu... um simples poema, ou apenas... um simples olhar tridimensional encerrado dentro de um hipercubo, pensas que sou louco, mas se pesquisares no Google por “hipercubo” encontrarás centenas deles, seres estranhos, que não devem amar, nem sofrer por amar uma maré em descomposição, como a extracção da raiz quadrada ou da raiz cúbica, ou... e se um dia uma desconhecida me oferecer flores... isso, nada, coisa alguma, nem um candeeiro de ruela consegue ser, nem cigarro, nem cachimbo, nem texto ou poema, isso é, um sonho interminável, desnecessário e não realizável, como nas manhãs de ti, o corpo da almofada embrulha-se nos teus seios, ancora-se ao teu púbis, e lá fora, um cansaço de palavras, feridas, doridas, mergulham nas clandestinas tascas com mesas cobertas com toalhas de plástico; a saudade do peixe frito, dos ovos cozidos dentro de uma vitrina de vidro, escancaradamente, sem portas ou janelas, onde poisavam as moscas, e em acrobacias, saltitavam entre os tais ovos cozidos, as pataniscas de bacalhau e os bolinhos, também eles de bacalhau, apenas de nome, porque de bacalhau, nada, só a batata e o óleo onde desciam ao fundo de uma frigideira, negra, escura como as noites sobre as toalhas de plástico, onde dormíamos, e vivíamos, e nos diziam que éramos felizes...)
Entre nós, o vento, envenenado, cinzento vento que faz adornar o teu corpo nas entranhas de um pinheiro bravio, em cio, talvez, e se um dia tivermos um filho, chamar-se-á de “Eterno Prejuízo” ou “Dirceu” ou... “Pigmeu das Arcadas com Bolor”, e se um dia, se esse dia chegar, o das flores,
(tocam-me à porta, e eu como estou ocupado, não vou abrir, escrevo num caderno, coisas sem significado, coisas que ninguém lê e que depois de passar o vento, leva-as, a todas, as palavras e o caderno e a caneta de tinta permanente, - Gosto do cheiro da tinta, digamos que, sou apaixonado pelo cheiro a tinta – e os batimentos não cessam, como um coração de oiro perdido no centro de um buraco de areia, húmida, como as tuas coxas quando nasce o dia, aos cento e vinte batimentos por minuto, levanto-me irritadíssimo, poiso a caneta sobre as palavras dispersas no papel ainda em fase de transição, do molhado até atingir o seco, maleável, pronto a alimentar uma lareira que ganha vida no próximo Inverno, puxo a cadeira desconfortável para trás, e um espaço vazio abre-se entre a cadeira e a mesa, indeciso, vou à porta, apetece-me caminhar devagar, muito devagar, saio da biblioteca, rumo ao corredor, passo por uma porta, depois outra, atravesso a sala, a cozinha e mesmo em frente à porta de entrada penso – Quem será a esta hora! - e demoro uns segundos quase minutos a abrir, tiro a mão do bolso, puxo o trinco e abre-se a tão afamada porta, um vulto com cabelos castanhos e de olhos verdes e com pele escura, nos braços um ramo de flores, hesito, não acredito, mas enfim... a vida tem destas coisas, às vezes boas, outras, pouco loucas, e outras, quase impossíveis de realizar, mas quis o destino que uma linda seara de trigo, perdida na cidade das eiras, me oferecesse flores)
“Ente nós, o vento que sopra e faz balançar a fina e ténue cortina invisível das manhãs indesejáveis, algures dentro da cidade, existe uma seara de desejo, com luzes, cores, flores e bichos minúsculos, vida dentro da vida, e se um dia”
Saltas, como um pássaro em liberdade, vergas-te quando o vento faz dançar o teu caule dentro dos desejos sonhos inventados por um caderno recheado de palavras, e
(o cheiro, meus Deus, o inevitável e inesquecível cheiro da tinta de uma caneta permanente)
E tudo apenas para que um dia, próximo, distante, ou nunca, escrever o nome do nosso filho
(“Eterno Prejuízo” ou “Dirceu” ou... “Pigmeu das Arcadas com Bolor”)
O filho de meia dúzia de palavras e de uma seara de trigo esquecida dentro da cidade das eiras, um filho como todos os outros filhos, com pernas, braços, cabeça. Olhos, cabelo, e claro, livro de instruções,
(é sexta-feira, de mil novecentos e oitenta e cinco, atravesso vagarosamente a ponte sobre o rio Sul, nas Termas de S. Pedro do Sul, a tarde parece infernal devido ao calor, distraidamente passo em frente à pensão David, vou em direcção à saída, e é quase como que se o meu corpo se transformasse em sombra, começo a contar os vidros das janelas, lá dentro nunca esqueci o cabrito assado, deliciosamente e divinal, do outro lado da estrada, o rio, e os patos de água, começo a contá-los e desisto quando vou em seis, mais à frente, atravesso uma velha ponte em madeira, e junto aos antigos balneários, debaixo de uma árvore, sento-me num dos bancos de jardim, perto de mim, uma fonte com o inconfundível cheiro a enxofre, esqueço-me que existo, e mentalmente, a cada mulher que passa por mim, imagino-a a oferecer-me flores, e nunca pensei, e nunca acreditei, que conseguisse receber tantos e lindos ramos de flores: obrigado meninas transeuntes... como os vidros das janelas da pensão)
Percebes agora?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

A fotografia sem mãos



As mãos,
Vejo-as sobre a fina areia que o silêncio golpeia nos cascos moribundos de barcos ensonados, são vermelhas, as mãos, as mãos que o vento trouxe e semeou ao longo de um triângulo de luz, sem braços, cabeça, onde vejo apenas os tristes lábios de insónia, cruzo os braços, tal como eles o fizeram, e entrelaço as minhas mãos, para não as perder, para não me esquecer que tenho mãos, ou que um dia tive mãos, macias, de Cinderela, sumarentas comas as pétalas, como os vidros das janelas antes de ela os acariciar, as minhas mãos, escrevem, não tocam, mas inventam palavras nos muros de xisto,
Vejo-as e sinto-as,
No meu rosto coberto pelas tempestades de pólen que as abelhas transportam, de longe para longe, elas, as mãos infindáveis das tardes de Primavera parecem, aparecem, e
Desaparecem,
E deitam-se como se fossem palavras espalhadas sobre o papel branco, penumbro, e aos poucos, vou construindo o desejo, e aos poucos, eu e ela, vamos desenhando o prazer nas dunas sapientes dos distantes luares que nascem em África e vêm morrer na Europa com um Passaporte travestido de um outro transeunte, em migalhas, poucas, das velas dos veleiros doentes, elas, as mãos, poisam-se-me na face ácida, em chapa inoxidável e robusta, desaparecem
Vejo
Vejo-as,
As manhãs com ondas e espuma, oiço-as, a todas elas, espalhadas pela longínqua areia que os sonhos trazem, ou trouxeram de longe, e vão para longe, como voando à boleia do vento sem asas, livremente dentro de uma fotografia, a fotografia sem mãos, sem pernas, sem cabeça, apenas
Com rosas vermelhas, disfarçadas de mãos, as mãos do desejo em decomposição, putrefacto, o medo, o tédio, o nada, o nada quando elas, as mãos vestidas de botões de rosa, vagueiam, amam, desejam-se, como se desejam os homens, como se desejam as mulheres, as plantas e os animais, e Deus?
É esta a tua partida depois de morreres?
E da espuma há neblinas que cobrem as cidades, embrulham-se nos edifícios esfomeados e de alicerces apodrecidos, há jardins com bancos de madeira onde se sentam os amantes, trocam palavras – Amo-te muito, meu querido! - do mar um som em forma de farrapo percorre distâncias inseparáveis e atinge o jardim dos amantes – Eu também, eu também! - e ambos sabemos que numa fotografia sem mãos, pulsam os nossos corações, e a minha pele sobeja da pele dela, e na boca, em ambas as bocas do jardim dos amantes, um desequilíbrio de espuma escorre pelo canto da boca, molha os lábios e
Nasce o desejado beijo,
O beijo da fotografia sem mãos.


@Francisco Luís Fontinha
(Texto escrito para o desafio de: Maria Mendes: Alguém consegue escrever um texto para esta linda fotografia?)
(Alijó)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Frágeis, tão frágeis que vergam e partem, e morrem...

foto: A&M ART and Photos

Não me toques, meu amor, não toques nas minhas pétalas, não, por favor, não toques nas minhas imagens, invenções minhas quando a noite mergulha no teu corpo desassoreado, desassossegado, embriagado por palavras e palavras, por luzes, e pelas eternas árvores, não amor, por amor, não me toques,
(três pequenas malas separavam-nos da paixão das almas embalsamadas, tínhamos asas, e tínhamos onde esconder os pequenos sobejos de nós, simples coisas, poucas, das tuas mãos, apenas uma máquina fotográfica, com imagens dentro, e de mim, nada, não esperavas absolutamente nada, a não ser, meia dúzia de livros com bolor, e alguns poemas escritos sobre os teus joelhos, e confesso, sabendo que não me estás a ouvir, e a ver, que esses – Queimaste-os? - claro, assim, despedi-me do teu corpo, como alguns corpos, se despedem suspensos dos ramos de árvore, algumas frágeis, tão frágeis que vergam e partem, e morrem...)
Não, não meu amor, por favor, não toques em mim, não, não me toque – Que dia é hoje, meu querido? - não sei, não, deixei de contar os dias, deixei de apontar as horas na parede em gesso do quarto minúsculo e húmido, e com uma também minúscula janela virada para um quintal de areia, desértico, tão pobre, quase, como os móveis que habitam esta tão acorrentada casa de sonhos, grãos de milho sobre uma eira sem nome, sem destino, sem terra, e queimaste-os dizes-me tu, e claro que te mentia, minto-te, porque sou incapaz de queimar palavras, talvez tivesse coragem de queimar
(corpos?)
Mas destruir palavras, nunca, meu amor, não me toques, por favor, deixa-me, deixa-me...
(corpos, o meu, o teu, o dele, corpos, corpos entre imagens a preto-e-branco, janelas intactas, que depois das tempestades, lá, estão sossegadamente lá, como o estavam antes, como o continuaram depois, e o fotografia não é mais do que uma janela, fixa, sem vidros e inquebrável . Queimaste-os? - baixava a cabeça e não respondia, e pensava, como poderia queimar os teus joelhos... - impossível queimar os teu belos joelhos, meu amor! - e no entanto, mentia-te, dizendo-o quando não o tinha feito, e tu, acreditaste, sempre, que todos os poemas escritos sobre os teus joelhos, coitados, foram todos queimados numa sexta-feira, era Verão, talvez uma tarde de Agosto, e depois, semeei as cinzas sobre a lápide encarnada do batom que passaste a usar nos lábios, sabia-me bem, não sei a quê, talvez – A chocolate? - não, não era a chocolate, talvez fosse a saudade)
Deixa-me, que um dia vais perceber que dentro das minhas imagens existem sonhos, os nossos sonhos, um dia vais perceber que da árvore que morreu devido ao peso de um corpo, outro corpo nascerá, - acreditarás em mim? - e outro, e outro, e outro corpo mergulhará nas imagens que escondo dentro das minhas férteis coxas de silêncio, tu um dia, vais
(corpos – Queimaste-os? - sim, meu amor, sim, sim, queimei-os a todos...)
Vais, vais bater a uma porta com um pedaço de vidro, do outro lado, alguém, mulher, homem ou criança, ou todos, perguntar-te-ão pelos poemas escritos sobre os meus poemas, e tu, responderás
(queimaste-os?)
Não, por favor, não me toque, meu querido, e responderás que os tens dentro de uma caixa de cartão, melhor dizendo, três perdidas caixas de cartão, em que numa delas, três, talve... talvez meia dúzia de imagens, guardas, de mim, do meu rosto, da minha pele, e
(teus joelhos)
Não, não, por favor,
E esqueci como era o teu rosto.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha


domingo, 14 de abril de 2013

(eras triste, tímida, e tinhas medo, e tens medo, da minha voz)

foto: A&M ART and Photos

Inventaste o meu nome numa lápide de areia, inscreveste a minha misera data de nascimento, e a possível data do meu desaparecimento, e depois, também tu, desapareceste entre a neblina cinzenta de uma triste manhã de Novembro,
(poucas palavras ouviam-se da tua boca)
Nunca as ouvi, as tuas palavras, e se existiram, nunca percebi o seu significado, tinha consciência que de vez em quando, na tua pele escura, apareciam cavernas de sílabas, tocava-lhes, acariciavas-as, e
(tantas as loucas tardes de nós dos vidros espelhados dos óculos de sol sobre a mesa-de-cabeceira)
E havia barcos encalhados em ti, e havia luzes de amêndoa nos teus doces olhos, porque dos teus lábios submergia a maré de fim de tarde, percebia-se da tua língua, que uma fina e áspera folha de desejo aguardava ordens para passar a barra e atracar no meu peito de âncora bronzeado a lixívia, e nada do que eu ouvia correspondia à verdade, e quando me perguntava – Qual verdade, esta dos percevejos e das pulgas, elas, pertencerem ao meu grupo restrito de amigos – claro que era mentira, claro que também era mentira existirem nuvens de prata nas tuas coxas, procurei-as incessantemente, e nunca sorriram para mim, e nunca apareceram na varanda do silêncio amanhecer,
(eras triste, tímida, e tinhas medo, e tens medo, da minha voz)
Não te condeno, porque a minha voz parece um trovão quando rosna e rompe na noite até chegar à janela do teu quarto, levemente levitas a tua cabecinha meiga, e vês-me em forma de som, um camafeu, um pilantra que sempre odiaste, e amaste nas horas escuras das persianas encerradas,
(amo-te)
Como amava os bonecos e os livros antigos e os chapéus e as calças frustradas..., que habitavam nos corredores da feira de velharias, no tabelier do velho Opel de 1964 tínhamos aventuras em pequenos quadrados, símbolos desconhecidos, olhávamos-nos no areal de centeio que servia para escondermos cromos, pequenas moedas sem valor monetário, e solos,
(desenhei o mapa do local exacto do esconderijo... e perdi-te para sempre)
Desorientei-me, e deixei de ver a fraga onde te tinha deixado, dentro de uma caixa de madeira, lá, mergulhadas nas profundezas da terra húmida, ficaram as tuas cartas e um retrato colorido, percebo agora que sempre fui apaixonado por retratos a preto-e-branco, e tinham um sabor a qualquer coisa, eram perfumadas
(E havia barcos encalhados em ti, e havia luzes de amêndoa nos teus doces olhos, porque dos teus lábios submergia a maré de fim de tarde, percebia-se da tua língua, que uma fina e áspera folha de desejo aguardava ordens para passar a barra e atracar no meu peito de âncora bronzeado a lixívia, e nada do que eu ouvia correspondia à verdade, e quando me perguntava – Qual verdade, esta dos percevejos e das pulgas, elas, pertencerem ao meu grupo restrito de amigos – claro que era mentira, claro que também era mentira existirem nuvens de prata nas tuas coxas, procurei-as incessantemente, e nunca sorriram para mim, e nunca apareceram na varanda do silêncio amanhecer, encostavas-te a mim, sentia-te na escuridão da vida, agora percebo porque “maldita vida”, mas na altura, ontem, diria, feliz vida, aquela, quando sentia a tua pele da espessura de uma membrana celulósica no post scriptum das tuas cartas de amor, e quando percebia que no fundo de tudo havia um “P.S.”, sentia que o mercúrio do medo estava prestes a entranhar-se em mim, como os pregos do famosíssimo faquir quando de um Circo que alicerçou asas por estas bandas, me encostou a um muro em xisto e numa voz meiga e melódica – Não respire! - e começo a sentir o pregos a espetarem-se-me no corpo, pergunto-lhe se os pregos não eram para serem espetados à volta do contorno do meu corpo – Que sim, mas só as máquinas é que não falham - e tinham um sabor a qualquer coisa, eram perfumadas)
Tão profundas, tão inertes, que hoje não reconheceria a letra que faz parte da lápide de areia.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Penumbra

foto: A&M ART and Photos

Penumbra refugiando-se em corpos de luz
que caminham e sonham nas andorinhas com lâmpadas de néon
debaixo de nuvens transparentes
como o sal que a água dissolve
e vomita nas palavras escritas por um louco,

Há quem desenhe nas oliveiras descarnadas do eixo da eira
os guindastes de ferro enferrujado
límpido
que engolem barcos de madeira e espigueiros empanturrados de milho
e sonhos,

E sonhos vestidos de penumbra
refugiando-se nas mãos incógnitas do perfume de cereja
há quem escreva nos sonhos sem o saber
nem o adivinhar
quando terminará o dia e recomeçará a nocturna paixão das almas,

E haverá um dia pêndulos de desejo
nas janelas do ciúme
a continuidade de mim
sobre a calçada longínqua junto ao rio
e de lá observo o mar,

E de lá... caminho e choro e sonho sonhando com a penumbra
eira com o espigueiro recheado de milho
e ao longe
os sinos da Igreja
cantando horas infindáveis horas eternamente horas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha