sábado, 23 de março de 2013

Negros pontos de Solidão

foto: A&M ART and Photos

Roubaste-me a noite e os espelhos do meu quarto nocturno
transformas-te as luzes em pontos negros de solidão
suspensos em árvores de Primavera
e sempre que uma janela se abre
um cinzento silêncio entranha-se em ti,

Nunca percebi quem eras
e de que material eras constituída
nunca percebi se eras de pedra
ou de água sangrenta
dos rios doentes quando morre o luar,

Havia um cigarro suspenso no teu olhar
quando o comboio para Belém desprendia-se do Cais do Sodré
e navegava entre esplanadas e pasteis
e putas
e chavalhos endiabrados como cavalos de batalha,

Entravas na água salgada pelos ventos em rochedos de insónia
e um imaginário corredor de prata
sombreava-te as nádegas e as coxas e os seios
que a areia desenhava
e o mar engolia como morcegos dentro da gruta húmida da tempestade,

Havia sempre noite
e sabia-te ensanguentada nas mortalhas dos orgasmos infindáveis
que os poemas de AL Berto provocavam em nós
olhávamos o rio e os barcos e a outra cidade
quando se encolhia na neblina dos fins de tarde,

E os cigarros morriam nas flores dos jardins em plantio
às palavras pedíamos perdão
e sílabas de sabor adocicado como as mulheres que dançavam sobre as mesas da noite
desciam em cordas de suor
até encontrarmos os beijos prometidos...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Borboletas Mecânicas

Borboletas mecânicas incendiavam as fictícias manhãs de Domingo, ainda por descobrir, emagrecidas pelas janelas de ferro que o ferreiro plantou nas paredes da solidão na cidade dos esconderijos, ouviam-se-lhes as letras dissimuladas em bocas revoltadas, havia fome e havia candeeiros sentados em bancos de madeira, tínhamos descido das árvores onde passámos os últimos meses, confesso, que das borboletas não tinha medo, acordava a noite, e aí sim, elas pareciam loucas, voavam em círculos, e desenhavam quadrados e triângulos no silêncio das horas nocturnas, mas como eram de chapa zincada, resistiam, e quando batiam de raspão na parede de um prédio em ruínas, ouviam-se-lhes os ditongos metálicos da pedra contra o metal, acordávamos, pensávamos que tinham chegado os soldados com armas de paixão para nos protegerem, mas afinal
Aram apenas os sons metálicos das borboletas mecânicas, em flor, acabadas de nascer, e ainda mal percebiam os princípios da aerodinâmica, algumas, deitavam-se das árvores e batiam as asas e batiam, até se despenharem em pleno pavimento granítico das calçadas em frente ao Tejo, um rio que deixou de existir depois dos homens vestidos de negro terem invadido a cidade, e com uma pasta de couro, aos poucos, todas as plantas cessaram os seus movimentos nos jardins públicos e privados, e apenas uma ponte, também ela metálica, resistiu, e ainda hoje nos ouve, quando gritamos, quando acordamos, quando
É domingo,
Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim
Um dia vou experimentar,
As borboletas tinham-se tornado inquietas, nervosas, e pareciam, não, não pareciam, eram, loucas, e os seus voos cada vez mais simples e em linha recta, como as linhas traçadas nas paredes pintadas de branco com a ajuda de um esquadro e de uma régua, simples, tão simples, que
À noite não podíamos sair de casa, elas vagueavam em desesperos e tínhamos medo dos golpes que as asas metálicas podiam-nos provocar no corpo desobediente, quente, que tínhamos de transportar até que chegava a manhã, e com ela, a claridade, e com esta, elas adormeciam
Acreditas em árvores de pêlo comprido?
Eles não vinham, já o sabíamos, e não era preciso grande alarido, porque sempre estivemos por nossa conta, sempre sós, como os furtados cocos dos coqueiros, não
Um dia vou experimentar, e experimentei, e bati com a cabeça numa tília com nervos em franja, rabugenta como uma galinha, que em vez dos afamados chás das cinco, não, preferia as drageias de carvão que o tio Augusto tinha trazido do antigo Congo Belga, atravessava-se o rio, e do outro lado, suspenso numa vespa, vagueava como um vadio, moribundo mendigo de quatro patas, como o outro, de areia, crocodilo desde os tempos do meu aparecimento no planeta terra, e um dia
De pêlo comprido?
Não,
E estúpidamente acreditava em árvores, e estas acreditavam em mim, que acreditavam em borboletas mecânicas, em pontes metálicas, em rios e cidades, e barcos,
E juro,
Nunca vi nenhum, não consigo descrevê-lo, parecem-me objectos difíceis, distantes, complicados, parecem-me pinturas de miúdos durante a noite, estes tais de barcos, e a bailarina parece-me triste, magoada, talvez cansada, talvez envergonhada, mas
Sim, Domingo,
(Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim)
Um dia vou.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 22 de março de 2013

A Rua Dona Grande Solidão

A&M ART and Photos


Chegavas a casa, quando chegavas, e quantas noites desesperaste por mim, quando eu desfilava pelos passeios ornamentais com pedrinhas coloridas, um passeio artístico, com candeeiros de cartolina, junto a ele, as casas de madeira com corações de manteiga, algumas delas, com mais do que um andar, e poucas, com um sótão inclinado, onde, sabias-me perdido entre ondas de chocolate das paredes verdes que alimentavam as teias de aranha das tuas finíssimas mãos, tinhas medo do escuro, e tínhamos começado a construir durante as noites as famosas Rainhas da Rua Dona Grande Solidão, uma rua estreita, Débora, onde a pouca luz desaparecia como desapareciam as poucas moedas de escudo dos fundos bolsos das minhas calças de ganga, filha única, lavava-as à noite e manhã cedo voltava a vesti-las como se elas fossem calças de ganga
Mágicas,
Felizes elas que pensavam em mim,
E não tinham medo de adormecer debaixo da mesa, suspensas no cordel que eu utilizava durante as tardes para segurar o meu papagaio, e saboreando o calor da braseira, elas felizes, elas
Gosto muito delas, Fingia para com os meu amigos quando me confrontavam
Andas sempre com as mesmas calças, não tens outras?
Encolhia os ombros, e esperava que chegasses a casa, quando chegavas, e quantas noites desesperaste por mim, quando dentro da mochila apenas um par de calças de ganga, únicas, verdadeiras peças de arte, e já na altura
Mágicas,
Na altura felizes elas que pensavam em mim, felizes ás árvores de veludo, que de mão dada com os candeeiros de cartolina, e como eu amava a Rua Dona Grande Solidão, as alergias, das drageias, à água-de-colónia que ele trazia da feira da ladra, na altura, as ruas eram de areia pisada por pincéis de arame e guarda-fato com espelhos rabugentos, e quando olhávamos o mar, eles, transmitiam-nos apenas rochedos em decomposição física, e restavam-lhes apenas o espírito melancólico de uma noite sentado no gonzo esquerdo da maré de Maio, e Mágicas
Claro que Mágicas,
Muito elegantes até que eu entrasse vagarosamente nelas, depois, depois abria as asas, abanava-as e em pequenos movimentos ascendentes e descendentes, lembro-me
Lembras-te meu querido,
A levitar até chegar à janela do sótão, e ela, desesperava por mim, e dentro da mochila, farrapos, pedaços de papel, às vezes entrava em casa com o orvalho sobre os ombros, às vezes entrava em casa com os restos de cartolina dos candeeiros, da Rua
Eu amava a Rua Dona Grande Solidão, Lembras-te, meu querido, das paixões dos cubos de vidro onde nos sentávamos depois de...
Não percebi, desculpa?
Mágicas? O quê Mágicas? Não, Não me recordo de nada parecido com magia, espera, espera
Talvez mágico só as tuas coxas de xisto que o Douro engole quando os socalcos vomitam fragrâncias hélices de sons e cheiros,
Só, apenas essas magias que a tua mãe às vezes trazia para casa,
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem, minha querida), e de vez em quando ouvia-te pequenos gemidos a renascerem do teu interior mais secreto, mais escondido, mais impuro, agora deixou de existir a Rua Dona Grande Solidão, agora os poste de iluminação já não são de cartolina como naquela época, os passeios onde havia postes de iluminação as pedrinhas são apenas de uma cor, as casas deixaram de ser em madeira, sem sótãos, e as calçadas já não são de areia calcada pelos pesadíssimos embriagados homens da mochila cinzenta, onde lá dentro
Tinham, diziam, porque nunca vimos, pedras, papeis, restos de livros e
Dizem, porque nunca vimos
Traziam um par de calças de ganga, dizem eles que
O que diziam eles?
Que metiam a mão direita no bolso esquerdo e segundos depois aparecia a mesma mão direita no bolso direito, Pode lá ser!
A sério!
Dizem, dizem que eram calças Mágicas,
(amo-te)
(também eu meu amor)
(tou, amor? Tou bem, cheguei bem, onde tou? Na biblioteca, e tu, também tou bem meu amor, e a menina, tá bem, minha querida, tem saudades tuas, eu também, dá-lhe um beijo por mim), ele acredita em tudo que lhe digo
Até que tinhas umas calças que metias a mão direita no bolso esquerdo e segundos depois aparecia a mesma mão direita no bolso direito, formidáveis essas calças de ganga, meu amor, pois são meu querido, pois são...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Flores de Inferno

Quem sou eu, senhor ANORMAL?
À segunda foi de vez, e quando todos esperavam que ele fugisse para não regressar mais, ele desce a montanha, devagar como todos os passos mórbidos de homens cansados, da água vieram as cintilações que abraçavam as candeias de alumínio que se suspendiam na chaminé, e nas cozinhas, as doces âncoras do vento que aprisionavam os esquifes ao pavimento húmido da laje submersa em lágrimas de saudade e flores de inferno, na lareira um cisco de oliveira derretia-se como açúcar embrulhado em alguidares palavras, que só ele, o senhor ANORMAL conseguia distinguir nas horas de desespero,
Quando batiam à porta, escondia-se e fingia-se de invisível,
(Diz-lhes que eu não estou),
Sim?
É para conversarmos com o senhor ANORMAL..., ah..., lamento, mas ele disse-me para lhes dizer que ele não estava hoje, ouvia os risos em fotocópias de livros de poesia, e sentia-os descerem em passos apressados a dura calçada de areia até desaparecerem nas luzes do cemitério,
Sim, eu digo-lhes que o senhor me mandou dizer que hoje não estava em casa, saiu, qualquer coisa relacionada com má disposição, Olha
Sim?
Diz-lhes que eu morri anteontem e que fui a enterrar hoje,
Olhe que eu digo-lhes isso, padrinho,
Diz Diz,
Então quando está, perguntaram-me eles?
Ora... foi a enterrar hoje, talvez daqui a cinco dias, sim, cinco dias,
E eu ia, procurava-te, imaginava-te sentada num banco de granito, circular, serrado em duas simples metades, deixavas o corpo florir, começavas por esta altura, quando regressam os pássaros, as abelhas, e o sol, gostas de Sol?
Não percebo, padrinho, nunca percebi porque se esconde de mim,
E do Céu um arco de silêncio pindericamente mal vestido, como eu, padrinho, entre moinhos e lençóis de água, e porque foges de mim, padrinho?
Gosto de si, padrinho,
E poisava-me a mão sobre os meus débeis joelhos, não falava, nada dizia, e talvez escrevesse dentro dele
Eu também, minha querida, eu também..., mas diz-lhes que eu não estou,
E eu, esperava-o, sentava-me sobre a meia-lua do prazer, pegava num livros, lia qualquer coisa, e fechava-o, e recordava o cisco de oliveira cilindrado dentro de uma lareira de prata numa cozinha de aldeia, cansei-me, cansei-me
De ti,
Uma mala de chapa uivava junto aos meus pés, lá dentro, apenas papeis e livros, e claro, senhor anormal, os livros são constituídos por folhas de papel, logo
Os livros também são papeis,
Então trouxeste de tão longe, uma mala
Sim?
Uma mala de chapa e recheada com papeis,
De ti,
Porquê padrinho? Porque tens medo de mim?
E a meia-lua desesperadamente voava sobre os desvairados plátanos do pensamento, havia lápis de cor e folhas de cartolina, sobre os meus joelhos, a mão dele, sentia-a, como mais tarde senti a mão da solidão no interior do meu púbis, como mais tarde senti nas minhas coxas, sim padrinho
A sua suave voz melódica e poética que Deus criou, como as nuvens e os infernos das flores em putrefacção, corpos de carne misturados em bocas de mar que as árvores tanto invejam, Percebe-me, padrinho?
Não, não consigo imagina-te...
Sentada neste sofá à espera que você regresse?
E se eu não regressar?
Tenho-a, todas na minha mão, tenho-a quando lhes menti e lhes disse que o senhor tinha morrido, não morreu e hoje espero-o, sabe?
Não, minha querida,
Apetecia-me recordar a sua mão sobre os meus débeis joelhos, em marés por viver e traineiras de amar, amá-lo como se amam as flores, amá-lo como se amam os homens e as mulheres, e o sol
Gostas de Sol?
Sim padrinho, adoro o sol.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 21 de março de 2013

Perfume de Primavera

foto de: A&M ART and Photos

Inventaste a musicalidade do teu corpo
propositadamente
porque sabes que eu não percebo de música,

Inventaste as palavras difíceis
porque sabes que eu não sei o que são palavras difíceis
e tão pouco as sei prenunciar,

Inventaste o amor
acorrentado
a um deserto cais com flores de papel,

Inventaste as camas de pensão
e as janelas com vista para o mar
porque sabes que eu nunca vi o mar,

Inventaste-me quando existiam bancos de jardim
com ripas de madeira
onde alguém escreveu “Cuidado – Pintado de Fresco”,

E a tua saia transformou-se em listras vermelhas
com pétalas de morango
e beijos de açúcar,

Inventaste as minhas mãos
que quando acariciavam o teu corpo
desenhavam-lhe uma pauta musical com perfume de Primavera.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

O caçador de Grilos

Apetecia-me caçar grilos, acordou a bela Primavera, as palavras são grátis, apetecia-me, correr sobre os carris inanimados, moribundos e doentes, ou
Cansados,
Estás cansado meu querido?
Sim, talvez, sou capaz,
Cansado de caçar grilos onde à partida, nãos os há, emigraram para outra planície, partiram de mochila às costas, ombros em punho, Oiço-a (Ana Drago a falar para o boneco), porque os grilos, fugiram, emigraram, oiço na Antena 3 qualquer coisa relacionado com Filosofia, deve ser o tema da Prova Oral, mas mal oiço a palavra Filosofia
Doente, sabes o que tenho, estou doente,
Vou caçar grilos, tanto me faz que sejam do António, do Zé do Do ZIZIARINHO, interessa-vos o dono do grilo?
E claro que ela tem razão, gosto de a ouvir, mas neste momento estou mais interessado na caça voraz aos grilos dos terrenos baldios, lembro-me
Ainda te lembras, meu querido?
Gri Gri Gri tua casa não é aqui, e eu, parvalhão, de palhinha na mão a masturbar um buraco, outro parvalhão dizia-nos
Se urinarmos para o buraco ele sai, diga-se, diga-se o referido grilo, mas
Não saía, o gajo só não saía como certamente não estava lá, ela tem razão no que diz e eu gosto de a ouvir, e já na altura os grilos eram teimosos, mentirosos, fingidos, e já na altura
Meu meu querido, amas-me?
Claro que sim meu grilinhos, claro que sim,
Perdão?
(ah... o grilo não é do António, ah... o grilo não é do Zé, ah... então o grilo é do ZIZIARINHO?)
Pedimos
Perdão
Pelo sucedido,
Dentro de momentos voltamos à caça dos famosíssimos grilinhos das esparsas ruas com legumes e fruta da época, valeu-nos o regresso do outro, que com a sua voz melódica, todos, mas todos
Os grilos saíram da toca,
Ah,
Depois vinha o meu grande amigos dos Sorrisos, de mãos nos bolsos, olhava-me e em termos visuais quase nulos, dizia-nos
Não podem gritar nem ser agressivos com a palhinha no buraco, assusta-os, e a esta hora
Que tem a hora, pá?
Estão a sonhar,
A sonhar? Mas ouve lá oh risinhos, Os grilos sonham?
Claro que sim, os grilos, os pássaros, as árvores e as couves e os rios
E já agora, as pedras, não?
Claro que sim, também sonham,
Apetecia-me caçar grilos, acordou a bela Primavera, as palavras são grátis, apetecia-me, correr sobre os carris inanimados, moribundos e doentes, ou ouvir-lhe todos os discursos, ou
Pedimos perdão pelo sucedido, o texto segue dentro de momentos,
(ah... o grilo não é do António, ah... o grilo não é do Zé, ah... então o grilo é do ZIZIARINHO?)
Não, não venhas, não, não urines para o buraco
Parvalhões
Gri Gri Gri tua casa não é aqui, e claro que sim, sonham, como nós, e vós, ou
Pedimos perdão pelo sucedido, o texto segue dentro de momentos, os carris seguem dentro de momentos, alguns nunca mais seguirão porque uns parvalhões quaisquer tiraram-os, venderam-os, sucata, palavras malvadas nas algibeiras clandestinas da saudade, porcarias, estradas entre a noite e os queridos apaixonados pelos mais belos poemas de amor
Gostam de Amor?
Simmmmm...
E hoje,
Hoje?
Deixaram de passar comboios onde antigamente havia buracos, nesses buracos viviam grilos, esses grilos cantavam, e de mãos da algibeira regressava o meu grande amigo dos sorrisos, olhava-me, e dizia-me com se estivesse a escrever apaixonados lábios na seara de trigo
E respeitosamente,
Dizia-me
Não podem gritar nem ser agressivos com a palhinha no buraco, assusta-os, e a esta hora
Que tem a hora, pá?
Estão a sonhar,
A sonhar? Mas ouve lá oh risinhos, Os grilos sonham?
Claro que sim, os grilos, os pássaros, as árvores e as couves e os rios
E já agora, as pedras, não?
Claro que sim, também sonham,...

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Paixões de granito

A&M ART and Photos


Misturavas-te nos gomos de laranja das noites ensonadas em veneno Primaveril
dos laços de cristal adornavam-te o fino pescoço de arame invisível
havia sombras em ti
que só a minha boca saboreava
como a acorrentada imagem da madrugada antes de acordar,

Havia uma língua de prata
na boca teu sargaço que o mar engole
migalhas de mel e rebuçados de palavras
emergiam da tua leve mão solúvel na areia deserta da insónia
que os olhos negros procuravam nas gaivotas do engano,

Dizias-te flor eternamente perdida nas minhas loucas palavras
e mesmo assim
perdi-te sem perceber que nunca exististe
e que da chuva quando caías
desfazias-te em narcisos assustados,

Murmuravas nunca mais o meu nome
das minhas cansadas árvores sem palavras
e nada
nada que o mar não me dissesse
ou avisasse,

Nada parecendo felicidade
das janelas do pequeno abismo
são de ti as argolas dos pequenos gomos de laranja
que uma árvore me ofereceu
e eu e eu comia-as como se comem as grandes tardes sem literatura,

Quando uma lareira de vidro
vomita as chamas insensíveis das paixões de granito
que tu me ofereces invisivelmente
nas noites construídas de solidão
e miudezas no desprezo quando me cruzo no teu caminho enlatado,

O azedume adormecido do fruto proibido
e como eu precisava de roubar-te um sorriso
um olhar
uma sombra apenas de ti
sobre as pedras da calçada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 20 de março de 2013

E havia

Havia o corredor de silêncio quando ela se vestia de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que aos poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso, ensurdeciam, enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das transversais linhas com poemas de areia, voavam, voavam até desaparecerem no final do corredor, a mulher, desesperava-se com a lentidão dos relógios e dos calendários, os dias tinham parado, e as horas e os minutos e os segundos,
Enlouqueciam como as lâmpadas de halogênio que vieram de regresso da plataforma número três com carris de xisto, socalcos mergulhavam na sombra do Douro, homens e mulheres, comendo sandes mal passadas, pedaços de pão, chouriço, e claro, vinho, com a água que Deus envia de vez em quando, e por incrível que pareça, misturam-se, abraçam-se
Como dois amantes, loucamente entrelaçados, sós, eles, tal com Deus os desenhou nas ardósias húmidas das tardes sem Primavera, lá dentro, o palheiro vazio, uma cama nua e despida de preconceito, mistura-se-lhe nas pequenas mãos de linho, o algodão transpira na camisa adquirida num estilista famoso que o cigano André vendia a cinco Euros, e num dos cantos do palheiro, pequenas palhinhas de desejo a iluminarem os espaço prestes a ser inaugurado entre dois sexos vazios, dois sexos que partilham cada milímetro de sombra que desce do tecto com ripas de madeira, eles amam-se e misturam-se-lhe das grandes asas do ciúme
Adeus meu querido,
Amo-te,
E havia o corredor, sem portas nem janelas, apenas com um tecto falso, baixo, a luz fingia-se viva quando todos sabíamos que as lâmpadas de halogênio estavam mortas, como mortas estavam as frases inscritas nas paredes de gesso, e havia
Alegria muita alegria, felizes todas e elas, felizes as flores e eles, felizes, felizes, não felizes,
Aposto tudo em
Não felizes,
Mais ninguém aposta? Vou lançar os dados, e...
Ganhou
Ganhei, ganhei, não felizes, palpitava-me, sabia-o como sempre soube desde que nasceu este pequeno monstro com braços de aços e esqueleto laminado a frio de uma liga de carbono e ferro, e às vezes, uma pequeno dor de coluna, que quando saia de casa e se queixava, ouvia a dona Amélia
Ai vizinho, esse chiadouro nas cruzes, até parecem dobradiças com insónias,
E
Não
Eram,
Qual insónia?
Sabes, meu querido? Não, como posso saber se não me disseste o que era,
Medo,
Tens medo, medo de quê?
Do amor, da paixão, e das loucas gaivotas quando devoram o mar durante a noite, enquanto dormimos, desculpa, enquanto eu durmo, tu nunca dormes, porque tu não existes, porque tu,
Sou um corredor do corredor de silêncio quando ela se vestia de palavras e caminhava, corria, caminhava, corria até que aos poucos, devagarinho, as luzes suspensas no tecto falso, ensurdeciam, enlouqueciam, e do vermelho abrupto sussurro das transversais linhas com poemas de areia, voavam, voavam até desaparecerem no final do corredor, a mulher, desesperava-se com a lentidão dos relógios e dos calendários, os dias tinham parado, e as horas e os minutos e os segundos, e eu, e ele, e todos os nossos móveis deixavam de fazer sentido, pareciam velhos, e não o eram, pareciam vermelhos, e eram azuis, tinham o Céu desenhado com estrelas de chumbo, e não tinham nada, afinal não era o Céu, nem as estrelas, nem o chumbo, apenas a humidade no tecto devido às infiltrações do vizinho de cima, por baixo de nós vivia um casal de submarinos, também eles, velhos e sós, também eles, estátuas onde pássaros mal educados cagavam sobre as deles pobres cabeças de bronze
Nunca quis ser estátua,
Nem altar onde se ajoelhassem mulheres a rezarem, a pedirem-me coisas, e pergunto-me
O que teria um desgraçado de um desempregado para oferecer?
Por favor
Procurar outro santo,
Porque eu,
Desisto,
Porque eu
Não estou disponível para negociações, porque eu
Nada
Nunca,
Porque meu querido
AL Berto
E companhia limitada,
Se o Pacheco estivesse vivo
Di-lo-ia
Amigos, estamos todos fodidos e mal pagos.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 19 de março de 2013

Dar-te-ei um rio com ripas de madeira

A&M ART and Photos

 
As três árvores do sonho, morreram, deixaram sete sombras e duas teias de aranha, fumavas muito, repreendias-me sobre os malefícios do tabaco, e eu, prometia-te
Brevemente vou deixar,
Hoje, não fumo, e sinto-me envergonhado por nada ter para te prometer, não posso prometer-te o mar porque é impossível levar o mar até ti, não posso prometer-te flores, porque deixei de saber o que são flores, noites de geada, ou noite de lua cheia em plena Primavera, não posso, e não quero
Prometer-te o que não consigo dar-te,
Um rio, por exemplo, poderei eu um dia oferecer-te um rio só para ti, não, evidentemente que não, mas posso oferecer-te os cheiros que vivem no rio, ou
Um banco de jardim, onde te sentarás à minha espera, mesmo tu, sabendo, que nunca irei regressar, porque os mortos não regresso, e eu, lembras-te?
Morri quando caí na asneira de prometer-te o Céu com estrelas, com chuva, e ventos e tempestades, fiz-te promessas que nunca fui capaz de realizar, umas por falta de tempo, a melhor desculpa para todas as situações, outras
Por não ter dinheiro, emprego, vida estável, por preguiça
E deixei-te ficar sentada num banco de jardim, em ripas velhas, em busca das sombras, e duas teias de aranha, fumavas muito, repreendias-me sobre os malefícios do tabaco, e eu, prometia-te
Brevemente vou deixar,
E deixei que esperasses por mim quando devia ter-te dito para partires..., depois veio a bruma, a fina espuma, o silêncio, depois veio o caderno onde escrevíamos palavras, loucas, poucas às vezes, que iluminavam os teus olhos com uma luzinha em cada um, parecias um sol quando acabava de acordar, ainda na parte de esfregar as pálpebras, com os finos dedinhos que a lua emprestava, depois vinha o sono, o cair da tua cabeça sobre o meu ombro...
Brevemente vou deixar,
De sentar-me em bancos de jardim, principalmente aqueles em ripas de madeira, porque me fazem recordar os teus olhos, as flores, que confesso, não sei o que são, nunca soube, e prefiro não o saber, como tantas e tantas coisas que
Não sei
Não quero saber
Não me apetece,
Não sei, mas talvez um dia, quem sabe, me venha a sentar num banco de jardim com ripas de madeira, e talvez um dia, quem sabe, me ensinem o que são flores, noites estreladas, omeletes recheadas com pólen, talvez um dia, me ensinem, que o amor, às vezes, tal como o sono
Aparece sem darmos conta, outras, é difícil adormecer, mas o pior, é o silêncio quando nos sentamos num banco de jardim com ripas de madeira, espero-o, e ele não regressa, e eu, sentada, acreditando que tal como o sono
Ele vem, vai regressar a qualquer momento, acredito, e enquanto sentada, imagino-o a caminha em direcção a mim, vagarosamente, como sempre, debaixo do braço, um livro, nos lábios um cigarro, imagino-o, vejo-o, depois, sentar-se-á junto a mim, dar-me-á um beijo, e nervosamente me dirá
Desculpa, meu anjo, o transito estava infernal; Já leste o novo de José Saramago “A Estátua e a Pedra”? Trouxe-o para ti..., E penso sempre nele quando me sento num banco de jardim com ripas de madeira, e ele me diz
Meu anjo
Não sei, mas talvez um dia, quem sabe, me venha a sentar num banco de jardim com ripas de madeira, e talvez um dia, quem sabe, me ensinem o que são flores, noites estreladas, omeletes recheadas com pólen, talvez um dia, me ensinem, que o amor, às vezes, tal como o sono, e talvez um dia, meu anjo, talvez um dia te apaixones por mim, como a Primavera se apaixona pelas flores, que confesso-te
Não sei e nunca soube o que são,
O que são flores, meu anjo?

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha



Os carris de ontem

Para onde me levas? Se os teus braços são espessos, abertos, desertos, se os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
E há muito deixaram de circular, aqui
Os comboios de ontem,
Amanhã
E há amanhã fantasmas de aço já sem braços, já sem vento que nos levarão para as planícies de um rio sem dentes, um rio, deserto, fechado, encerrado, sem barcos, sem
Comboios para olhares, sem carros em direcção ao Grafanil, tudo, cessaram as lilases árvores pintadas nas brancas e finas pernas da menina do quintal ao lado, gostava dela, mas às vezes
Era chata, impertinente, embirrante, e eu, eu atirava-lhe com o meu chapelhudo (um boneco com vestidos que eu desenhava, que eu cosia nas solidões da tarde, um boneco que dormia comigo, e durante a noite me levava a passear para junto do mar), e ela, ela indiferente a ele, ela olhava-o, olhava-me, e dizia
Não tenho medo de ti,
Eu tinha, muito, e escondia-me junto ao tronco da mangueira do quintal, ela erguia-se, empoleirava-se sobre os arbustos e nada, nada, nada, nunca me encontrava, e eu
Via-a sobre os carris, sem comboios, desertos, e os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
Não esperes por mim, não, não faças de mim também, deixarás de perceber quando caminhavas, sobre os arbustos, e quase sempre, sempre que nunca me vias, choravas,
Sempre choravas quando não me encontravas, e saberias ao menos que eu também chorava enquanto não te encontrava? E saberias que o chapelhudo vestido apressadamente para andar no bolsinho do teu bibe, ele
Saudades
De mim,
Sabias?
Amanhã, os comboios de ontem, perceberás que hoje não comboios, hoje não andorinhas, e a Primavera está aí, amanhã, de mim, não esperes, não me lês porque tens vergonha das minhas palavras, dos meus azedos lábios, dos meus não beijos, e mesmo assim, subias aos arbustos, espreitavas-me... porque tínhamos veleiros imaginários estacionados entre os nossos quintais, ao centro, separavam-nos
Arbustos,
E montículos de areia com cor de chocolate, e no bolsinho do teu bibe
O teu chapelhudo, vestido, devidamente vestido, penteado, asseado, e o rapaz fazia-se de morto, encostava-se ao tronco da mangueira, e
Quase que nem respirava, e
Quase que nem se via,
E
Quase que terminava a Primavera, começava o Verão..., e ela sem acordar, e ela
Desaparecida,
Para onde me levas? Se os teus braços são espessos, abertos, desertos, se os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
Sim, talvez,
Tínhamos duas rectas de aço, paralelas, longínquas até ao infinito, e chegando lá, abraçadas elas, encontravam-se como se encontravam os amantes nos quartos de pensão, com quatro paredes, feias, frestas, uma janela quase parecendo um ponto de luz ao fundo do túnel, e no final
Amanhã,
No final uma parede de betão manipulada por um velho vestido de negro, amanhã, hoje, ontem, ontem tínhamos coisas, uma cama que rangia, sofria, gemia, uma cama com ar de ranhosa, e lábios beiçudos, amanhã
Não percebo,
Amanhã dizem-me que um hotel com cinco estrelas, duas nuvens e uma lua, ruiu, como as tendas de circo quando a tempestade é muita, quando o meu cão se revolta, e porque não se revoltam eles, porque apenas um rafeiro
Revoltado,
E os outros?
As ruas, os edifícios, as calçadas, os caixotes de lixo, o rio, as pontes e os homens..., porque não se revoltam eles?
E as outras?
Coisas pequenas, silêncios, sussurros de medo, grades invisíveis com vogais de sabão, prisões para os bons, e liberdade para as abelhas
Coitadinhas
Tenham pena delas,
Precisam, querem, desejam
Voar,
Andar
Caminhar..., até que os carris terminem
E
O precipício acordava nas mãos pequeninas da menina do bibe, que subia aos arbustos, que chorava enquanto o chamava, ele
Escondia-se
Como o chapelhudo,
No bolso do bibe dela.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 18 de março de 2013

Gemidos fingidos das janelas de vidro

Imagino-a sentada à minha espera, acendo a luz da despensa, procuro sem precisar qualquer coisa desnecessária, sal, ou açúcar, arroz, talvez polpa de tomate em lata, talvez nada, pretextos, manias, esconderijo onde me sento, esperando que ela
Vou embora,
Volto a apagar a luz, saio da despensa, vou à janela
Batem à porta, imagino-a a voltar, e finjo não estar, como antes o tinha feito,
Da janela, sem a abrir, oiço o desalinho dos automóveis caminhando pela calçada em paralelo que me fazem recordar as noites de embriaguez quando as calçadas voavam conjuntamente com o vento
Ora essa, não acredito!
Verdade, nós cambaleávamos porque os paralelos voavam, saltitavam, e nós, tropeçávamos como tropeçavam as minhocas antes de colocadas no anzol do desgosto, prendíamos grãos de trigo no anzol, e atirávamos-lo para o quinteiro da vizinha, depois, depois era só puxar o fio de pesca e uma galinha acabava de nos sair na rifa,
Acreditas agora?
Vou-me embora, levantar âncoras e baixar velas,
E quando abria a janela subia até nós o intenso cheiro dos resíduos sobrantes da noite passada, aquela onde os paralelos saltitam e cambaleiam, nunca os percebi, nunca os quis perceber, como também não percebo a existência de mim em calções quando me olho no espelho da praia, e eu ando lá, e eu, eu
Não
Andar lá,
Eu morri numa manhã de Sábado, em frente ao Tejo, em Novembro, e enquanto esperava que me transportassem..., perdi-me numa feira de velharias, perdi-me dentro dos livros, dos cachimbos, alguns mais idosos do que eu, e sinceramente, não me recordo de ter passado pela porta da tempestade cinzenta, lembro-me de um velhíssimo chapéu de soldado da ex-URSS, mas da porta
Via os vidros em pedaços, ouvia os estalido dos candeeiros da rua contra os automóveis que circulavam, entre paralelos inquietos, ressacados, de fome nos lábios, senti sobre os ombros as cordas que seguram as roldanas que puxavam as lanças para os guerreiros do Céu, e ouvia-a
Esperava por mim, eu, eu escondia-me dentro da despensa, acendia a luz, fingia procurar coisas, insignificantes, como quando não me apetece falar com ninguém invento buscas à minha biblioteca à procura de livros que ainda não foram editados, de livros que existem apenas dentro da cabeças
Deles e delas,
E eu,
Finjo,
Invento buscas, chamo os bombeiros, dou participação na polícia, digo-o, invento, que desapareceu de casa de seu pai, vestia gabardina negra (de noite) e calças de galga (polidas no tempo), calçava umas sandálias em tiras de couro, e a última vez que o viu
Diz que foi junto aos livros de Luiz Pacheco,
Ou
Não,
Minto,
A última vez que o vi foi junto dos livros de A. Lobo Antunes, foi, tenho a certeza, e desde então, nunca mais
Apareceu,
Nunca mais
Me atormentou,
E nunca mais
Apareceu-me à janela quando a escuridão entra casa dentro como flores tombadas pelas tempestades enceradas com gotas de água e bolas de sabão, lá fora, o cigano com uma máquina esquisita (fogareiro com sujidade) dá à manivela e aos poucos
Mãe
Sim filho
Olha
Pipocas,
E afinal ele ali tão perto, tão perto, perto
Que nunca acreditei que fosse ele, em gemidos fingidos das janelas de vidro.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

Claro que não percebes que há olhares invisíveis

É impossível viver-se assim, não concordas comigo?
(meia dúzia de gargantas contra as lajes do vento, três ou quatro mãos arremessando pedras da calçada na direcção da casa amarela da rua escura que tem uma árvore caquética, com dois ou três bancos de jardim, envelhecidos como o povo, como os barcos, como os pássaros que assistem pacientemente à ditadura do dinheiro, morre-se, matam-se, suicidam-se nuvens não percebendo que o futuro é uma sepultura com pedra mármore em cima, cansamos-nos de ouvir tantos e tantos comentadores, que tudo comentam, que nada percebem daquilo que comentam, hoje a receita é uma, amanhã já é outra, e talvez, depois de amanhã, não sei, apreça um que diga que a solução é o peru recheado com batatinhas doiradas, caseiras, o peru, caseirinho, as delícias da avó Silvina, e hoje),
Percebes o que eu quero dizer-te?
(hoje ofereceram-me catorze ovos, caseiros, e sou levado a concluir que o dia não está a ser assim tão horrível, como eu pensava, ao acordar, depois recebo a notícia que vai ser editado pela Fundação José Saramago um novo livro “A estátua e a pedra” de José Saramago, e confesso, neste momento da minha vida, digo-o e repito-o
estou a cagar-me se a barraca vai ou não vai abaixo, que estou a cagar-me se a tenda frágil deste circo vai ou não vai ruir, porque
hoje deram-me catorze ovos, se comer um por cada jantar, tenho catorze jantares garantidos, mais uma laranjas que a velhinha me ofereceu, poderei dizer que
hoje até que nem foi um dia assim tão horrível, chato, não, não,
é impossível viver-se assim, não concordas comigo?)
Nós aguentamos, nós somos como os plátanos, na minha terra adoptiva existe um plátano com cerca de cento e cinquenta e sete anos
E ele
Aguenta, e ele, e ele tem aguentado tudo, tormentas, tempestades, velórios irrisórios, vestimentas de areia, ditaduras, e omissões marítimas, e ele
Aguenta, sempre, hirto, um pouco obeso, é normal para a idade, mas tirando isso
Aguenta, tudo,
(meia dúzia de gargantas contra as lajes do vento, três ou quatro mãos arremessando pedras da calçada na direcção da casa amarela da rua escura que tem uma árvore caquética, com dois ou três bancos de jardim, envelhecidos como o povo, como os barcos, como os pássaros que assistem pacientemente à ditadura do dinheiro, morre-se, matam-se, suicidam-se nuvens não percebendo que o futuro é uma sepultura com pedra mármore em cima, e dizem que o futuro somos nós
nós, quem?
os esqueletos recheados de fome?
ou
os vampiros da morte, os pedintes novos caminheiros caminhando sobre as rodas circulares das ameixas em flor, hoje foram catorze ovos, e amanhã? E se amanhã não existir amanhã? Porque o peru deixou de ser caseiro, ou
Porque as batatinhas deixaram de ser caseirinhas, e das nuvens, nem água, nem incenso, nem
não
nem as planícies dos triângulos azuis que voam sobre as tardes de neblina, tenho vergonha mãe, dizias-me tu quando calçavas as botas com os dentes de fora, de beiços aguçados, ou
tenho vergonha mãe
quando as calças tinha as joelheiras rotas, e tínhamos o couro que servia como remendo e como adereço,
e),
Não sei, diziam-me que aqui havia uma ilha com rochas que falavam, juro, percorri todas as montanhas e rochas nenhumas, quanto mais falarem, e como precisávamos de conversar, olharmos-nos, os meus olhos nos teus olhos, que confesso e não me leves a mal, nunca soube de que cor são, digo-o, para mim passam a ser encarnados com bolinhas brancas, e hoje
Catorze ovos, caseiros, catorze jantares assegurados, laranjas para sobremesa, música, e que nunca nos faltem as pilhas para o rádio, nunca
Porque sem música
Morríamos, deixávamos de dançar sobre as cristalinas ondas de sono, e tu vinhas a perceber que a noite é uma mentira com cortinados de luar,
(não sei o que faça, não sei se amanhã terei força para me erguer, reerguer, gritar, chorar, e acredita, estou calmo, não estou nervoso e não sinto a falta dos cigarros, mas
hoje
e amanhã?
e
depois de amanhã?
Não sei
talvez cresçam e floresçam as inventadas flores que colocamos sobre a pedra mármore das velhas e novas sepulturas, com janelas, com clarabóias, e enxadas de vidro nas mãos calejadas dos homens vestidos de árvores, com três ou quatro pássaros poisados na cabeça, esse homem, esse desgraçado homem,
é ele
sou eu)
Adormeci um dia sem perceber que as manhãs são mesas de madeira com toalhas de plástico; como está tudo isto?
Uma merda, uma grande merda.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola


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domingo, 17 de março de 2013

O que tem o mar


O que tem o mar que tu não tens
tem seios de oiro e sorrisos de prata
tem abraços e manhãs sem cansaços
tem olhos verdes
e cabelos de vento
tem prazer
dor
tem amor
e tem letras para escrever
o que tem o mar que tu não tens
tem viagens tem barcos tem paixões
escondidas nos lábios do pôr-do-sol,

Tem saudade
e bairros de lata
tem perfume tem rosas tem ciúme
o que tem o mar que tu não tens
tem gemidos tem vogais
e sílabas mórbidas entaladas na madrugada
tem camas salgadas
com lençóis de sémen
tem corações
e pernas de cristal pintadas à mão
tem ondas
espuma e um enorme canção,

O que tem o mar que tu não tens
queres mesmo saber?
tem sombras tem desenhos tem muros em suspensão
tem um papagaio de papel
e um cordel
tem cheiros tem pedras de muitas cores
e tamanhos
tem flores
tem silêncios tem demónios e esqueletos com ossos à deriva
o que tem o mar que tu não tens
tem livros tem poemas tem cinema
e mulheres vestidas a preto e branco,

Tem dança
e asas de voar
tenho pena de este mar
ter tudo o que tu não tens
o que tem o mar que tu não tens?
tem as lágrimas tem o ombro tem o peito
onde encosto a cabeça
ai... que este mar tem tudo mas tudo aquilo que tu não tens
tem submarinos e sepulturas de vidro
tem árvores de fingir
tem loiras cansadas noites de Primavera
e tem... tem doidas palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo

(Domingo)


Temos de terminar isto, fiz-te sofrer durante duzentas, trezentas... não mais de quatrocentas páginas, mas hoje, juro, hoje vou matar-te, deixar-te em pedaços, destruir este e os outros pedaços de papel para que nada, absolutamente nada sobre de ti,
Chamei-te Zizi,
Como podia apelidar-te de Maria, Teresa ou Marilú, e quando penso em ti
Marilú,
Recordas-me o incenso em brasa e o cheiro a mar quando ele vive a mais de duzentos quilómetros de mim, recordas-me as caves misturadas na noite, recordas-me a literatura travestida de orvalho abraçado a um cais de embarque, cortaram-te as correntes que te prendiam à terra achatada e agora navegas desesperadamente como o vento sem rumo, como as pessoas de mim
Sobre as árvores à espera que regresse a segunda-feira, hoje serás o último dos textos, quer queiras quer não, porque me cansei de ti, das tuas mãos e das tuas tristes palavras, também me cansei dos teus lábios, da tua boca
Zizi: - Odeio-te quando não fazes amor comigo, odeio-te quando te finges de espelho e estaticamente pareces um fio suspenso por um fio de nylon,
E tu sabias que era essa a minha vida, ou não?
Mas hoje morrerás, hoje deixarás de ser texto, palavras, imagens a preto e branco, hoje, Domingo,
Fato, cansado
De ti
Do cheiro do papel e dos livros,
Das tintas,
E das histórias,
Pareço, pareço um vagabundo numa paragem de eléctrico, vestido de negro, confundo-me com a chegada da noite, mas fico com a sensação que vão cair gotinhas de água com perfume de incertezas, dores musculares, e uma estrutura óssea quase em ruínas, doem-me os pilares, doem-me as vigas, doem-me os alicerces inventados por um engenheiro desgovernado, escrevia palavras nas coxas de Zizi, e levava-a a passear, quando
O Tejo já dormia e quase nem se via com as luzes reflectidas nos olhos da madrugada, chegavas tardíssimo a casa, chamavas por mim, eu dormia, outras
Fingia dormir,
Tínhamos sobre as almofadas de linho os quatro cubos de areia com cinco esferas de aço, tínhamos três janelas sem vidros, sem esquadria, apenas o buraco com imagens de
Matar-te-ei com com uma caneta de tinta permanente, e imagino-te a derramares-te pelas folhas do caderno como um pente nas faces do xisto antes de acariciado pelas mãos de um feliz travesti
Marilú,
Com imagens de manhãs brancas e noites cinzentas, como fotografias penduradas num cordel, e de mangueira a mangueira, olhavas-me
Olhava-te na vida de silêncio que inventaste para mim, e sobre mim, e depois de mim, e
Matar-te-ei hoje,
E deixarei de escrever-te, morrerás ao som de “The Enlightement” The Ratazanas, e depois fazer-te-ei descer as íngremes escadas da melancolia, até que desaparecerás nas ondas híbridas do oceano em cio, e eu queria tanto abraçar-te, e eu queria tanto beijar-te
Antes de poisar a caneta e escrever sobre a noite
FIM,
E não sabias que um barco vinha buscar-me aos cais dos acorrentados, e nunca soubeste que uma gaivota vinha a mim, como vieram todos os soluços das manhãs quando acordava e do outro lado do espelho
Apenas
Do outro lado do espelho um vazio chamado círculo, com olhos verdes, com pernas e braços e coxas e púbis, um círculo trigonométrico encaixado no crucifixo que a parede segurava com as mãos da insónia, e dizias-me
Odeio-te quando não fazes amor contigo...
Zizi?
Sim, amor
Não percebes que é propositadamente
O quê amor?
Que eu
Tu o quê amor?
Quero que me odeies...
Como se odeiam os poemas ainda não escritos dentro da minha cabeça de abobora, lembras-te do homem com cabeça de abobora? Talvez um dia, quando leres estas palavras, percebas
Quero que me odeies...
Que das minhas pobres palavras nunca vão nascer coisas para encantar os espelhos, as ruas, as ruelas e tristes casas de pasto, sobre uma pobre mesa de madeira vestida com uma pobre toalha de plástico, um copo e uma garrafa de vodka, tu preferias vinho, tinto, a empregada, já de idade avançada tinha acabado de deixar uma travessa com peixe frito, pão, azeitonas, dispensamos tudo, excepto as bebidas, não tínhamos fome, mas comíamos palavras
E sussurravas-me baixinho
Amor,
Sim Zizi,
Odeio-te quando não fazes amor comigo,
(e não percebias que era propositadamente).


(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha