sábado, 19 de janeiro de 2013

Pedra triangular


Para si sou apenas uma invisível árvore de papel
sentada numa pedra triangular
para si sou apenas uma sombra
uma alma penada
uma voz a agonizar
para si sou um barquinho à deriva no mar
com sílabas de espuma
e pálpebras de prata
não sabendo que do amor
vem a claridade das plumas cintilações dos seus abraços clandestinos
para si eu desfaleço como as palavras de ontem
quando o vento entrou no seu peito de acácias e levou o que me pertencia,

Para si sou apenas um corpo em agonia
uma flor cansada
que a madrugada cuspiu contra as amaldiçoadas manhãs de inferno
porque você está ausente
ou
porque
para si sou um pedinte um fantasma um palhaço de circo
embrulhado nas palavras ricas
escritas
pelos palhaços empobrecidos
desamados
todos os dias começados por coxas recheadas em versos complexos,

A cidade que é a sua cidade
dos seus lábios de onde eu oiço os gemidos de gelo
que a noite semeia nas clarabóias palavras que o mar afoga
para si eu não sei o que possa ser
não sou uma árvore porque você detesta as árvores
não sou um pássaro porque você odeia os coitados dos pássaros
pergunto-lhe – O que sou eu para si senhora minha amada?
Talvez um relógio a pilhas
nos braços de uma extinta voz que a sua cidade escondeu
Talvez um buraco nego em soluços depois de comer um hipercubo
pergunto-lhe - O que sou eu para si senhora minha amada?
(fios
fios de música entrelaçados nas janelas do abismo)
indesejadamente eu pertencendo à sua lista do desprezo monótono das suas noites a preto e branco.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Os poemas tristes dos poetas tristes que amam tristemente mulheres invisíveis

Melódica a cor das tuas mãos, poética, poética do silêncio das tuas palavras, e hoje, tudo parece arder na fogueira da vida, invento-te, hoje, invento-te a partir da poeira insónia da noite passada, invento-te da música que escorre pelos vidros das janelas e aqui e ali, acolá, um rosto de porcelana acorda das lilases bocas que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco,
Vêm dos poisados cansados versos do teu amor os primeiros desejos que a noite esconde dentro de um cinzeiro de vidro, o falso vidro, a falsa palavra, o falso amor, do beijo, falsificados todos os beijos que o poeta lança sobre a terra agreste dos corpos húmidos sobre as arestas finíssimas que as ranhuras de um coração de diamante traça na espuma do mar depois dos sexos se cruzarem nos infinitos carris paralelos até que a morte os separe, os falsos lemes das enguias e dos patos bravos, as falsas velas agarrando os mastros em verdejantes carícias que um cego lança contra os rochedos e pacientemente aguarda a passagem do vermelho a verde para atravessar a passadeira sombria das mágoas despenhadas entre os candeeiros a petróleo e as nuvens de seda morta, as palavras, as falsas palavras que oiço da tua boca
Que a chuva deixa ficar sobre os telhados de zinco,
Dizias-me que amanhã entrariam de mãos dadas, a esperança e o acreditar, e os “cabrões” nunca chegaram, e os “filhos da puta” ignoraram-me, ausentaram-se, fugiram, escondem-se tomara eu saber onde, que a chuva
Palavras que oiço da tua alegre boca que eu desenhei nas madrugadas enquanto dormias sem perceberes que nas minhas mãos de cor melódica ardiam cigarros velozmente como os carros de corrida numa pista de brincar construída por uma criança, retirava todos os objectos que viviam na mesa da sala de jantar, de troço em troço, as curvaturas, as rectas, todo o circuito ia tomando forma tal como as árvores à medida que vão crescendo, colocava as pilhas numa caixinha de plástico, e ligava o interruptor, os carros a principio pareciam ter sono, mas aos poucos rodopiavam em voltas de caracol até parecerem adultos à procura de clientes nos jardins de Belém
Vai uma voltinha “filho”?
(   )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Indomáveis dos desejos escondidos

Nunca percebi o que eles queriam, mas nunca mais a nossa vida pacata foi a mesma, nunca mais tivemos noites com estrelas, e nunca mais vimos a lua
Com olhos de papel e boca de jasmim quando os últimos pedaços de tarde sobem a calçada e da Calçada galgam os muros vestidos de amarelo, pareciam moscardos complexos nas mãos de homens apaixonados, eles e eles, e elas e elas com eles,
E nunca mais vimos a lua transparente nas paredes indomáveis dos desejos escondidos
O que quero ser quando for grande?
Gostava de ser uma abelha sem colmeia, ou, ou uma roda dentada sem veios de aço ou correias transmissíveis, livre, voando como as nuvens quando o vento as leva para lá da janela do sótão e das traseiras do velhíssimo edifício de arame as escadas que levitam como os corpos das almas depois de despregadas dos telhados de vidro, às vezes, gostava
Dos desejos escondidos nas flores de areia que tu guardavas nas algibeiras de tecido aos quadradinhos como as grades das prisões, ou como as calças de um pescador quando saboreia docemente o seu cachimbo de algodão, e outras vezes
Gostava
Que as árvores carrancudas, sisudas, e de poucas falas, brincassem comigo, conversassem comigo, e no entanto, abraço-me a elas, e elas
E outras vezes, gostava, que o jantar fosse uma pintura numa tela com muitos beijos de acrílico e bocas de pastel e lábios de chocolate pincelados ao de leve com o bâton vendido pelo cigano da rua do Alecrim Doirado, gostava, e elas acreditavam que do céu vinham as notas de vinte euros que eu lhes dava (   )

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Um seixo de aço com faces gretadas

Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, havia lagartas nas tuas mãos, havia pétalas de ciúme que desciam da boca da lua, havia um circo pobre onde estava sentada uma menina sem cabeça, havia, uma boneca no chão ao lado da menina sem cabeça, e a boneca falava, e a boneca sorria, e a boneca
Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata para os fumadores, havia cadeiras de espuma com clarabóias de vidro para os poetas e para os amantes dos poetas, aos tropeções, havia palavras no centro do palco de mão dada com os tigres e com os leões, imaginava-me na selva Africana, e ao longe sentia os gemidos dos mabecos quando a noite se despedia das sanzalas e entrava pelo corredor do prédio da rua das Naus, sexto andar, sem elevador, ofegante tu, quando me abraçavas e eu dormia nos teus abraços,
Entranhavas-te em mim como se fosses um seixo de aço com faces gretadas, dormias nos meus abraços enquanto lá fora brincavam as amoreiras de luz com as sombras amarguradas dos pinheiros doentes, achava-te magro ao ponto de me perguntar até quando
E respondias-me que enquanto deus quiser,
E se deus não quiser, e se deus definitivamente desistir dos telegramas que te mantêm em pé como os cristais da mesa da sala antes de os levarem para a derradeira penhora, se eu pudesse, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas meia dúzia de ossos sem cabeça, e eu via a cidade engordar com os sobejos de luz que os dias deixavam esvoaçar das asas de papel das gaivotas embriagadas, se eu pudesse penhorava-te, porque és apenas uma mão recheada de pedras que um miúdo aproveita para partir os vidros da velha escola com olhar para os plátanos de algodão, e respondias-me que
Aos tropeções nas cordas que amarravam o tecto do circo ao cais de embarque, havia cadeiras de espuma com cinzeiros de prata,
Os abraços onde eu dormia não sentindo os sons tropeços dos rolamentos constipados pelas correntes de ar que atravessavam a montanha e escondiam-se nas traseiras da avenida vinte e cinco de Abril, todas as cidades, aldeias, todas as vilas
Um avenida vinte e cinco de Abril,
A ponte em círculos ao lado da menina sem cabeça onde dormia uma boneca com mãos de vidro e lábios de estrelas e flores imaginadas por um poeta enquanto olha o espelho da morte, e do outro lado, do outro lado estão as lágrimas da saudade, em Abril, de Janeiro até hoje, amanhã levantará amarras o pequeno circo pobre, levará a menina e a boneca, e a ponte (   )

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Histórias de açúcar

(    )

Nuas não verdadeiras doce tua vida de cidade sem rio, não verdadeiras, todas as falsas janelas com vidros de linho, falsas portas em falsa madeira das árvores que tombaram com o sono e o vento deixava-as como serpentinas de aço enroladas em arbustos com vista para o rio, havia lua, encharcadas de melodias e palavras poeticamente afáveis, belas, nuas
Nas horas de sentido único de uma rua sem saída, ao fundo, um edifício de chocolate com braços de prata, e nos olhos, pequenas pérolas em drageias para combater a insónia, tua
Doce tua,
Inventava-te histórias
Não verdadeiras,
Histórias de crianças que nasceram em Luanda, histórias de crianças que brincavam em Luanda com papagaios de papel e nas sombras ínfimas das mangueiras escondia a solidão do silêncio, inventava-te histórias, inventava-te laranjas com sumo de tomate, inventava-te o amor, e todas as palavras escritas nos muros da paixão
(e confesso que detesto conversar e inventar histórias sobre crianças que nasceram em Luanda, recordo-me das ruas, do mar, dos machimbombos, recordo-me do todos os cheiros, e das cores que a terra húmida construía nos corpos de veludo, e confesso, que detesto)
Os muros da paixão, as mãos dos muros da paixão
(e confesso)
Que detesto os lábios, a boca, os olhos
(e confesso)
Que todas as histórias que te inventei não verdadeiras, falsas, que detesto
(e confesso)
Que a primeira vez que vi socalcos, chorei, como choravam as meninas das minhas histórias de açúcar quando um fino tímido fio de chuva descia e descia, descia os socalcos e entranhava-se no Douro, e chorei
(e confesso)
A primeira vez que vi socalcos.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


blogue Cachimbo de Água em destaque


(Do outro lado do muro)
blogue Cachimbo de Água em destaque
Sapo Angola

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Do outro lado do muro

Vivíamos encostados aos muros do medo, e não sabíamos que do outro lado do muro crescia livremente o sol, e não sabíamos que do outro lado do muro brincava livremente a lua, e não sabíamos que do outro lado do muro havia nuvens de todas as cores, do outro lado do muro, não sabíamos
Que vivíamos como serpentes envenenadas pelas enxadas silenciosas das tardes de xisto, quando, que nunca soubemos que do outro lado do muro havia livros com palavras, que nunca soubemos que do outro lado do muro havia triciclos enferrujados com assentos de madeira apodrecida pelas chuvas que amansavam o rancor raivoso do capim livremente do
Outro lado do muro,
Faltava-nos a comida líquida, sólida ou gasosa, faltavam-nos os alicerces que não deixavam cair os edifícios que do outro lado do muro chegavam ao céu, e os pássaros determinados na coragem esquecida no terminal ferroviário ocupavam apenas os andares próximos do chão, pavimento encardido pela saliva dos habitantes com cabeça de serpente e espírito de dobradiça complicada, as portas de acesso pesadíssimas até dizer chega, ouvíamos as plataformas petrolíferas que meia dúzia de gajos inventaram fazendo-nos acreditar que tínhamos petróleo, e petróleo nenhum
Fome,
Raramente havia sol e os nossos corpos pareciam fachadas em ruínas, brancas, mortas, lilases às vezes, muita
Fome,
Raramente vivíamos, deixamos de viver, deixamos de comer, deixamos de dormir, deixamos de amar, deixamos
Outro lado do muro
Fome,
Deixamos de perceber quando era dia, deixamos de perceber quando era noite, deixamos de perceber que dentro da nossa carne existiam duzentos e seis ossos a que não sei a razão, porque nunca percebi, chamavam de
Esqueleto,
E perguntava-me,
E perguntava-lhes,
A fome sabes o que é, o que são esqueletos, o que são árvores, o que são pedras, flores sabes dizer-me o que é uma flor? Define-me o que é o amor
Um rio que corre em direcção à fome,
Outro lado do muro,
Ama-se, vive-se, chora-se de alegria, e grita-se de tristeza, do outro lado do muro sabem o que é o amor, do outro lado do muro sabem explicar-me porque voam os pássaros, ou
Porque amam as mulheres, os homens, os homens e as mulheres, as mulheres, e todas as nuvens de todas as cores, esqueleto,
E perguntava-me,
E perguntava-lhes,
“Vivíamos encostados aos muros do medo, e não sabíamos que do outro lado do muro crescia livremente o sol, e não sabíamos que do outro lado do muro brincava livremente a lua, e não sabíamos que do outro lado do muro havia nuvens de todas as cores, do outro lado do muro, não sabíamos”, e perguntava-lhes
Hoje, hoje vi uma luz cinzenta com um pontinho encarnado, sabes o que é?
Do outro lado do muro
É a paixão disfarçada de lanterna (   )

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Eu só

(   )
Não tínhamos água e só, eu só, e só da velha Gricha jorrava a glicerina fresca com o diabo no rabo ao ditado corrigido pela senhora professora com a bata branca e a menina dos três olhinhos poisada na secretária, olhava-nos, sorria-nos, gostava de nós a gaja
Também eu,
Também eu gostava da gaja que subia a calçada de madrugada, e juro, não era senhora casada nem a menina dos três olhinhos, mas tinha um corpo esculpido num pedaço de granito que eu tentei copiar e desenhar na parede da sala, não, na parede do quarto, não, na parede da cozinha, não
Só tínhamos um compartimento amplo, enorme, com bolinhas coloridos ao bolor que descaiam do tecto como se fossem dois mamilos acabados de nascer, e balões, e serpentinas, e perguntavam-me
Vivem num circo? Respondia-lhes que não, Não vivo num circo, mas a nossa vida é um espectáculo colorido, tínhamos uma casa com muitas janelas e poucos vidros, tínhamos uma sanita velhíssima que quase sempre estava com gripe e tínhamos que a levar às urgências do hospital, no tempo que ainda havia
Hospital?
Urgências nocturnas? E eu achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos que passava à janela a contabilizar os automóveis friorentos que desciam a calçada de luz dos candeeiros enferrujados que iluminavam os vultos esquisitos, os vultos de pedra cinzenta, no tempo que ainda havia
Gajas vestidas de sanita, sentava-me e adormecia, e sonhava com papagaios de papel,
As gélidas escadas de sal dormiam abraçadas aos suspiros da fonte da Gricha e eu achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos, nem clarabóias, nem chaminés com acesso ao céu, passava horas à janela, desenhava dentro da cabeça imagens a preto e branco que só as fotografias sabiam explicar, que só só da velha Gricha jorrava a glicerina fresca com o diabo no rabo ao ditado corrigido pela senhora professora com a bata branca e a menina dos três olhinhos poisada na secretária, olhava-nos, sorria-nos, gostava de nós a gaja, que muitas vezes me aqueceram as mãos de água-fresca como pasteis de feijão ou natas com sabor a Sábados à tarde, como eu
Nunca percebi as mulheres suspensas nos calendários do barbeiro,
Como eu
Nunca percebi as mulheres suspensas nos calendários do sapateiro,
Como eu
Nunca percebi as gélidas escadas de sal que dormiam abraçadas aos suspiros da fonte da Gricha e achava normal não existirem pássaros durante os sonos nocturnos quando se esqueciam de mim à janela a contabilizar os automóveis friorentos que desciam a calçada de luz dos candeeiros enferrujados que iluminavam os vultos esquisitos, os vultos de pedra, simples moças a entrarem em casa de madrugada, congelados os tentáculos de cobre que reluziam e brilhavam debaixo das estrelas de cetim, a nossa casa não tinha vidros, alguns estavam vivos, outros, outros já tinham partido para outros destinos, e a porta de entrada ficava encerrada durante a noite apenas com um cordel que pela parte de dentro era unido por dois pregos, também eles, velhos
Eu só
Eu acreditava que as meninas dos calendários do barbeiro, eu
Eu só
Eu acreditava que as meninas dos calendários do sapateiro, eu
Acreditava
Que eram anjos que voavam dentro dos cubos de madeira que as tempestades de areia, depois de cair a tarde sobre nós, deixavam cair como se fosse abelhas quando procuram o pólen nas flores loucas, nas flores íngreme, ou nas gajas nocturnas com braços de plástico, acreditava
Nos anjos da fonte da Gricha
Eu só.


(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
14/01/2013

domingo, 13 de janeiro de 2013

Solstício da paixão


O sol só
guerreiro da paixão
dentro de quatro paredes em sofrimento
o sol só
só à espera das delícias de um coração
que traz o vento


o vai e vem das coisas amargas
tuas sílabas em imagens parvas


o sol
e a lua
nua

só entre quatro paredes de aço inoxidável
o destino meu
meu querido menino
sem as luzes das estrelas do céu
como um ferrugento barco saudável
afável
nas palavras e nas nádegas mergulhadas em sal e versos cansados
gemem os corpos amados
o sol e o vai e vem das coisas amargas
tuas sílabas em imagens parvas
nua a lua tua


o sol
e a lua
nua

o sol só
em pedaços de xisto com manteiga e mel
eu e o desgraçado papel
onde escrevo palavras
amargas
que saboreio em ré e em dó...

sol

o vai e vem das coisas amargas
tuas sílabas em imagens parvas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
(  )
Porque só tenho duas...
Subiam, desciam, e vias-me
E vias-me partir de barco debaixo do braço, chapéu na cabeça, e com as sandálias na outra mão por causa da areia, não a reia dos teus lábios, mas a areia fina e fútil da praia, pousava as sandálias, despia-me e colocava a roupa sobre elas, estava nu, e quando tinha o barco em posição para a partida, entrava, sentava-me, sorria ao olhar os restos mortais que tinham sobejado de mim
As sandálias, os calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados
Dos satélites vestidos de mulher às voltas de um planeta a que toda a gente apelidava de árvore fantasma, esqueleto vagabundo, sentinela sonâmbulo das noite embriagadas com óleo vegetal e sardinhas de conserva, Vou-me a ela
Coitadinho dos coitados plásticos da marmita onde os restos de comida serviam para alimentar um regimento inteiro, muitos, entre a Calçada e os Jardins junto ao rio, os automóveis estacionavam-se e abriam-se as portas de porcelana das bonecas das meninas
Vou-me a ela
A quem o colhe, nem mais, tenho pena das tuas sílabas suspensas nos teus lábios de areia branca, tenho pena das malditas luzes e das rodas-dentas esquecidas na mesinha-de-cabeceira, e à tardinha, dizia-te simplesmente que as meninas eram falsas, nunca existiram, e tal como as bonecas de porcelana e os automóveis de cerâmica, e tal como as meninas e os meninos da Calçada
Vou-me
Adormeciam como os fósforos cansados dos finais de tarde, quando entravas em casa de barco debaixo do braço e dizias-me
Olá amor, regressei,
E eu sabia que tu não regressavas, e eu sabia que continuavas em alto mar à procuras das coisas impossíveis,
Olá amor, regressei,
Atiravas os chinelos para debaixo do sofá, poisavas o barco em cima da mesinha da sala de visitas, despias a camisola e os calções, e mergulhavas nos lençóis de seda da nossa montanha de Primaveras nocturnas que o mar desenhava nas estrelas dos meus seios de papel mata-borrão, e eu via a caneta de tinta permanente em lágrimas azul-cansado que nas moribundas nuvens espetavam no peito nu da melancolia noite,
Olá amor, regressei
Às sandálias, aos calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados
Amor
Olá regressei,
E eu sabia que tu não regressavas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó