sábado, 30 de março de 2013

Habitar de mim em ti

foto: A&M ART and Photos

Habitas nos fantasmas candeeiros de porcelana
e não saberás nunca
o nome verdadeiro do ciúme nocturno
habitas e desfazes-te em sorrisos de areia
habitas nos corpos poisados sobre os cais de madeira,

Habitas dentro do prazer
como as abelhas mergulham no pólen da madrugada
habitas na saudade
e nas ervas miúdas que brincam nos quintais de papel
à beira-mar,

Um livro eterno submerso nas lágrimas do céu da boca
e tu habitas no transformismo das palavras mortas
pelas línguas de prata
como uma pirâmide escondida no deserto
com os braços alicerçados aos lábios do desejo,

Habitas no meu corpo
desarrumado
e cansado
habitas nos textos que escrevo
e nos poemas com as palavras prisioneiras na húmida térrea,

Habitas fingindo que sonhas no meu peito
corres e corres e corres pelo corredor do silêncio
como se fosses uma criança sem nome
ou uma flor sem cor
ou... uma mulher de sombras que habita nos túneis da solidão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As Cartas devolvidas

foto: A&M ART and Photos

Sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou
Uma virgem encapuçada quando desce o Agosto das longínquas praias mergulhadas em incenso e em cartas de amor, devolvidas ao remetente, sou uma feliz prisioneira, à tua mão acorrentada, sou, uma, sou uma imagem escura, penumbra, fria, hoje, quando do ontem regressavam as algas dos rios onde dormias, e eu te esperava, sentada sobre a mesa da sala, de livro na mão, e com o candeeiro apagado, vivíamos em escuridão para afugentarmos os fantasmas das asas de papel, quando os Sábados
(ninguém regressou de lá)
As palmeiras diziam-se cansadas de balançar nas tardes de verão, e um vento ténue abraçava-nos enquanto escrevíamos poemas sem nexo, que ainda hoje vivem dentro de uma caixa de cartão,
(ela fugiu)
E o vento cessou de bater nas vidraças endiabradas, pareciam almas em corpos putrefactos, regressados do abismo, descíamos a calçada e sentávamos-nos sobre os finos paralelos do desejo, havia sempre uma flor que te esperava, meu querido, havia sempre uma
(Clarissa – Érico Veríssimo)
E havia sempre uma claridade no teu olhar, meu querido, e havia sempre uma nuvem azul com tempestades cinzentas, e havia sempre, meu querido, sempre, havia, havia sempre uma nuvem azul na tua boca, e sempre, havia, e havia sempre um silêncio de espuma nos teus lábios,
E
(the Sea)
E, hoje sei que o mar dormia nos teus bolsos, hoje, sei, hoje sei que o pôr-do-sol acordava porque os teus cigarros assim o determinavam, e eu não percebia, e eu, não sabia, que o mar, que ele e ela era tão importantes para ti, como a corrente que me prende ao teu peito de areia, e
(começaste a gostar de AL Berto por minha causa)
E hoje, hoje sinto que a corrente de aço que me aprisiona a ti, meu querido, começa a desmoronar-se, como as flácidas rugas do teu rosto de barro, e hoje
(the Sea)
Hoje (sou uma acorrentada, entre imagens e letras penduradas nas árvores em Primavera, sou uma barcaça sem velas, leme, sem nada para navegar, sou uma prisioneira das tardes de Sábado, quando o mar selvagem entra no meu coração despedaçado, como migalhas de trigo, depois do pão recesso que os dias lançam nos rochedos dos sonhos sem os verdes olhos do calendário da saudade, sou) sento-me nas clarabóias poisadas sobre os telhados da cidade, e a cada pássaro que passa, peço-lhe perdão, peço-lhe que me traga novamente o mar emaranhado de algas, pedras, lodo, e os teus braços que ficaram apodrecidos como o casco do velho barco de esferovite, e hoje, hoje penso em ti como uma nuvem azul perdida sobre o Oceano...
(perdi as tuas cartas)
Como verbos suspensos no céu nocturno da saudade.


(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 29 de março de 2013

Charco de Pedra

foto: A&M ART and Photos

Eterno silêncio do charco de pedra
com as palavras que mergulham em lábios de silício
na mão do homem com o chapéu preto
obliquamente sobre o rio da morte
às frias folhas de papel mata-borrão,

Desenho-te na límpida fragrância do café com natas
enquanto um transeunte espera impacientemente pelas torradas
e as folhas de papel com poemas adormecidos
tristes
no cansaço da janela do beijo,

Subo pelo teu corpo acima
e sento-me em ti adornada montanha de pele em suor
deito-me sobre as tuas mãos como se eu fosse um cadáver sem nome
porque deixaste de prenunciar o verbo meu sofrimento
que ao rio de sangue embarca até desaparecer no umbigo da noite,

Sabes que sou eu?
o filho indesejado das palavras começadas por F
e terminadas em OR
eu aquele insignificante miúdo com calções de areia e sandálias de chocolate
das sanzalas envergonhadas como os cavalos brancos das invisíveis madrugadas,

Eterno silêncio do charco de pedra
eterno teu corpo de xisto embrulhado nos socalcos da dor
miudinha ela a chuva de alegria
dos teus singelos seios de neblina
ao cair a tarde no Douro Rio... no Douro AMOR.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

O miúdo das janelas sem imagens

foto: A&M ART and Photos

Suspensa,
(preciso de viver dentro dos orifícios das paredes de linho)
Eu, suspensa entre uma nuvem azul e um sorriso encarnado, eu, sentada sabendo que o degrau onde me sento está literalmente,
(morto?)
Submerso na tua mão de borboleta com asas de veludo, ouvem-se-lhes lágrimas de pérola caírem dos pinheiros bravios de Carvalhais, e o miúdo à janela pinta o céu nocturno de cinzento, coloca uma árvore na terra funda onde o avô construiu o poço, e da morte ouviam-se-lhes motores engasgados em neblinas cansadas, tristes, como o vento depois da tempestade, o miúdo chorava, e imaginava cansaços nos esteiros onde se seguravam os braços das videiras e dos arames desciam gotinhas curvas de dor, sofrimento convertido em mármores da sepultura do livro embainhado nas ruas frias da aldeia, submerso
(suspensa, infeliz, apaixonadamente apaixonada pela noite das aves pintadas de amarelo)
Perdi-me em ti, murmurava o miúdo à janela com vista para a casa do tio Serafim, havia livros espalhados pelo quarto, e todos na casa dormiam, até a própria iluminação ténue que se fazia sentir por aquelas bandas, não pensava em nada, apenas
(imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste? Emagreceste? Estás mais alta, mais baixa, ou... assim-assim, esqueci também as palmeiras, o largo, não consigo precisar o diâmetro do largo, e o cheiro, Como será hoje o cheiro dela?)
Apenas os ratos em volta da caixa da farinha de milho, para os animais, para o fabrico do saboroso pão no forno a lenha, e nada mais, nem os latidos de um cão, que perdão, também lhe esqueci o nome, a idade, a raça, a crença, se existia alguma crença, e no entanto, ao longe, ouviam-se-lhes os sons frágeis do sino da Igreja,
(vivi sobre rochas de areia)
Sou eu, dizia-lhe o rapaz suspenso na janela da noite, suspensa ela também, sentada eu, sentada sobre um degrau moribundo, triste e doente, ele sente o peso do meu corpo e acaricia-me as nádegas húmidas responsáveis pela chuva dos últimos três dias de vida, (poiso os cotovelos no parapeito, todos dormem, e todos sonham que amanhã as nuvens azuis já não são azuis, e os tramados sorrisos encarnados, não, não se vão transformar em bolas de Berlim, não, os sorrisos encarnados vão esconder-se entre o milho e o feijão, porque o avô semeava milho e no meio colocava feijão, e quando o feijão crescia, agarrava-se ao caule do milho, e crescia, crescia, e crescia até chegarem ao céu...) e continuava a perguntar-se
Como vão ser os últimos três dias de vida? (vivi sobre rochas de areia)
(das abelhas?)
Vive-se, vive-se inventando janelas, vidros, paisagens, sorrisos, nuvens, vive-se acorrentado a um degrau de mármore com coração de aço, frio, tão distante o largo das palmeiras, e hoje como será o chafariz nas traseiras da coluna vertebral silenciosa da menina? (imaginar-te no largo junto às palmeiras abraçada ao espantalho de carne como um estranho nome... talvez, qualquer coisa Francisco, foi há tanto tempo, perdão, esqueço-me das coisas, dos nomes, das imagens, e quando preciso, urgentemente recorro ao álbum fotográfico, mas lembro-me que rasguei a tua fotografia, imagino como serás hoje, como dormirás hoje, Engordaste?) qual das meninas? e os pássaros das nocturnas noites de Carvalhais não sabiam, e desconheciam, que existiam mais do que uma menina, e tal como eu, o miúdo com os cotovelos no peitoril a imaginar barcos a dirigirem-se de Carvalhais para o porto de Favarrel, e perdiam-se a meio caminho, e alguns, a grande parte deles
(naufragavam contra o canastro recheado de milho até ao tecto)
Não sobrevivia, e morriam.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sopa de Letras

foto: A&M ART and Photos

Sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão, sei que à minha volta existem gaivotas com sorriso de poesia, sei que tenho sobre mim o silêncio dos barcos em poiso, como as ervas daninhas, como as pedras más, feias e com olhos de medo, sei que toda esta água me pertence, é a minha água, vida, paixão, o meu grande amor, sei que o tronco de madeira onde me sento, é um homem disfarçado, sem braços, cabeça, ou as pernas, sei que ele chora, sofre, como eu, e se ele pudesse
Abraçava-te,
Sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?
(abraçava-te)
Se eu pudesse (sei que tenho dentro de mim o grande lago da solidão) chamava o barco dos sonhos e anda sempre de mão dada com a noite, deixava de inclinar a colher e tinha sempre a palavra AMOR respeitadamente formada e alinhada, e depois
Comíamos-la,
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?
(abraçava-te)
Sopa de letras, sopa de cansaços, sopa, sopa, abraços, para quê?
(abraçava-te, mergulhava nos teus olhos de morango com natas, e escrevia no pavimento térreo do prato de sopa: SEMPRE TE AMEI MEU QUERIDO), Se eu pudesse? Comprava um banco de jardim com ripas de madeira, pintava-o de encarnado, escrevia numa pequena folha de papel “Cuidado – Pintado de Fresco”, comprava um plátano e estacionava-o junto ao banco de madeira, depois
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Depois sentavas-te no banco de madeira, eu, eu sentava-me ao te lado, deitava a cabeça no teu colo, e, e M A R O, retirávamos o pequeno papel onde alguém escreveu “Cuidado – Pintado de Fresco”, e beijava-te, e, e O A M R, e, e (sei que tenho um destino pintado na tela adormecida do final de manhã ensanguentada pelas pétalas de vento e chuva, sei que a tempestade jamais cessará, como nunca cessaram as janelas com imagens negras, de montanhas abandonadas, de crianças mal tratadas, e nunca mais voltarão as letras que na infância pescava no prato de sopa com uma colher inclinada, o sacrifício para formar a palavra AMOR, e quando me sentia pronta para erguer a colher, desaparecia a palavra, desfazia-se e ficava com um amontoado de letras
M A R O,
Outras vezes,
O A M R,
Se eu pudesse?)
Amava-te.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 28 de março de 2013

Simplesmente... Aqui

foto: A&M ART and Photos

Que faço aqui, vestida de corpo, nua, sobre um ninho de vento quando desce a madrugada, e lá fora, chove torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas ardósias sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em flor, desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os olhos com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas escura, como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas de barro com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que sejas a obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço aqui
(sobre uma cama travestida de divã, com duas mesas-de-cabeceira, dois candeeiros com lâmpadas que mais parecem fantasmas vestidos de ténues lençóis desbotados com uma porção desconhecida de lixívia, ela triste, ele feliz, a cama nem por isso, torcia-se e encolhia-se, quando repentinamente, corpo de mulher e lençóis misturaram-se como se fossem dois líquidos, ou uma porção de barro e duas de areia, ou...)
Que faço aqui, meu Deus?
(ou o sol que não há forma de entra neste infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu amor?)
Claro que sim, meu querido, acredito em peixes com asas, em vestidos de arame bordados com uma finíssima rede de aço, acredito em drogas, acredito em noites fantásticas, acredito em corpos esculpidos por mãos de silêncio, acredito em ti vestida de corpo, nua, sobre um ninho de vento quando desce a madrugada, e lá fora, chove torrencialmente, há traços verticais de cor negra nas ardósias sobre as porta que habitam o corredor das amoreiras em flor, desconheço a cor da tua pele porque a tempestade me vendou os olhos com a página de um livro de poemas, mas imagino que sejas escura, como a penumbra das águas selvagens, mas imagino que sejas de barro com formas circulares e pintada de encarnado, e imagino que sejas a obra inacabada do Príncipe das noites dos sonhos, que faço aqui...
Aqui, meu querido!
(aqui chove torrencialmente, imagino-te deitada sobre uma cama deserta, inerte, invisível, uma cama perdida numa cidade sem nome, não consigo precisar se estás vestida, nua, ou numa mistura das duas, sei que tens sobre ti a mínima luz da solidão, sei também, porque o imagino, que os teus olhos são castanhos, aqui, escuto-os a subirem as escadas até ao andar superior, imaginar-te de uma outra forma, é quase impossível, como é do teu conhecimento, vendaram-me os os meus olhos com uma página de um livro de poemas, e sinto-me triste)
Triste porquê, meu querido?
(triste porque chove, triste porque sou contra a destruição de livros, e a página que me venda os olhos verdes, jamais voltará ao seu destino, provavelmente, quando a venda me for retirada, será destruída, pelo fogo, pela água, ou terminará os seus dias como o pó, dos ossos, a voarem sobre a planície de trigo com a eira em pano de cenário, e o espigueiro encostado às sombras da tarde, esperando que o rego da água se encha de alegria, e circule em volta da terra fértil, as cinzas do teu corpo desnudo..., acreditas, então?)
Aqui, meu querido!
(ou o sol que não há forma de entra neste infestado quarto por algas marinhas e peixes voadores, acreditas meu amor?)
Sim, sim meu querido, claro que acredito.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Comboio para o Grafanil

foto: A&M ART and Photos

Imagens, solstícios de imagens descem metodicamente do tecto do impostor prazer que a luz provoca nos corpos negros, absorvidos pelos espelhos e pelos cortinados de espuma, onde te ajoelhas, onde te deitas, onde
(me masturbo)
Imersas minhas mãos nos solavancos que os vidros de areia escrevem nas paredes de barro depois das chuvas dos finais de tarde, lamento informá-lo mas
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
Mas ficou-nos sobre a mesa-de-cabeceira as fingidas pétalas dos perfumes embriagadas depois de caírem sobre as lajes de granito os melancólicos ossos da paixão dos peixes, havíamos construído e declarado guerra aos apaixonados cansaços vestidos de sobretudo encarnado, circulavam pela cidade, durante a noite, em busca de imagens, comida e simples jornais desvairados que alguém tinha deixado nos caixotes do lixo, um dos títulos anunciava a possibilidade da queda do governo, e se ele cair, que caia, mas que não se aleije, salvo seja, senhores das imagens que entram pelos meus olhos, eu nua, eu com uma câmara fotográfica em busca de um passado desperdiçado nas clareiras águas salgadas das praias com varanda para as traseiras, íamos à janela, e suspendíamos os seios no peitoril cinzento com saliva esverdeada, perguntávamos-lhe o que tinha, e ela respondia-nos
Fígado,
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
(me masturbo)
Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe
Seja o que Deus quiser,
E se ele não quiser, paciência, venham as imagens esquecidas, venham os bancos de jardim com ripas de madeira, venham eles e elas, todos e todas, a luz e a escuridão, o silêncio e a algazarra, o branco e o negro, e as pedras, e
(os barcos de papel com melodias entrelaçadas nos dedos)
E as flores, todas as flores, não falando nas algibeiras com a laje apodrecida, as moedas, poucas, caem até se estatelarem na cave, sombria, e sem janelas e sem abraços, coitadas, infelizes, aqueles e aquelas, pobres miúdos de porcelana com sorriso de nuvem embebida no sono longínquo das amendoeiras em flor, e se eles caírem?
(Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe), um dia perceberás a minha cabeça, um dia perceberás que sou tão normal como todas as outras pessoas que circulam à nossa volta, como são as moscas, como são as abelhas, como são todas as imagens, e todas as palavras
Normais,
Sou normal como qualquer árvore do jardim de Luanda, ou como qualquer machimbombo ou como o Mussulo, normal, sou, como a estrada para o Grafanil, ou
Normais,
Ou o cheiro da terra depois da chuva, e um dia, um dia perceberás que apenas a mulher da máquina fotográfica, essa sim, louca como os comboios em direcção ao Tua
(pare, escute, olhe... atenção aos comboios)
Proibido fumar, peço desculpe PROIBIDO O TRÂNSITO PELA LINHA,
E o Tua morto,
É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair
Caiu como vão cair os finos fios de luz das mandíbulas empobrecidas, loucas, loucas, loucas como uma montanha de areia, com braços de aço e olhos de plástico, simplesmente, se caírem que não o façam sobre mim,
(É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair)
O importante são as imagens, e por muito que eu o descreva, acredite em mim, só vendo, consegue vossemecê imaginar uma mulher nua dentro de um quarto escura a fotografar sombras? E junto à mulher um escadote com acesso ao infinito? Consegue?
É claro que não, Fígado,
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
(me masturbo),
Ou por falta de luz...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola



quarta-feira, 27 de março de 2013

(enlouqueces-me?)

foto: A&M ART and Photos

Escrevo-te, sabendo que não tenho papel, caneta, nem a vontade de o fazer, mas dentro de mim, escrevo-te, desenho letras na sombra do meu cabelo projectada numa mesa deserta, só, como a cadeira onde me sento e imagino-te no meu colo, e imagino-te com a cabeça deitada sobre o meu peito ofegante, como a ribeira a descer a montanha, entre pedras, arbustos e espantalhos de palha, entre pássaros e vontades de voar, sinto-te dentro do meu corpo como um ácido que me queime e aquece e faz mergulhar na penumbra dos teus olhos, tu
Enlouqueces-me,
Cresces como uma alga dentro do meu púbis, pintas-te de preto quando a noite entra pela janela e poisa sobre a secretária onde poiso os meus cotovelos, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardo religiosamente o líquido derramado dos meus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como tu, ou como eles, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,
Não vens, hoje?
(enlouqueces-me?)
Há uma porta blindada com acesso para o telhado, o telhado é assente sobre barrotes de madeira apodrecida, diria mesmo, do Século XIX, e mesmo assim adorava esconder-me no local mais distante do prédio, no local mais quente, quando era verão, e o mais frio, quando era inverno, e mesmo assim passava lá eternidades misturadas em horas, que tempos depois transformavam-se em tardes, e depois, em dias
Não vens, hoje?
E tempos depois em semanas, e meses, e anos, e por lá fiquei até apodrecer juntamente com a velhice da madeira, quase morta, abria o postigo, e ao longe ouvia o silêncio das árvores, o bater de ramos dos pássaros negros, que ao cair a noite se perdiam nela, e tu
Eu, eu esperava-te, eu sentada numa cadeira de madeira com os braços e cotovelos assentes sobre uma velha mesa de madeira, assente sobre um soalho rabugento e quase sempre constipado, e tenho a certeza que há
(dias, dias e noites travestidos de barrotes de madeira apodrecida, escondia-se lá, até que chegava o mar e o levava para longe, e ouvia-se o ressonar das folhas das árvores de cartolina, e ouviam-se os sorrisos dos pássaros negros, em frente ao espelho do guarda-fato, fato e gravata, sapatos pontiagudos, lenços de papel), e ouviam-se-lhes
A certeza que há tristeza nos teus olhos de diamante adormecido, a porta blindada, e do outro lado de lá, eu cá, sinto-o, imagino-te sentada numa simples cadeira de madeira, descalça, tens os cotovelos suspensos sobre a planície da madeira envelhecida, e disseram-me que é lá que guardas as pulseiras de vidro, onde dormem as aranhas e os desejos, onde guardas religiosamente o líquido derramado dos teus seios de xisto, como o rio para onde se dirige a ribeira, como eu, ou como vós, que dizem-se viver não vivendo dentro da espuma do mar,
Não vens, hoje?
E ouviam-se-lhes os gemidos dos pés sobre o soalho húmido que as palavras trouxeram das docas embriagadas com os cigarros embalsamados e que ainda hoje vivem no mausoléu da ignorância, tínhamos
Tínhamos o que, meu querido?
(enlouqueces-me?)
Não vens, hoje?
(tenho medo de me apaixonar por ti)
Claro que vou, é só sair do sótão, descer as escadas, e logo, logo, e logo estarei sentado no teu colo...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Hoje é dia de festa

foto: A&M ART and Photos

Esta varanda que me alicerça o corpo às marés vazias, este ar e esta sensação de silêncio, que aprisiona os meus braços ao vento filho da rua das traseiras, este medo, esta manhã distante das estrelas complexas do nocturno céu da tua boca, uma janela, e
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Esta varanda que me aperta o coração, sabendo eu, que há muito deixei de ter coração, cabeça, prazeres, solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo
A vida de uma mulher de veludo, encenação de mim, e direcção de actores, também de mim, a tenda levita de quando em quando, saltita como seios roxos com pintinhas brancas e flores amarelas, e dizem que o mar entra pela porta da varanda, ela submissa na chávena de café olhando pensativamente a rua em ruínas como gaivotas órfãs pedindo esmola no cais das camélias abandonadas,
(solidões de tempestades ao romper a madrugada num cenário de papel, os actores sentados na plateia, os artistas de circo que a infância semeou no capim junto aos Coqueiros, não sei, mas acredito que um dia vão voltar, também eles, sentados na plateia, ao jantar, os pratos vazios misturam-se com o público em círculos no palco, e começa o espectáculo)
E começa
O
Circo,
E começa
O
Teatro,
E começa o espectáculo dos pratos vazios sobre uma mesa de vidro, ela, a mulher de veludo, refugia-se na varanda da vergonha, bebe café e aquece as mãos com o medo da fome, inventam-lhe alcunhas, e obriga-se a submergir-se nos oceanos dos pilares de madeira depois de o vento abandonar as crianças e os idosos..., na esplanada dos olivais encalhados na serra do desassossego, há um rio doente, rio que sobe as escadas, e leva a mulher de veludo, e leva o corpo de uma mulher fingindo alegria
Viva a alegria, Alegria, Alegria, Hoje é dia de festa,
Meninos e meninas,
Senhoras e senhores,
Respeitável público..., A senhora de Veludo!
E os cortinados mergulhavam na solidão, e havia a tristeza disfarçada de fome, quando os pratos vazios, e os talheres, e os guardanapos..., voavam entre paredes da cozinha,
O espelho de ontem procurando a saliva de hoje,
Na varanda,
E não regresses, eu a ouvi-los, os pássaros nas plataformas sobre as ruas em obras, telefona-me tá, e claro que não tá, nunca esteve, nunca estará, vestida, forte, de pé como uma estátua de bronze, pensava eu, na varanda, nua, uma janela em gemidos quando alguém tentava encerrá-la..., e claro, quem, digam-me, quem gosta de ser encerrado? Digam-me, quem gosta de ser aprisionado? Ninguém, ninguém, ninguém havia quando a terra começou a tremer, ela aos poucos, como pedaços de papel, desmoronou-se, de
Pedaço em pedaço,
De
Letra em letra,
Até chegar a palavra, chega, basta...
Fim.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Corpo Moliceiro

A&M ART and Photos

A loucura das rochas frias e escuras
entranhadas no meu corpo moliceiro
procura a chuva que acompanha o vento
e navega sobre os telhados da aldeia,

Esta frieza grande corrida da paixão
este cansaço
esta tristeza
que a noite deixa cair sobre o meu cabelo sonolento,

Fingir que amo as ervas orvalhadas dos oceanos invisíveis
caminhar sonhando voar sobre as nuvens de vidro
e que nada tenho
percebendo que os abraços morreram entrelaçados no meu pescoço,

A loucura das rochas escura e frias e solitárias
onde me sento e adormeço e finjo viver
não voando não amando os versos do mar
não tendo as palavras a culpabilidade de existirem na minha mão.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 26 de março de 2013

A banheira insónia da paixão

A&M ART and Photos

Imaginava-te uma sombra de luz rodeada por leões e cavalos e abelhas, imaginava-te selvagem como as acácias do madrugar vento da cidade pintada de amarelo, imaginava-te hirta, morta, abandonada, numa tela de prata com fios invisíveis de chocolate e café depois do jantar, imaginava-te sentada numa pedra com cinco esquinas, três andares, e uma cave
Uma casa de banho e uma banheira, uma janela para o quintal da vizinha, velha e rabugenta, imaginava-te sentada na banheira a confidenciar segredos às pétalas de água em gotas minúsculas, e lá fora habitavam as grandes nuvens de tédio, brincavas com a espessura do sonho, e fechavas a mão no meu peito de xisto,
Imaginava-te no espelho da cave abraçada ao piaçaba, e teias de aranha, e o soalho em decomposição, imaginava-te o putrefacto esqueleto das flores apaixonadas pelos olhos do leão, e com sorrisos construídos em mentiras e finais de tarde imaginários, brincavas com o cavalo e com as abelhas, como o fazias em criança, e como o fazíamos enquanto amantes por correspondência, um curso suspenso no tecto da noite corpuscular, uma menina de celofane embrulhada em relógios a pilhas, e tudo quando depositávamos os pertences mais secretos num armário incorrecto, em pedaços de lixo, sem porta, como as lareiras de trás-os-montes
O frio silêncio em meus braços,
Imaginavas-me sentada na banheira, olhava a torneira e sentia o vazio da água a correr, imaginava-te como um rio, entre pedras e curvas, até que ao longe, da janela, sabia que encontravas sempre, que encontravas o mar, mas hoje, hoje percebo que perdeste-te nas imagens brancas de uma cidade inexistente, uma cidade sem casas, uma cidade com fome, sem amor, e eu, parva, imaginava-te a subires os quase cinquenta degraus, ouvia-te o pulsar do coração, ouvia-te a voz pregada ao corrimão e quando batiam à porta
Ele está?
Mentia-lhes e dizia-lhes que deixei de ver-te como quem abandona um álbum de fotografia, com histórias, com corações e nas traseiras dela inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes que a última vez que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais dos homens apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso, uma boca procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as horas sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar
A praia, o mar em decomposição, as janelas do ciúme às portas da ruína, os automóveis procurando alimentarem-se de saliva, beijos e outros pequenos organismos, sempre, vivos,
A imaginar do longínquo campo de trigo, um corpo, nu, deitado entre a terra e as pedras ao redor da eira, o canastro dorme com as espigas de milhos colhidas no ano anterior, às vezes, desaparecia e escondia-me lá dentro, deitava-me em cima do milho e imaginava-te
Nos teus braços, lábios,
Imaginava-te sobre mim como as pequenas sombras de luz que as fendas das ripas construíam nas doiradas espigas, pedia que começasse a chover, e o sol fazia de mim um boneco cansado, um boneco de palha seca, e um chapéu com três ou quatro buracos, estava de pé e encontrava verticalmente com a ajuda de um cabo da piaçaba,
Na cave, entre teias de aranha, imaginava-te mergulhada no círculo trigonométrico e traçava ângulos no teu peito, calculava a tangente três meios de pi, e entre os teus seios, sabia que dois triângulos rectângulos brincavam como duas mãos de milho, seco, dentro do espigueiro, com ranhuras de luz,
Nos teus braços, lábios, a carlinga pesadíssima poisada nas pedras abandonadas das tardes encobertas, pedíamos sol, e tínhamos chuva, pedíamos beijos, e infelizmente, nunca tínhamos beijos, nem água, nem a banheira para ela brincar, imaginava-lhe uma banheira e imaginava-a sentada à beirinha como se estivesse dentro de um barco a remos a olhar distraidamente os finos papeis de esperança onde escrevíamos recordações com marisco, bebíamos cerveja e sonhávamos com papagaios de papel sobre o Céu, logo pela manhã, mesmo antes de acordarmos,
E acordávamos ressacados, dávamos conta que não tínhamos banheira, o pequeno barco a remos encontrava-se estacionado junto ao contentor do lixo e a janela da casa de banho, onde eu a imaginava sentada esperando pelo meu regresso, nunca
Existiu,
(tínhamos medo da solidão, comprávamos cigarros avulso e líamos os jornais da semana anterior, tínhamos alguns livros que íamos vender para comermos, e um dos teus cachimbos queria fugir, tentou cortar os pulsos com um isqueiro, não o conseguiu, não teve coragem para o fazer, e, mentia-lhes e dizia-lhes que deixei de ver-te como quem abandona um álbum de fotografia, com histórias, com corações e nas traseiras dela inscrito “EU + TU”, mentia-lhes e dizia-lhes que a última vez que estive contigo foi nos rochedos junto ao cais dos homens apaixonados, onde sempre que vem a trovoada de incenso, uma boca procura docemente os inocentes poemas da menina que passa as horas sentada na banheira a brincar com a água, a imaginar)
E imaginava-a, sem roupa, dentro da banheira com espuma de Primavera.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Sótão da Insónia

Foto: A&M ART and Photos

Há um amontoado de espelhos e cobertores
que me levam até ti
há um corrimão onde poisamos as nossas mãos
e juntos
procuramos o sol,

Há um sótão
onde supostamente habita esse procurado sol
tem uma janela com pequeníssimos vidros de cetim
e uma fotografia para o mar
onde partem e regressam os barcos de brincar,

Leio os livros espalhados nesse sótão
onde às vezes adormecemos vaiados pelo cansaço da noite
mergulhados em palavras
e imagens
e sonhos suicidados dentro das tempestades do inferno,

silêncios dentro do sótão
fragmentos de porcelana abraçados a pedaços de cola
há uma jangada com velas de linho
que dentro do sótão pedem clemência ao vento traiçoeiro,

Há beijos disfarçados de solidão
e bocas em desejo
nos lábios da insónia...
há em mim coitados pássaros loucos
pássaros que só o nosso sótão consegue alimentar.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 25 de março de 2013

Paixão Geométrica

A&M ART and Photos

É da tua voz difusa que os traços de suor
acordam nas pétalas loucas que os poetas inventam
misturam-se nos teus lábios (sem que eu saiba se são doces ou amargos) sílabas
de água perdidas entre rochas e árvores de candeias
à luz semeada pelo diáfano silêncio dos desertos cansados da tua boca,

Há dias que não percebo esta solidão de areia
que o vento levita das pequenas junções das lajes de granito da eira de Carvalhais
e no entanto
acompanha-me o melódico sorriso do melro alegremente
penso eu (apaixonado) porque faz balançar os pinheiros dos sonhos,

Atravessas a cidade sobre o arame da saudade
e deixas cair sobre mim
as madeixas de papel que se desprendem do teu cabelo revoltado
com palavras misturas-lhe palavras em constante equilíbrio
e sofrimento de dor,

Inventas o rio para me alegrares
mas até isso me entristece como me entristecem as amarra de aço
que prendem os barcos apodrecidos
(também eles de aço)
a um cais de desassossego que tu dizes ser meu quando nasci das finas cordas que as gaivotas engolem,

Apetece-me subir ao andar superior onde habitam os gemidos da tua voz
que definem os traços de suor
que a pobre ardósia escreve construindo a geometria do amor
Dois quadrados podem ou não podem apaixonarem-se um pelo outro?
E dois triângulos de Luz?

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Como Andorinhas

foto: A&M ART and Photos

É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, memorizam números como do primeiro beijo se tratasse, recordam as portas calafetadas e as janelas com os vidros estilhaçados pelos suspiros que o amor provoca nas primeiras horas da manhã, uma parede sem palavras escritas, mórbidamente suspensa numa corda de nylon, diz o povo que se enforcou, de uma casa, e do primeiro andar, uma varanda, uma grade em ferro, e imagens desfocadas, mortas, que nunca existiram na realidade, tocava o telefone, uma enorme e velha campainha como o sono quando demorava a regressar, aproveitava entre toque para contar os carneiros que deambulavam no tecto do quarto, e quase sempre
Faltam-me dois carneiros, E a esposa dizia-lhe Deixa lá marido, o que são dois carneiros?
Tirando a lã, nada,
E antes de pegar no auscultador mais pesado do que um saco de cimento, queixava-se da dor sobre os ombros, e mentalmente não se recordava de qualquer esforço extra, mas claro, como ele às vezes fazia menção de dizer, A idade avança e os meus ossos já precisavam de reforma, e de tempo, e de melancolia, e das noites, e avariadas quando entravam porta adentro um esquadrão de
Ratazanas?
E tirando a lã, nada,
Não, claro que não,
Pegava no auscultador e do outro lado da ardósia parede de gesso, ouvia a voz mais pequena quase do mundo, mas neste caso, a voz mais pequena da aldeia dos macacos, Tou, Tio?
Sim, Sou o Francisco!
Saudades tio, saudades...
Deve estar a precisar de dinheiro, só me conhece para isto, este miserável,
Diz lá rapaz, alguns problema?
(É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, memorizam números como do primeiro beijo se tratasse, recordam as portas calafetadas e as janelas com os vidros estilhaçados pelos suspiros que o amor provoca nas primeiras horas da manhã, uma parede sem palavras escritas, mórbidamente suspensa numa corda de nylon, diz o povo que se enforcou, de uma casa, e do primeiro andar, uma varanda)
Era só para o ouvir, respondia-lhe ele, e claro, pensativamente vinha a desconfiança, porque ninguém telefona a outro alguém, apenas para o ouvir, ou
Saudades da sua voz,
(Chaleiro)
Ou,
Ratazanas?
E tirando a lã, nada,
Não, claro que não,
Saudades, claro, também eu, do granito clandestino de que eram construídas as clarabóias com pedaços de cartão reciclado, e quando alguém batia à porta, ele
Tou?
Sou eu, tio Francisco!
Agora este deve pensar que sou o novo Papa, Sou Francisco, claro, mas um simples Francisco, menos do que as flores e os pássaros e as pontes, menos ainda do que as
Ratazanas?
Claro, sim, talvez,
É vê-los partir como andorinhas envergonhadas, fogem, escondem-se como as ratazanas debaixo das pedras frágeis das calçadas de areia, inventam o sono, sinto nas minhas coxas calcinadas pelo odor do primeiro beijo as nuvens de porcelana que Deuz se esqueceu sobre a mesa da cozinha, sentada, não sei, o que fazer
Talvez, claro, quem sabe,
Porque não me amas, e confesso que não sei responder-te, não sei, tal como tu não consegues perceber a razão do teu sobrinho segredar-te que tem
Saudades?
Sim, claro, talvez,
Não sei,
Tou? Sou eu tio Francisco, Diz lá rapaz?
Digo,
Quem pode ter saudades da voz de um homem velho, cansado, com duzentos e seis ossos pesados como chumbo, húmidos, pronto no cais de embarque, quando ele tem a certeza que não regressará mais
Aquela manhã de Novembro,
Aquele sonho de açúcar,
Ou,
O toque do telefone, Saudades da tua voz, tio Francisco, nada mais...
Ou,
Saudades de voar, querido sobrinho.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Cachimbos de Prata

pag. 465 (poema de Francisco Luís Fontinha – Cachimbos de Prata)


Um pedacinho de névoa
entranha-se na tua doce boca vestida de alecrim
e das algibeiras insónias madrugadas
acordam as imagens fictícias do orvalho incendiado pelo incenso doirado
olho-te vagarosamente no espelho mental das árvores danificadas
pelos ventos e tormentos que em ti navegam
perdidamente como uma gota de água
esquecida num banco de pedra debaixo de um plátano tresmalhado
e doente apaixonado
pelos orifícios indistintos do velho jardim
um pedacinho de névoa
entre os teus lábios narcisos e a tua língua rosa com pétalas de amor,

Oiço a tua mão voraz desenhando letras nocturnas
em nuvens de seda
oiço os teus gemidos transversais contra as paredes do velhíssimo relógio
suspenso no peito cansado e triste do homem das sete patas de madeira oca
oiço a voz rouca de um cachimbo de prata
saltitando
dançando
nas eiras graníticas das canções que a infância comeu
em pequenos torrões de açúcar
misturados com sílabas de céu estrelado
e sandes de marmelada
ao pequeno-almoço,

Pedia-te sossego e tu desaparecias de mim
dançando
saltitando
como um cachimbo de pedra adormecida pelas vagas contra os rochedos
dormíamos dentro dos ouvidos da praia
e antes de encerrarmos definitivamente os cortinados da Aurora Boreal
entrava em nós o Rossio vestido de gente
com mãos de noite
ouvíamos o rio nas catacumbas do amor
a pintar estrelas de luz
e luas de papel
e eu sabia que tu nunca mais irias regressar das salivas amargas do primeiro amor...


@Francisco Luís Fontinha

domingo, 24 de março de 2013

Fingidas tristezas

A&M ART and Photos

Fingias tristezas
no planalto imaginário das palavras incompreendidas
desenhavas as árvores e os arbustos que a despedida levou
quando regressou a tempestade de areia
e o teu corpo permanecia absorto ou morto ou simplesmente infinito,

Perdido nas íngremes amargas letras vermelhas
imagens a preto-e-branco projectavam-se-lhes como dentes de marfim
em crocodilos de madeira negra
húmida
também ela ausente da Primavera tarde que o silêncio amanhava,

E hoje
ninguém
coragem
ninguém o apanha do cinzeiro vestido de abelhas flutuantes
quando me escrevias insignificantes palavras desconexas,

Velhas
cansadas
mentiras de anda
como as madrugadas de cimento
e a marmelada caseira,

Minhas manhãs de nada
ou nada sabendo que não estás nas fingidas tristezas
de livros ou papel amarrotado como as lanternas da solidão
e que sim que simplesmente levitou
às mágoas uivas maçãs do prazer...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Um carrossel de vinho dentro de um corpo preguiçoso

Deixaste-me uma simples caixa de sapatos com alguns dos meus segredos, os poucos sonhos que sobejaram da grande viagem aos montes das pedras mortas, nenhum sobreviveu, nenhum conseguiu atravessar a ponte espacial, o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu
Percebia,
Que
Que um carrossel de vinho girava dentro do meu corpo preguiçoso, e sabia-o, sabia-o nas traições murchas palavras que as flores deixavam cair quando o vento era muito, regressávamos às tempestades de suor, e diziam-nos que o barco com asas de íris tinha mergulhado num buraco espesso, escuro, fundo, cinzento, que
Percebia,
Que este carrossel tinha cadeiras de madeira presas a correntes, que este carrossel rodava em torno de um veio de aço com duzentos e seis ossos, trinta e dois dentes de marfim, e um par de unhas de gel,
Irra? Vinte Euros por isso...
Compravas dois livros,
Mas mamã, com as unhas de gel fico lindona, e com os livros... quem me vai ver com os livros, e mamã... para que me servem os livros? O que eu preciso é de um homem rico, como o teu, que paga todas as nossas contas, Contas?
Sim, um, dois, três, quatro, cinco vezes três, vinte e cinco a dividir por três, o cosseno de três pi radianos..., ou que nos revolva a raiz quadrada de três mil quinhentos e quarenta e cinco, vês? Contas, o que nós precisamos são de contas pagas, com a respectiva factura, Factura?
Claro, factura,
E Fatura?
(Não, chinês não saber o quê fatura)
Numa simples caixa de sapatos, sonhos, berlindes, fotografias a preto-e-branco, bonecos, vestidos para os bonecos, tudo, tinha lá todos os meus pertences, e agora?
Nada, perderam-se as fotografias, agora são a cores, não gosto, odeio, e detesto,
Berlindes?
Rebuçados de água e açúcar, mangas ao final da tarde, chovia-nos no quintal porque a lona da tenda com alguns problemas de sonorização, e pelas ranhuras entram sons externos ao espectáculo,
Sons? Não era a chuva?
Também, também, e quando era em demasia transbordava da caixa de sapatos, e hoje, abro-a, e olho-a, e sinto (o famoso túnel de vento onde com o meu corpo, tu, experimentavas as leis aerodinâmicas, e nunca, nunca conseguiste que eu voasse, e confesso hoje, sem qualquer medo, que te mentia, porque nunca me imaginei a voar, mesmo quando me ias buscar ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu), e sinto as cancelas da noite a encerrarem-se depois de ela me despir e deitar,
Eu sonhava,
Ela desesperava,
Eles,
Cruzavam os braços em direcção ao pôr-do-sol, e como o correio, só tínhamos pôr-do-sol duas vezes por semana, e quanto a marés, essas, apenas três ou quatro vezes por mês, e mesmo assim, éramos tão felizes, e mesmo assim éramos as gaivotas embalsamadas que, também elas, só apareciam dez vezes por semana, quando acordava o dia e quando a noite desaprecia
Em ti,
Como ainda hoje desaparecem todos os meus berlindes de chocolate, como ainda hoje
Em ti,
Barcos de papel perdem-se no oceano teus seios de amêndoa, flutuam como algas em desespero, levantam voo, abrem as asas, e caem sobre as madrugadas filhas dos cortinados de Inverno, barcos, perderam-se, no
Teus,
Oceano,
Seios de papel que as gotinhas da chuva deixam ficar sobre as pétalas mortas, eu inseria a moeda na ranhura, ele devagarinho começava a girar, e eu, aos poucos, sentia-me envergonhado, redopiava, e de vómitos suspiros, girava e girava e girava..., até que terminadas as voltas, e a duração da moeda, estonteante, cambaleava, e ela ia buscar-me ao sono das noites das madrugadas sem movimentos pendulares, olhavas-me, e eu
Percebia,
Que,
O carrossel tinha cessado os seus movimentos dentro do corpo dela., como o mar, quando desiste de viver e suicida-se contra os rochedos dos sexos recheados com insónia.


(texto de ficção não revisto; qualquer coincidência com a realidade é pura ficção)
@Francisco Luís Fontinha


P.S.
(mamã, parti uma unha..., ai minha filha, valha-nos Deus, valha-nos..., porque se ele descobre, se, amanhã, podes ter a certeza que estamos sentadas no passeio junto à Marilú, a pedirmos esmola, e depois, mamã, quem nos vai fazer as contas? Talvez, ai... valha-nos Deus, talvez nos apareça outro palerma bom em matemática).