sábado, 12 de janeiro de 2013

Os homens sonoros, que de casa em casa, que, que de jardim em jardim, arbitrariamente prendiam as inocentes palavras que um louco com asas de vidro e olheiras gelatinosas, escrevia nas paredes transparentes dos pilares de areia, morreram, desapareceram nas veias lilases das pétalas em flor, morreram, evadiram-se com éguas em cio correndo sobre o verdejante pasto, húmido, sombrio, os homens, sonoros, que de casa a casa, porta a porta, impingiam rádios a pilhas, lanternas pornográficas, revistas com gajas nuas, que ele vendia num quiosque junto à rotunda das margaridas (flor) envenenadas pelo tesão da chuva esfomeada
Comprávamos três revistas, religiosamente encerradas dentro de um saco plástico, por vinte e cinco escudos,
Da chuva esfomeada vêm-se as estrelas de prata que cobrem o tecto da aldeia com sabor a laranja de S. Mamede de Ribatua, laranja saborosa, conhecida mundialmente, bonita, a moça, da chuva
Dávamos-lhe os vinte e cinco escudos com direitos adquiridos, uma voltinha às revistas, e posteriormente
Revendidas separadamente, aprendi que comprando um maço de cigarros e vender os cigarros a avulso podia ganhar alguns escudos, não muitos, alguns, economia paralela, entre os carris do comboio com destino a Santa Apolónia, e derretiam-se os corações de açúcar quando olhávamos o Tejo vestido de pérola-mármore à porta do Texas em Cais do Sodré,
Até,
Até que...
(   )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


Invenções do corpo sonolento

As tuas mãos percorriam milimetricamente os espelhos de invenções do corpo sonolento que alguém tinha deixado sobre a cama com os lençóis de espuma que o mar vomita quando bate nos rochedos da saudade, inventavas o amor desértico onde brincavam os dromedários objectos voadores sobre as planícies das tuas coxas ensanguentadas devido ao excesso de palavras, de vogais, de sílabas, e as frases escorriam pelo canto da boca, um líquido esbranquiçado derretia-se na penumbra nuvem de açúcar, roçavas-te nos poste de chocolate com pontinhos de néon, e começam as construções dos corações de neve, tínhamos
Música encaixotada nos papelões cinzentos distraiam as ovelhas e as cabras que solitariamente arrebanhavam a erva das calçadas de vidro, janelas se abriam, janelas se fechavam, e janelas partiam em direcção aos loucos pasteis de nata que a cidade desenha em cada pastelaria visitada, um palerma, lá fora, enquanto chove docemente, apita, aos berros, um automóvel esfomeado, velho, cansado, talvez sem seguro ou inspecção médica, e os corações de neve
Incham, quando batem à porta e do outro lado aparece o cobrador de fraque, muito bem vestido, muito bem alimentado, palhaço, que o circo da aldeia estacionou na paragem do autocarro da carreira, sentia-se agoniado, sentia-se
Farto, dos vidros falsificados, farto dos pasteis de anta invisíveis e que apenas serviam para enganar o desgraçado estômago de xisto, e as pessoas
Suicidavam-se estupidamente contra os eléctricos,
Havia gajas com saia de chita e luvas de cetim, havia marinheiros poisados em cada patamar da escada de acesso ao navio dos corações de neve, havia gajas, havia gajas suspensas no tecto do circo da aldeia, o mesmo que tinha abandonado o cobrador de fraque, idiota com brilhantina no cabelo de piaçaba,
Havia gajas inconstitucionais, com reformas de duzentos e setenta e quatro euros, havia gajas inconstitucionais com reformas de trezentos e setenta e nove euros, havia gajas
De fraque, e brilhantina no cabelo de piaçaba, que os urinóis das despensas dos prédios clandestinos jorravam contra as faces cruzadas de um cubo de cerâmica dentada, as maçãs, e os pêssegos, e as laranjas, todas, todos
Havia gajas desesperadas, com o passe caducado, nas paragens dos eléctricos, e o vento nocturno quase sempre trazia um colar de pérolas, e a saia e o lenço, e as mãos
As tuas mãos percorriam milimetricamente os espelhos de invenções do corpo sonolento que alguém tinha deixado sobre a cama com os lençóis de espuma que o mar vomita quando bate nos rochedos da saudade, inventavas o amor desértico onde brincavam os dromedários objectos voadores sobre as planícies das tuas coxas ensanguentadas devido ao excesso de palavras,
Da morte
As vogais, de sílabas, e as frases escorriam pelo canto da boca, um líquido esbranquiçado derretia-se na penumbra nuvem de açúcar, roçavas-te nos poste de chocolate com pontinhos de néon, e começam as construções dos corações de neve.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

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(Acorrentado à saudade)

Sapo Angola

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Os motores com cavalos cinzentos

Percebia-se pelas pálpebras dele, azuis com sabor a pedacinhos de inocência, que a chuva trazia na algibeira a digestão fictícia dos carrinhos de choque que da infância deixaram estacionados junto ao berço de madeira prensada, calculava pelo peso da noite que não eram mais do que três magras horas da madrugada, chorava, não dormia, e sentia-se que dentro dele viviam parafusos de aço com defeito de fabrico, a garantia tinha cessado, as torres tinham acabado de cair entre os imensos plátanos virgens e os outros, quaisquer, barcos envelhecidos, doidos varridos, deitados sobre as tábuas da ignorância, dele, e eras uma criança. doida às vezes, dócil também, poucas, nenhumas, quaisquer
Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra, e quando lhe perguntavam
Gostas de cá andar, e ele com rosto de incenso respondia quase sempre Às vezes, depende, e nunca percebi o que queria ele dizer com Às vezes, depende
Acordava o dia, retiravam-lhe a fralda de pano encharcada numa espessa massa amarelada intensamente com um cheiro horrível, indesejado, que aos poucos ia ocupando cada milímetro quadrado da casa de Lisboa, um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo, ouvia-se o rosnar da fera amansada criança deitada no sofá à espera que lhe trocassem a fralda de pano por outra fralda de pano, limpa, lavada, e o motor aos tropeções avançava mar adentro até desaparecer nas velhas cristas das ondas de espuma que os cigarros embebidos em cerveja emagreciam como tremoços numa esplanada de Belém, sexta-feira, e nada de novo, foi-se e não regressou mais
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
Chegava ao balcão e pedia incessante e audaz ao empregado “Destroque-me” esta nota para tirar cigarros, e ela
Não se diz “Destroque-me”, tá ver Francisco, isso não existe, correctamente é Troque-me esta nota para tirar cigarros, e eu acreditava mesmo que os ossos de pano que às vezes me embrulhavam tinham saído de validade há tempo suficiente, só podia, não encontrava outra explicação para o tão grande aglomerado de homens e mulheres à porta de minha casa, gritando
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
Um enfadado rés-do-chão meio podre, meio enraizado no Outono pássaros de luz que vinham do outro lado do rio, entravam em casa, sentavam-se na mesa da cozinha, e da janela, da janela vinha-nos o medo das coisas como as simples flores encarnadas com lacinhos de cetim que eu nunca soube como se chamavam e tu, quando eu chegava a casa, simplesmente deitavas no caixote do lixo e dizias em voz alta para que eu ouvisse e não esquecesse nunca
Não quero mais esta porcaria, odeio flores encarnadas com lacinhos de cetim,
E eu,
E ela,
Olhavam-me depois de trocarem-me a fralda de pano, abria a boca e sorria, sorria quando sabia que da janela vinham as imagens tricolores com pequenos fios de prata, sorria porque tinha acabado de beber o saborosíssimo e inconfundível leite materno, sorria porque
Vivia-se no fio metálico da navalha e ele tinha medo dos cobertores com remendos de chapa que a mãe, mecânica, tinha feito para que pudessem dormir e nada deles saísse durante a noite, atravessasse os buracos do velho tecido, e pelos partidos vidros das janelas fossem aterrar no paralelepípedo da rua com costas de geada, os braços murchavam, e derretiam-se como a manteiga sólida que o inverno pintava como se fossem pedaços de pedra,
Às tuas, Às minhas, Às nossas,
E não regressou mais,
(Tanta coisa para dizer que cheirava a “merda”)
E da janela sentiam-se os motores com cavalos cinzentos em lábios de fumo.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Acorrentado à saudade

(  )
E quase nunca ouvias as locomotivas da fome poisarem em Campanhã, e quase nunca utilizavas as pedras húmidas que transportavas na mochila, pedia-te urgentemente e respondias-me
Não, hoje não posso, talvez amanhã, não sei, sei, que a vaidade destrói os humanos, porque as árvores não são vaidosas? Não o sei, sinceramente, não o sei, talvez regressem as locomotivas a Campanhã e os socalcos ao meu imaginário, as bifanas da tia Alice, a cerveja meia choca, como ela, coitada, com idade para estar à lareira, e no entanto
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Quase sempre ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha
E as locomotivas esperavam pelo regresso das bifanas, e coitada da Tia Alice
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Engraçado queimar-mo,
Ouvir a prova oral ainda é o que nos mantém vivos cá em casa, em falta de sopa ouvimos o Alvim e a Xana, em falta de sopa ouvimos os poemas de AL Berto na Casa Fernando Pessoa, ou
Engraçado queimar-mo,
Em falta de sopa ouvimos o projecto Wordsong (AL Berto), e
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
E sentimos-nos perfeitamente bem, e de boa saúde, até que vêm as locomotivas de Campanhã e trazem com elas os socalcos do Douro, trazem o rio, trazem as enxadas com sombras de reumático e fome concentrada em pequenas latas de duzentos gramas de neblina Conceição, Tia Alice, tia Alice
Que só queria reforma-se aos quarenta e sete anos, fá-los dia vinte e três de Janeiro, mas as bifanas e a cerveja choca, e a chuva do tamanho de uma flor, e às vezes fugiam sem pagar,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Dizias-me que para 2013 desejavas reformares-te aos quarenta e sete anos que fazias a vinte e três de Janeiro, e ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha
Torturada pela escravidão da puta da vida.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O xisto poema


Tínhamos nas mãos dois doces pedacinhos de poesia
migalharias suaves ao mestre dos livros emagrecidos
vadios pássaros teus olhos planetários
tínhamos nas veias
o incenso clandestino de uma abelha
em mel banho-Maria,

Tínhamos o sonho
e a saudade
tínhamos os rolamento com esferas de aço
quando brincávamos nos finais de tarde,

Tínhamos o amor sensível à luz das palavras silvestres
como faziam as flores
sobre a cama relvada do silêncio jardim
tínhamos as vertigens dos mamilos desgovernados
debaixo da água do rio
ao longe brincávamos
e eu disfarçava-me de socalco
e tu
de xisto poema
tínhamos uma ardósia onde escrevíamos
os segredos minguados dos teus lábios siderais
e eu,

Tínhamos corpos de cigarros deitados nas nossas mãos de linho
estava vento
éramos a noite que um isqueiro de prata incendiava
nas planícies ágeis dos anéis de aço
e inventávamos o desejo
como quem escreve na areia antes de regressar o mar
tínhamos corpos de sémen nas algibeiras da sentinela morte
que o teu suicídio lavou em águas profundas,

Tínhamos o sorriso de um louco
que transversalmente dormia nas iscas de fígado
e na sopa de feijão
da cerveja
havia vodka que silenciava as amêndoas de luz
e tínhamos no peito
árvores cansadas de respirar
que o sabor da insónia nos roubou...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
(   )
Fumavam-se com os poemas dele, vivíamos dançando nas esplanadas dois coirões sem destino algum, parecíamos vagabundos desnorteados pela fragrância amargurada de uma mala preta, de cartão, em cio, todos os homens com arames
Às sete horas em ponto,
Foram-se
A ela,
Em Janeiro quando o AL Berto sentia o mar a entra-lhe pela janela, e hoje
Sem papel não sou corno, resmunga o amigo Nacib perdoando a Gabriela
Moço Bonitooo,
Com arames de aço disfarçados de abelhas com malas pretas, e sobre a cabeça
A eterna estupidez,
Melancólica dos gemidos em flores de papel cansadas, dos gemidos em flores de papel completamente fodidas pela vaidade que a argila de incenso rompe pelas entranhas das claras meigas folhas de mangueira quando caiam e sobre o velho triciclo
A ela,
Em Janeiro,
O verão sorria-me e deitava-se sobre mim, em voos frigoríficos das mangas chapinhando na língua da ave mestra, vaidosa, burra
A ela,
Quando caiam as perdizes sobre as coxas de uma triste mala preta, velha, com as coxas desventradas, como eu quando acordei e olhei-te pela primeira vez, no meu colo, parecias-me uma amêndoa, feia, ranhosa, burra
Eu
A ela,
“Roça-se na morte como os sonâmbulos desejos que a noite da cidade atravessa quando caiem as estrelas nas mãos dos sonhos indeferidos, coitadinha, foram-se as torradas, foram-se as lanternas da claridade nocturna, coitadinha, foram-se”
A ela e comeram-na como se comiam as sandálias de couro e os calções com listras em Luanda, e descia a noite, e descia, e vinha-se
Entre os parêntesis das palavras proibidas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Dos dias supérfluos mergulhados na fome orgânica vêm as palavras azedas fel que depois de acordar a manhã morrem contra os rochedos de espuma desenhados pelas mãos de uma mulher imaginada por um cego, húmidas flores palpáveis que os lábios do sonho deixam ficar dentro dos lençóis de maré em cada final do dia, acorda a noite, e despede-se o louco da razão misturando as drageias nas palavras sem sentido, escritas nas paredes vadias de uma casa de banho pública, o urinol agarrado à parede invisível que o homem pequeno transporta nas algibeiras juntamente com os cigarros, os beijos e todos os desejos,
Desaparecem,
Morrem,
Fingem-se cansados depois de um fluido misturar-se com o olhar do vizinho do lado saboreando mentalmente o pénis alheio, o cego, sentia-o como se sentem as picadas no peito quando o verdadeiro amor tomba no pavimento de areia de um quarto de pensão, quinto andar, águas-furtadas, e lá fora, todas as abelhas
Desaparecem,
Morrem...
(   )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A vida não é um livro

Era um tumultuoso vulcão com restos de cigarro no canto da boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não existiam mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e transformá-lo em palavras, depois de solidificado
E às vezes, com o vento, o risco sofria pequenas oscilações, milímetros que podiam ser fatais para um texto de ficção, não escrito, preguiçoso, mentiam-nos quando nos diziam que não haviam mais
Depois de solidifico,
Palavras para escrever
E nós sabíamos que existiam milhares de buracos recheados de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia tricolor, e pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos o choro incessante dos meninos encurralados junto às árvores de chocolate, pensávamos que
A vida é um conto de fadas, um poema, um lindo texto de amor,
Não, não é, e nunca o será
Um livro,
Um pequenino livro, lágrimas de prata, húmidas as mãos do poeta quando acaricia o corpo da amada secreta, impossível, imaginária, o mar entra nos corpos em combustão, e eles
Nós sabíamos que os cabelos eram falsificados, mercadoria isenta de IVA, cultura, o desejo taxado à taxa mínima, deserta, cambaleando os chinelos do velho Fernando pelo corredor da morte, inventavam-se lilases olhos com vermelhos perfumes de rosas de papel, taxada maximamente a velha sopa de feijão que sobejou da semana estragada, peço desculpa e emendo, da semana passada, felizes aqueles como nós, os cabelos falsificados de aço, quando saboreiam os pedacinhos de drageia que o doutor receitou apara tomarmos ao deitar
Um livro
Antes de adormecer,
E nós éramos felizes
É ou não é verdade?
Um livro, substituído por uma drageia, dispenso a sopa e fico com as coxas da Amélia, e em termos de IVA fico a ganhar, porque em tempos de crise é preciso poupar, e entre uma sopa taxada a vinte e três por cento e saborear as coxas da Amélia, taxadas a seis por cento...
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
Um livro, um pequeno livro disfarçado de cianeto,
Azul, os joelhos da amada invisível, nua, isenta de IVA, só minha, como os papeis de andorinha que voavam dias e dias no quintal de Luanda, e hoje, hoje
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
E nós sabíamos que os corpos mergulhados em mãos envoltas em poesia são como as ondas do mar, flutuam, e em ziguezague-zanga lá íamos a caminho de Viseu, parávamos em Castro Daire, um desvio em Carvalhais, S. do do Sul, para visitarmos o velhinho avô que ainda carregava às costas a mochila da primeira grande guerra, e conservava na algibeira do colete as mortalhas e a onça, depois, regressávamos à velhinha estrada até
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
Até que uns vultos nos visitavam, não sabíamos que Eram os tumultuosos vulcões com restos de cigarro no canto da boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não existiam mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e transformá-lo em palavras, depois de solidificado
As gajas nuas com sabor a literatura,
Nós não sabíamos, minto, sabíamos que as laranjas são doces quando das mãos de uma deusa inspiração, nua, nossa, isenta de IVA, inventa palavras tricolores que dormem silenciosamente nas crateras dos vulcões apaixonados, o avô velhinho
Um livro
Antes de adormecer,
E nós éramos felizes
É ou não é verdade? Milhares de buracos recheados de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia tricolor, e pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos o choro incessante dos meninos encurralados junto às árvores de chocolate, pensávamos que
A vida não é um livro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó
Há nele um louco amor que anoitece abraçado às montanhas onde vivem crateras e cereais de luz com sabor a chocolate, e pior do que isto, pensava ele
- Só a Coreia do Norte,
O que é para mim um louco amor? Não sei, não sei
- Só a Coreia do Norte,
Não
Pensava,
- Sei que, talvez, alicerçava nele as castanhas ruas da melancolia, desejava voar como voavam as carcaças de madeira à porta das tabernas nuas de espuma, sem janelas, e na proa dorme um marinheiro louco
O amor desejado quando o desejo é impossível de subir às lâmpadas corcunda da lua, asas de gaivota penduradas no mastro onde a vela da morte, balança, esquia, nua, as palavras do marinheiro amado louco sem mãos, e pensava ele
- Que o amor não se explica, vive-se, constrói-se como as pontes de aço sobre os rios amaldiçoados, enjoados, doentes, desde criança à procura de um cavalo branco, e desde criança
Só a Coreia do Norte,
- Não
Pensava,
- E desde criança os fantasmas vestidos com panos pretos deambulando de taberna em taberna, os marinheiros da aldeia dormiam, e as velas brancas com desenhos abstractos pediam vento para zarparem, não vinhas, parecias triste, e no entanto, e no entanto sabias que em cada casa havia uma tigela de fome e um pedaço de pão bolorento, e o arroz descia inutilmente a cada boca esfomeada como as serpentes dos jardins encantados quando um vulto embrulhados em panos deixa cair os sons melódicos de uma triste flauta, voavas sobre as árvores distantes das ruas castanhas que cobriam os seios da aldeia, estavas triste e pior do que isto
Só a Coreia do Norte, não, talvez, um dia disse que ia embora e que nunca mais regressava, não partiu e nunca regressou, dizem, quem sabe, que ele caiu num buraco negro e deve andar perdido como as abelhas quando cai a noite, mas ele nunca tinha olhado a noite
Pensava
- Não
Talvez só a Coreia do Norte, e o arroz descia inutilmente a cada boca esfomeada como as serpentes dos jardins encantados quando um vulto embrulhados em panos deixa cair os sons melódicos de uma triste flauta, voavas sobre as árvores distantes das ruas castanhas que cobriam os seios da aldeia, estavas triste e pior do que isto
Talvez...
(   )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


Em destaque no Sapo Angola
(A Sereia de vidro)

blogue Cachimbo de Água

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz
Mãe, fui assaltado, manda dinheiro vale postal urgente,
E ao final da tarde ressuscitavam as andorinhas no Tejo, cintilavam ao longe as luzes dos petroleiros a entrarem na barra, puxavas de um cigarro, umas vezes em solidão, outras, em companhia de gaivotas com sabor a heroína, pingavam restos de saliva nas passadeiras vermelhas da calçada, precisavas de ser aquecida
Lisboa
À tarde pertencias aos espaços perdidos, na parede um cartaz onde se lia “Proibido Fumar”, à tarde pertencias-me, e Lisboa é uma cidade cruel, pensarias tu nos finais dos anos 80, e não percebias que eu precisava de asas, voar, voar sem parar, não cair, todos os meses, eu, um infeliz
Mãe, fui assaltado, manda dinheiro vale postal urgente,
Um infeliz com sete pernas nascidas e crescidas em Setembro, à noitinha,
Precisavas de ser aquecida...
(   )

Gélidas mãos do prazer


Não tenho coisas para te dar
apenas te posso oferecer as minhas mãos gélidas
ou as pálidas palavras cansadas de viver
elas quando emergem sobre a escuridão as tristezas tuas manhãs
o entra e sai da porta sibilada distante
que mente
ausente de ser
outras coisas à janela das minhas pobres gélidas mãos de linho,

Nada eu tenho para te oferecer
(já nem os meus livros) gélidas mãos do prazer
queimei todos os papeis frágeis que viviam e dormiam
no meu corpo de pérola cinzenta
lenta
a morte das coisas que tive
e deixei de ter
e não mais voltarei a ver.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Os pedaços de açúcar da montanha dos sonhos

Subiam a montanha em direcção ao sítio onde viviam as nuvens de prata, rastejavam dentro do silêncio com a ajuda de uma mão envelhecida, moribunda, recheada com algerozes e janelas com cortinados de papel, subiam, docemente, subiam a montanha conhecida como a velha montanha dos sonhos impossíveis de realizar, percebia-se no ar pesado a respiração dos cadáveres adormecidos pelos versos do poeta marreco, louco, porco, que habitava numa cabana junto a uma ribeira com braços de luz e pernas de vidro, à lareira, sentindo as imagens furiosas das pessoas enlatadas que deambulavam nas esquinas do orvalho, estava frio, muito, e os cães vadios procuravam em pequenos cardumes de prata as coisas boas da vida, tínhamos medo, não dormíamos porque das árvores, às vezes, desciam esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas nos olhos, e na boca
Pequenos segredos de saliva com finos olhares que as ardósia escreviam nas planícies da insónia, não, não sabíamos que a montanha era invisível, não, não sabíamos que a ribeira e os esqueletos com canetas de tinta permanente espetadas
Nos olhos,
Eram fantasmas desenhados pelo poeta marreco, louco,
Nos olhos,
Subiam a montanha em direcção ao sítio, uma pequena fogueira de vaidade emergia sobre as rochas prateadas onde dormiam os cães vadios
Nos olhos
O louco poeta marreco...
(   )
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ou o pai retratava o filho

(    )
Juro, se fosse hoje, se fosse hoje inventava-me, colocava umas luzinhas na cabeça, pedia ao senhor Arsénio que me desenhasse umas asas e mandava-as construir ao tio Serafim, quando regressasse a casa com a estrelada, coitada, manca
Estrelada!
E amanhã não me fodes mais porque vais ficar na loja porque com a pedrada que te dei, e enquanto isso, o Serafim a jogar ao pino com os colegas da escola, e tenho quase a certeza que ele me constrói umas asas com vista para o Tejo, pensava o menino Pedro antes de adormecer e enquanto a família, pai, mãe e avós, todos, numa irritação
É a tua cara Alberto,
Não é não, respondia a avó Madalena, e acrescentava
É tal e qual o meu João, isso não tenho duvidas
E eu, e eu tenho a certeza que tenho algumas parecenças com um embondeiro, com um mabeco, ou na pior das hipóteses
Com um Anjo,
(mais uma breve pausa para ir à casa de banho regressamos o mais breve possível)
Sim, com um Anjo, Porque não? Deve estar louco menino Pedro, queixava-se o porteiro embriagado quando madrugada dentro ele
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul
Constipação
Ou
Fígado,
Constrói-me umas asas, tio Serafim
E a coitada da estrelada só em três patas, sofreu tanto, tanto sofrimento teve esta ovelha, e o menino Pedro e a menina Margarida
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul, deixara de chover, o fígado pifou uma vez mais, constipação
Ou
O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro
Tinha-me inventado.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Os textos loucos nas paredes de betão


Tínhamos uma árvore de papel
das palavras com sabor a prata
tínhamos uma sílaba de lata
com pingos de mel
e nas tardes em silêncio que brincávamos com o mar
tínhamos um punhado meigo de melancolia
e versos de amar
que cantávamos até nascer o dia,

Tínhamos que ainda não esqueci
a harmonia
que às vezes disfarçava-se de alegria
e outras tantas vezes inanimadas
vi
e senti
o sorriso das lindas madrugadas
que eu inventava nas planícies acorrentadas,

Às bocas submersas no cais das merendas (livro de Lídia Jorge, O cais das merendas)
e murmurávamos na língua escura da solidão
os sons do piano bar
com os poemas da paixão
antes do jantar
murchava o coração
e das mãos pegajosas os textos loucos que a luz escreve nas paredes de betão
que um louco aldrabão esqueceu na sombra de uma árvore de papel,

Tínhamos sabão
e óleo vegetal com sabor a pimenta
tínhamos o amor e os lábios pigmentados com sandes de salpicão
e mesmo assim
no jardim
tínhamos sexo dentro de uma caixa de cartão
comíamos sem sabermos que as viagens para Marte eram pingos de saliva da tua imaginação
antes de regressarmos à morte que adormece nas lamentações de uma triste sebenta.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

domingo, 6 de janeiro de 2013

Que têm os barcos Francisco?

(     )
E o mar em finos fios a correr pela casa, ouviam-se os petardos anárquicos misturados nas palavras amargas, às vezes, trazias nos olhos lágrimas de prata, tinhas asas de vidro, e quando te perguntava
Matilde, mexeste nas minhas tintas?
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir
Não, não mexi, pai
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir
Pai?
Sim, Matilde!
A mãe?
Que tem a mãe?
Onde está?
Sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, e tínhamos flores em recipientes cerâmicos, de várias cores, pintavas-os com os restos de tinta acrílica dos meus tubos que ias buscar ao meu atelier, metias as mãozinhas no bibe, e de cabelo balançando dentro do vento que acabara de sair da caixa de madeira, aos poucos aproximava-se da grande cidade o paquete com ventos lilases e folhas de árvore empobrecidas pelo sal e devido ao calor, transpiravam os carros junto a Belém
Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,
E os carros arfavam, e tu sorrias, e eu empoleirado nas grades ouvia os pedaços de fumo do cigarro de um magala que pelo fardamento devia andar nos lanceiro, na Ajuda, sentado e de pernas cruzadas, sobre as coxas via um caderno com uma capa que tinha desenhos de flores, via também um livro “O Doutor Jivago” de Boris Pasternak, e ao longe, nos jardins de Belém dois amantes provavelmente separavam-se eternamente para o todo e sempre, ouvias-lhe
Sim, Matilde!
A mãe?
Que tem a mãe?
Onde está?
Ouvias-lhe as lágrimas de prata e tu, com asas de vidro, sorrias, ouvias-lhe os silêncios entre as árvores e os arbustos,
Tenho de ir
Porquê pai?
Já alguém te disse que tens o coiso grande?
Não sei, Matilde, nunca soube onde está a tua mãe,
E aos poucos Lisboa entrava dentro de mim, e aos poucos sentia a paixão da cidade a entranhar-se nos meus frágeis ossos, de galinha de aviário, e perguntei ao meu pai
Pai, vamos para onde?
Olhou-me, lançou o cigarro ao Tejo, a sorrir e a abanar as asas, sorrias, abanavas as asas, e voltavas a sorrir, Pai?
Vamos para Alijó.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

O post-it e a cidade

( )
As ratazanas querem comer-me, acreditava eu, a cada segundo de ponteiro que o velho relógio descrevia nas clandestinas terras assombradas pelo capim desnorteado, estonteante, doente, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante, e mentalmente ela queria dizer-me
Amor, falta-nos tudo,
E ele respondia-lhe
Se a casa tiver livros já tem tudo,
Vai fazer-te bem, amor,
Acordavas-me, erguias-me, a ténue luz desenhava na parede lateral um menino de sombra, e ela obrigava-me a beber o leite com mel, queimava a boca, torcia-me na cama como se estivesse no interior de uma tempestade de areia, e nunca percebi o infernal trânsito
chegavas tardíssimo a casa, inventavas trânsito que todos os dias antes partires, deixavas colado no frigorífico, regressavas, descolavas o post-it e a cidade retomava o ritmo solitário que as noites trazem, constroem dentro das imensas dores frágeis que os ossos das tuas mãos carregavam caminho abaixo até chegares à ribeira, e mentalmente ela queria dizer-me
Amor, falta-nos tudo, e afinal, as ratazanas queriam comer-me, acreditava eu, a cada segundo de ponteiro que o velho relógio descrevia nas clandestinas terras assombradas pelo capim desnorteado, estonteante, doente, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante, e mentalmente ela queria dizer-me,
Se a casa tiver livros já tem tudo,
O trigo deixou de crescer após a tua partida, os pássaros, hoje, tal como os aviões, não voam, morrem, às vezes morrem, sem nada a casa, hoje não, se a casa tiver livros já tem tudo, o post-it e a cidade retomava o ritmo solitário que as noites trazem, constroem dentro das imensas dores frágeis que os ossos das tuas mãos carregavam caminho abaixo até chegares à ribeira, e mentalmente ela queria dizer-me
Falta-nos tudo,
E mentalmente ela queria dizer-me que o trigo deixou de crescer após a tua partida, os pássaros, hoje, tal como os aviões, não voam, morrem, às vezes morrem, sem nada a casa, hoje não, se a casa tiver livros já tem tudo,
E tu
Assassina-me como se eu fosse um grito de luz, e não deixes que as cores do arco-íris murchem, se extingam, morram, quando acorda a noite no pólo da saudade, chegavas tardíssimo a casa, inventavas trânsito que todos os dias antes partires, os pássaros, os aviões, e eu
E eu sempre que podia, quase sempre, antes de começar a noite, inventava trânsito, que cobriam as cores do arco-íris, e tu
E eu
Com o leite, o mel, à espera que regressasses das tuas longínquas viagens ao além, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

(Palavras frágeis)
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