terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Voos nocturnos

foto de: A&M ART and Photos

Voo entre as espadas de sombra das paredes de gesso
oiço do vão de escada os uivos do lobo cinzento
talvez se sente
talvez... me espere
oiço-lhe na voz os silêncios do medo
os arrufos da solidão
do vão de escada... alcança-se o sótão das palavras
onde habita uma folha rasgada,

Uma frase suspensa no arame da paixão...
uma moeda de prata que roda sobre a mesa-de-cabeceira
voo e não dou conta dos ponteiros do velho relógio em direcção ao abismo
uma trégua... preciso urgentemente da trégua do sossego
uma amiga palavra
uma toalha envenenada
encharcada... como o éter embriagado depois das pétalas caírem sobre o mar
e a gaivota dos teus lábios acordar das marés esverdeadas,

Voo... entre as espadas... gesso
sinto-o como lâminas de espuma sobre o meu pescoço à deriva no Oceano do amor
voo e não voo.. vou depois de partir conhecer os túmulos secretos dos esqueletos em desejo
voo como uma gaivota sem asas
estonteante
doente...
fugindo da doce guilhotina dos dias sem Primavera
voo e voo até tombar como uma árvore sobre o jardim das despedidas...

Fingidas
sinto-o como sentia o sal dentro das minhas veias
cordas de nylon voavam como eu sobre a cidade dos delírios
despedidas...
porquê?
aceites somos palhaços de palha seca dormindo no centro da eira com vista para a torre da Igreja
e de fingidas
às... prometidas... prometidas espadas de sombra das paredes de gesso.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 31 de Dezembro de 2013

fugir de mim

foto de: A&M ART and Photos

fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho
enrolar-me às palavras não escritas
aquelas pensadas e não ditas
fugir...
caminhar sobre os cobertores da insónia
despedir-me da inocência mão do destino
ir ao espelho
vestir-me de menino...
e fugir
fugir... fugir de mim até acordar a madrugada prateada
e ouvir-te sorrir
e sentir-te saltitar sobre a ardósia rasurada...

fugir
fugir das noites por ti inventadas
escrever
escrever... e fugir... e adormecer nas tuas lágrimas choradas

fugir de mim
abrir a janela dos abismos rochedos com olhos castanhos
sentar-me
sentar-me à beira rio e... fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho
escrever
sentir no rosto o vento abandonado
vagueando pela cidade como um mendigo coitado
fugir...
fugir e fugir... até que o cortinado do desejo arda nas lápides dos alicerces desalinhados
fugir
e escrever...
escrever nos lábios das pétalas embriagadas como homens estatuados...

(fugir
fugir das noites por ti inventadas
escrever
escrever... e fugir... e adormecer nas tuas lágrimas choradas)

fugir
fugir e sentir...
sentir os orgasmos fingidos
dos pinheiros bravios da montanha do medo...
fugir e fugir e partir... partir sem sentir os falsos amigos
fugir de mim e esconder-me dentro do silêncio pergaminho.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 31 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

caos

foto de: A&M ART and Photos

há uma ordem indefinida que habita no centro do teu corpo
a tempestade preguiçosa dos barcos encarnados abraçam-se a ti
e tu parecendo uma ardósia em fim de tarde
escreves-te e alimentas os volantes e êmbolos da tristeza
escreves-te e gaguejas as palavras mortas que o vento transporta
como nuvens de poeira sobre a pele húmida da paixão...
apaixonado sempre
sempre... como um vulcão entranhado na montanha dos sonhos
trazes-me os cinzeiros com asas voláteis depois dos desalojados cigarros partirem na tua mão
recordas-te do silêncio
e acreditas nas pedras quentes dos telhados invisíveis da insónia
há uma ordem secreta dentro de ti que não quer movimentar-se na roldana dos beijos cinzentos,

lembras-me as chuvas endiabradas das sanzalas com telhados de cacimbo
eu chorava porque tinha acabado de perder um simples papagaio de papel
tinha quatro cores
e... e um velho cordel
havia em ti uma ordem
que do centro do teu corpo ao meu olhar perdia-se como se perderam todas as sombras do desejo
e despejados nós
continuamos a procurar marés de papel das cartolinas suspensas nas paredes da velha escola
hoje
sei...
sei que há uma ordem embrenhada na desordem
e as tuas vãs palavras vivem no caos da solidão.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 30 de Dezembro de 2013

domingo, 29 de dezembro de 2013

O espelho com lábios rosados

foto de: A&M ART and Photos

Não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do habitante caquéctico a que dizem ser meu tio, apenas um fino fio de ferrugem, abria-a, fechava-a, e na esperança que de pequeno fio se transformasse em grande novelo..., mas... nada, sempre pingos de ferrugem, e mais nada,
Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,
Vida alegre e de felicidade, acho-o eu, porque feliz feliz é aquele que não sabe o que diz, como eu, e voltando ao sabão, em falta dele temos sempre a fé para nos redimirmos, e claro, começamos a rezar, rezamos tanto que quando terminamos... tinham passado quase trinta e cinco dias, sem comer, sem beber, sem beijos, sem abraços... apenas rezávamos e de vez em quando...
Vida desgraçada, dizem alguns de vocês,
Olhávamos a torre da velha Igreja e sentíamos o vento baloiçar nos corpos nossos caídos no soalho da solidão, dizias-me que
Amanhã tudo será melhor,
E hoje, que é o teu amanhã, não tudo melhor, mas... da torneira do lavatório apenas um pequeno fio de ferrugem e sabão, não sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a última noite, perguntei à ferrugem se sabia quando tínhamos água
Que
Não o sei, nada percebo disso e apenas respondo ao senhor seu tio, e eu respondia-lhe que
O senhor meu tio foi-se, esfumou-se... voou enquanto dormíamos... como dois lençóis embebidos em sémen e gemidos roucos dos cigarros acabados de fumar,
Que, ainda fumas?
Que
Não o sei, não o sei..., Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor, Amanhã tudo será melhor... que
Não, deixei de fumar e pecar,
Não preciso de sabão, não preciso da água do lavatório nem dos lençóis embebidos em sémen e velhos gemidos, o senhor meu tio?
Foi-se,
Que..., que bicho mordeu ao seu namorado?
Saudades, apenas,
Ciumes?
Da
Da vida desgraçada, dizem alguns de vocês, ou...
Ou da noite em que tínhamos a certeza que nunca mais terminaria, perguntei à ferrugem, sentei-me na sanita e pasmei-me em perceber que dentro de nossa casa habitava uma comandita de trombudos deambulantes clandestinos pássaros que nos habituamos a apelidar de ferrugem e de ferrugem
O quê?
E de ferrugem nada tinham, sempre asseados, sempre penteados, sempre..., APRUMADOS,
Não tínhamos nada, parecíamos dois voyagers em busca dos caminhos perdidos, perguntava-lhe se ainda se recordava da tarde quando caiu sobre nós uma gaivota encharcada e com pequenos pedaços de
Ferrugem?
Lama, madeira da Índia e tílias falidas depois da tempestade lhes derrubar todo o telhado em zinco, a palhota a descoberto destruiu os poucos tarecos que sobraram do regresso a casa, e num caixote semelhante a uma pequena caixa de sapatos conseguíamos meter o que tínhamos de tão pouco o ser...
Algumas da cabras deixámos-las no pasto, lá ficaram, por lá ainda devem andar, quantos às vacas, essas, já devem ter morrido, passou tanto tempo meu querido filho
Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco,
A não ser que alguém nos empreste uma barra de sabão e um alguidar com água limpa, talvez a vizinha do quarto esquerdo
Essa não, essa não... tem a mania que é rica... todo cheia de coisas, não, essa não,
Então esperamos pelo regresso do barco que à quase quarenta e dois anos ficou de vir, e ainda não veio, e quem nos garante que ainda exista?
Ninguém, ninguém...
Tempo demais mãe, tempo é muito e às vezes é tão pouco, não tínhamos sabão para lavarmos os pecados cometidos durante a noite, da torneira do lavatório, um objecto quase em putrefacção devido ao estado de abandono a que foi submetido durante os últimos anos de permanência do,
Do VELHO?
Do minguante espelho com lábios rosados e seios de neblina, hoje sabemos que tudo foi uma mentira, mas ontem
Amanhã tudo melhor, meu filho, tudo melhor...
E não melhor, e não melhor, porque a ferrugem nunca cessou de crescer em nós, porque o lavatório ainda hoje chora as lágrimas negras das noites frias de Inverno, porque
Do VELHO?
Porque o VELHO... o VELHO era em aço laminado... a quente, a quente.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 29 de Dezembro de 2013

espuma verde

foto de: A&M ART and Photos

um pequeno silêncio de espuma verde envolvia o teu corpo
a nuvem do desejo acordava lentamente nos teus olhos
havia um pequeno holofote a que chamavam de solidão...
e permanentemente em suspenso... começava a desaparecer do céu tua mão
o medo vestia-se com a roupa tua da noite anterior
trazias na algibeira pequenos sons melódicos e papeis poéticos
que decidimos lançar na fogueira da lareira da insónia
abrimos a janela da noite
e a noite recebeu-nos como se fossemos dois pássaros moribundos
cansados de voar
o teu corpo mergulhava no meu
e um líquido esponjoso ressaltava contra os vidros tristes da madrugada
queria ser como tu
uma rosa sem destino
sem nome
apenas numa palavra...
apenas
e só
uma letra prisioneira no teu cabelo castanho...
tínhamos o luar e as estrelas convexas do céu da inocência
e as lágrimas da tarde junto ao rio
deixaram de correr no teu rosto de roseira brava
agarravas-me com os teus dentes de marfim
e sentia no meu peito as tuas garras de mpingo solitárias das ruas da cidade dos morcegos
e tão triste
o apego
o sossego
o desemprego...
e só
tão só
que suicidou-se ao primeiro segundo de acordar a luz triangular do sorriso...
desgovernado
embriagado...
apenas
e só...
ele... o coitado... um pequeno silêncio de espuma verde envolvido no teu corpo.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 29 de Dezembro de 2013

sábado, 28 de dezembro de 2013

jacarés de mpingo

foto de: A&M ART and Photos

o que faço sem perceber que a teia de aranha do teu olhar é falsa
como são falsas todas as palavras que me escreveste,
esperei-te acreditando nos jacarés de mpingo com dentes em marfim,
acreditei,
chorei,
dormi solenemente no teu jardim...
e esperei,
esperei... esperei e quando acordei,
o que faço sem perceber,
que,
a teia
de
aranha...
do teu olhar,
é,
é falsa...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 28 de Dezembro de 2013

Janelas da solidão

foto de: A&M ART and Photos

São as tuas mãos frias e doces que alimentam o meu olhar
são as tuas mãos a lareira do desejo
o sincelo amigo nas manhãs nubladas
são elas a chuva prometida
que a tua pele doirada absorve
como caramelo derretido numa panela de pressão angustiada
as vãs noites resfriadas enquanto espero por elas...
… as tuas mãos que poisam no rosto do sem-abrigo
e aquecem o mendigo
são as tuas mãos frias...
e doces...
e singelas sesmarias que alimentam o meu olhar
São as tuas mãos frias
aquelas que o papel engole quando às palavras vem a tristeza
o barco recusa-se a navegar no teu corpo
e o mar
e a madrugada lívida dos pássaros marinheiros
voam sobre a cidade dos homens abandonados
e se não fossem as tuas mãos
aquelas... as tais... que dizem ser frias...
e se não fossem elas?
nós?
Imaginas a nossa vida...
vivermos sem saber o que são as tuas mãos frias
E doces que alimentam o meu olhar
o mundo seria quadrado
a lua talvez fosse filha de um triângulos isósceles
pobre como eu
tão pobre que nem se consegue ver no céu...
se não fossem as tuas doces e tristes mãos
o que seria da raiz quadrada e do cosseno de trinta grados?
e tu miúda
bela e tão bela
preocupada com um borbulha... coisa insignificante
porque são as tuas mãos
as tais... as doces e frias... as janelas da solidão.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 28 de Dezembro de 2013

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

os insectos da melancolia

foto de: A&M ART and Photos

perdi-a sem saber que a tinha
dentro da minha mão despedaçada
enrolada nos meus finos dedos de arame farpado
perdi-a sem o saber
dentro das minhas veias habitavam os insectos da melancolia
três horas antes de adormecer
três vezes ao dia
a insónia invade-me entranhando-se nos meus olhos desnorteados
vagabundos
apaixonados...
e eu sem o perceber entro nas tempestades com sorrisos de mar
perdi-a e nunca mais a conseguirei encontrar no jardim do esquecimento

subi escadas
sentei-me em inúmeras varandas...
desci escadas
corri calçadas
tropecei... e caí sobre as lágrimas
perdi-a sem saber que a tinha
dentro da minha mão despedaçada
e uma sombra de mimo jaz na almofada do sonho morto

perdi-a
sem o saber
perdi-a de mim quando escrevia
palavras sem rosto
palavras
sílabas de nada
tristes madrugadas
perdi-a sem saber que a tinha
dentro
fora
na dupla esquina
de luz... como a luz dos holofotes dilacerados.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 27 de Dezembro de 2013

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Ou... ou talvez... não

foto de: A&M ART and Photos

Vinte e uma horas e as ratazanas azuis deambulam no corredor da insónia
sou invadido por um sonho em tons de branco
e um tecido opaco ofusca-me o olhar
a cegueira entranha-se na minha mão
passo-a pelo teu rosto e verifico que não tens rosto...
… vinte e uma horas e tu não existes
e tu
tu pareces uma rosa desgovernada na paisagem sem moldura
uma tela em branco
uma janela...
janela sem caixilho... quando sinto o vento entrar e nada posso fazer
e nada me apetece fazer...

Deixo a caneta sobre a secretária
deixo um dos livros em pausa perto da mesa-de-cabeceira
desligo o interruptor da saudade
dos sonhos
e percebo que a lâmpada do desejo nunca mais se acenderá na minha vida...
anticongelante corre-me nas veias tristes e sonolentas
agrestes
precoces como os primeiros passos em sandálias de couro
os calções voavam sobre as mangueiras sem bandeira
e a apátrida criança nunca mais quis olhar o mar...
desistiu
desistiu dos sonhos com bonecos de peluche

Desistiu dos velhos pinheiros de Carvalhais
da eira
do espigueiro...
vinte e uma horas em Portugal Continental
e um miúdo perde-se na imensidão das ruas com os espelhos das velhas secretárias
com velhos papeis
em velhos edifícios atulhados em reumatismo e bicos de papagaio...
o tempo acabou
e os calões hoje são gaivotas com sandálias de couro
que brincam no Baleizão
ou...
ou... ou talvez... não.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de2013

Sem nome... desejar um

foto de: A&M ART and Photos

O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, a maré eleva-o, a maré come-o, e o navio da sede submerge nas rochas negras da noite, o que é desejar, se não querer e não o ter, suspenso, absorto, iluminado pela mão de quem o acaricia... e ouvem-se os gemidos sons da tempestade do silêncio,
O corpo transforma-se em fantasma, o corpo transcreve os invisíveis carris da solidão e desaparece entre os moinhos de vento espalhados pela montanha dos sonhos,
O medo,
A tristeza de um corpo deitado na penumbra descendo das árvores envenenadas pelo desejo, desejar um o corpo proibido, o corpo prisioneiro das mãos do moribundo cambaleante mendigo das trevas, hoje
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso na madrugada que espera o regresso da barcaça abandonada em alto-mar, o marinheiro engana-se no navio e quando acorda está fundeado em Cais do Sodré, um cavalo de areia corre junto ao rio, saltita de banco de jardim em banco de jardim, a chuva molha-te e do desejar-te não desejo, a sede esconde-se nas clandestinas janelas com cortinados de chita, e a mão de quem o acaricia... covardemente troca o teu corpo por meia dúzia de cigarros, enrolas-te no Inverno cobertor que cobre o teu cabelo, pareces uma cobra recheada com chocolate e torrões de açúcar, amanhã não o sei, mas hoje, hoje queria ser o dito fantasma vestido de chuva, todo molhado, húmido como o teu, e ao longe, ao longe sentirmos os apitos com doirados sons de fim de tarde,
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado,
(dizer que te amo sabendo que o medo transverso do esforço alimenta-se de mim, faz-me fraco, covardemente troco o teu corpo por meia dúzia de cigarros... e quando dou a ordem definitiva ao interruptor para acender o candeeiro da mesa-de-cabeceira... não estás... e diluíste-te com a chuva)
Não sei quem sou...
Desisto de desejar o que não pode ser desejado, os trapos, os farrapos de nós como livros molhados, sujos e imundos, o corpo em imagens tridimensionais... que esperam o meu regresso e curiosamente ainda não sei onde me encontro, preciso de descobrir o caminho para regressar, e se regressar... que seja de noite, que esteja a chover... e que o teu corpo permaneça sobre o divã do desejo
Desejo?
O que é desejar, se não querer e não o ter, desejar um corpo suspenso... desejar um corpo sem nome.


(ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Dezembro de 2013

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Esqueletos de silêncio

foto de: A&M ART and Photos

Um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito com palavras tontas, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje,
Ontem viajava até ao dilúvio sentido da esperança, tinha na algibeira vinte euros e pouco mais do que isso, tinha perdido a caneta de tinta permanente, tinha-me perdido na penumbra melancolia dos versos de AL Berto, e na mão direita um pedaço de lama enterrada até ao mais profundo dos ossos engasgados como vómitos cintilantes das pálpebras encobertas pelo murmurado ronco da nuvem de papel, choravas, o corpo ia aos poucos minguando até evaporar-se na adrenalina folha de papel que me cobria, pensei que estava morto, acreditei ser um imbecil esqueleto que esperava o ressonar da madrugada, o relógio iluminava-me e marcava três horas, e eu ouvia solenemente os rosnar dos ponteiros contra as roseiras,
Talvez adivinhasse que hoje um pequeno versos se escrevesse no pequeno charco de lama onde tinha escondido os meus sonhos, havia-os de todas as cores, tamanhos e feitios, mas um deles pertencia aos arbustos suicidados dos ventos de Belém, dormia e sentia no rosto os medos de uma Lisboa a entranhar-se-me como uma lâmina
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
Uma lâmina fina e escura de saudade descia dos cobertores do céu, um homem poisou a mão no meu rosto e beijou-me, eu sinceramente não me apetecia levantar da miudinha chuva, sentia-os e imaginava-me sentado numa esplanada de granito
Aquela onde me sentava a fumar junto ao Padrão dos Descobrimentos e inventava barcos em papel,
O granito era frio, o homem tinha nos lábios o bravio musgo do Presépio de porcelana e eu sentia-lhe a mão rodopiando sobre os meus olhos, queria acordar, não acordava, sonhava e não sonhava, lia e não lia..., deixei de escrever nos teus seios quando a tempestade entrou dentro de mim, o homem beijava-me como um louco e eu, eu como um louco também... escrevia no corpo dela, sentia-a percebendo que ela morreu há mais de vinte e cinco anos, o homem parou de beijar-me, a chuva abrandou... a mulher dos seios despidos... fugiu, também ela morta, também ela em esqueleto de vaidade numa qualquer montra da cidade,
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
O relógio silenciou-se, perdi-me no tempo, perdi-me no corpo dele, e pedi ao Outono que regressasse com as sonâmbulas palavras que um pequeno charco cobria-lhe o rosto desorganizado como um texto escrito, a chuva cambaleava sobre o olhar dele, ele provavelmente dormia, não dormia, sonhava... ou... talvez nem conseguisse sonhar, os sonhos são caros e raros, o preço é elevado para o comum dos mortais como ele, talvez sentisse o peso das estrelas, talvez adivinhasse que hoje, que hoje... que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E lá fora um Oceano espera-me, tal como me espera a guilhotina das paixões não correspondidas, vadias até, sofrer, viver, sentir-lhe dos lábios o odor dos cigarros incinerados, e a poeira de ti sobre mim... e que hoje
As roseiras brincavam sobre o meu peito,
E... e acordei.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013

A colegial sem nome

foto de: A&M ART and Photos

A colegial sem nome que esconde os lábios na madrugada
o livro da colegial dorme como uma criança cansada
o cansaço inventa sorrisos nas mãos do desejo
e este
às vezes como um poço sem fundo
também como a colegial
sem nome
voa sobre as praças com candeeiros de prata,

Os lábios foram-me oferecidos pela madrugada
e a noite constrói-se nas lágrimas da chuva
dos orgasmos fingidos
que a colegial também esconde
não na madrugada
não no corredor da morte...
mas... mas esconde-os na alma do Diabo
como pétalas de insecto mergulhadas nas manhãs de Inverno,

A colegial é transparente
é imóvel
saboreia-se nas candeias que o destino lhe roubou
ela desconhece que a lareira existe apenas para a aquecer
despe-se para o espelho...
a colegial sem nome diz que quando for grande quer ser uma fotografia a preto-e-branco
perplexa
descobre o veneno dos zincos telhados que acordam a criança cansada...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Mercado

foto de: A&M ART and Photos

Percebo as linhas transversais do teu olhar
quando o Gin se entranha no vórtice das tuas nádegas transparentes
oiço os gemidos da geada
oiço-te escrever palavras avulso nos cortinados de papel
e percebo
percebo que onde estás sentada existe uma sombra que me pertencia
e me amava
espero que te abras
e me enlouqueças com os sons das tuas alegres alvenarias
sinto-te dentro de mim
como um sismo derramando crustáceos envenenados
… sinto-te gritar o meu nome... aquele que rasgaste numa noite de tempestade,
Percebo porque têm lágrimas os vidros da tua janela
sei que lá fora morre um transeunte maligno
um coitado e sem abrigo...
percebo as tuas lágrimas quando em mim se entranha o Gin
crescem aleatoriamente nas minhas mãos os jardins complexos do silêncio
e dizem que vais abrir-te brevemente
como uma gaivota em voos loucos procurando veleiros com azia
e marés de areia com vómitos silabados,
Este é o meu Natal...
ir ao Mercado
beber uns quantos gins... e aleatoriamente como os jardins complexos do silêncio...
voar como as gaivotas
gritar o meu nome contra as paredes que o granito construiu para as madrugadas do medo
percebo
as linhas transversais do teu olhar
percebo que o meu corpo levita
sentado sobre quatro tábuas de mogno...
este é o meu Natal
triste
e embriagado triste... olhando as límpidas alvenarias do mercado.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 24 de Dezembro de 2013

Finjo que os bonecos são pessoas

foto de: A&M ART and Photos

Despeço-me da vida inventando uma outra forma de viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e com pulmões e com mãos e com lábios e com beijos, e no entanto a vida gira como uma roda dentada, fria, escura... despeço-me das árvores levando a saudade dos pássaros, despeço-me dos cigarros levando a saudade dos cigarros, despeço-me do amor levando na algibeira o verdadeiro amor,
O medo de dizer
Amo-te,
De dizer que dentro dos corações de xisto vivem mulheres que desejam palavras, beijos... carinhos... sombras e marés, cortinados, bebés, de dizer
Amo-te,
Palavra difícil, a palavra mais difícil de pronunciar, engasgo-me e não o consigo, escrevo-a como castigo cem vezes na ardósia da escuridão,
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
E depois como o magala que não sabe qual é a sua mão direita
(o senhor trocou-mas)
Finjo que os bonecos são pessoas, finjo que as pessoas são corações apaixonados, finjo que sou feliz não sendo e nunca percebendo o que é a felicidade, o orgasmo literário das palavras em suspensão dilacerem-se nas cordas do estendal que habita no quintal, e alicerçam-se a mim mil e quinhentas garrafas de uísque reserva de quinze anos, apaixonei-me por uma trapezista pobre, quis fugir com ela e amava-a...
Os meus amigos desejam-me bom Natal, eu detesto o Natal e o Bom Natal, finjo que gosto e retribuo... mas confesso que não tenho alegria para pensar no Natal, no ano novo que se aproxima, um ano de merda como este final de ano, a vida de que me despeço deixa de fazer sentido, as palavras não existem, os desenhos são monstros comparados com a dor de quem sofre, chora e sinto lágrimas no quarto ao lado do meu, oiço-os cochicharem como gaivotas envenenadas, doces, medos despertam passados enterrados, lápides escondem-se na minha algibeira com três tristes chocolates... finjo fugir e covardemente... choro em silêncio,
(o senhor trocou-mas)
Sou transportado para o recreio da escola primária, desastradamente parto um dos vidro da janela da sala de aula com a bola de futebol do meu amigo que tem noção que eu sou um nabo em termos futebolísticos, nada percebo e tudo transformo em... cacos, pedaços de vidro...
(nos grupos de poesia onde publico dizem que os meus poemas são belos, tirando isso... acham-nos uma merda)
Troco de vida, de fingimento, de dor... agora... já consigo chorar, sofrer, sentir os pregos da desgraçada a penetrarem-se em mim...
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Troco de vida, de fingimento, de dor... agora... já consigo chorar, sofrer, sentir os pregos da desgraçada a penetrarem-se em mim... nos grupos de poesia onde publico os meus poemas... adoram-me, sinto-me um sobretudo pendurado num cabide dentro de um guarda-fato, oiço a minha sombra sobre a sombra dela, são apenas um corpo e deslizam como rolamentos calçada abaixo,
O Tejo,
Havia prostitutos à procura de engate, sentava-me numa esplanada, lia o “Doutor Jivago – Boris Pasternak”, e escrevia num caderno de capa dura e negra as palavras doces das bocas doiradas dos transeuntes e de vez em quando
O Alfredo colocava nos cornos da rena as lâmpadas de Natal, piscavam, alimentavam vozes embriagadas com o uísque de quinze anos, recordo-me hoje da morte dos livros que deixei ficar na prateleira por pobreza, insónia, toques de campainha a pedirem-me
O vizinho tem uma pitada de sal que me empreste?
E eu respondo-lhe
O vizinho nada tem,
O Tejo,
Tu toda nua, nos teus seios coloco os enfeites da árvore de Natal, danças, saltitas sobre os trapézios da infância, desejas-me boa noite e as melhoras do meu pai...
Não percebo a cor dos teus olhos,
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Despeço-me da vida inventando uma outra forma de viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e com pulmões e com mãos e com asas e com plumas e com mini-saia e com rímel e com... e com um metro de superfície a martelar-me no olhar as sílabas estonteantes dos dúcteis talheres de prata,
Covarde,
sinto-o quando a olho,
Neste momento bebo sem perceber que amanhã o livro pode arder na lareira do sofrimento, sem perceber
Porquê?
Despeço-me da vida inventando uma outra forma de viver, despeço-me dos barcos reais e com âncoras e com correntes e com pulmões e com mãos...
(Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te, Eu amo-te...)
Antes que seja noite e todos os que eu amo...
Morram.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 24 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Palavras de papel

foto de: A&M ART and Photos

A noite destrói todas as palavras de papel que o invisível destino escreve
a noite inventa-se na algibeira do clandestino miúdo com suspensórios de vidro
o miúdo estupidamente apaixonado por uma uma gaivota...
… chora
transpira como lâminas de aço quando a lareira acesa derrete o silêncio
há uma pauta sobre a mesa da sala de jantar
na pauta brincam notas musicais órfãs
crianças das ruas sem nome não vivem... mas também não choram
crianças com mastros ao peito... vivem navegam choram e morrem...
e bandeiras de cetim sobre os cabelos cinzentos da tristeza dizem-lhes o que é a saudade
a noite embriaga-se como pedaços de xisto descendo os socalcos com as penumbras das sonâmbulas cambotas correndo e as bielas... as bielas nas mãos do miúdo estupidamente apaixonado...
… que chora... elas imóveis elas silabadas elas... elas são as bielas dos covis iluminados pela loucura neblina que o desejo procura no corpo nu sem nome as bielas fodem...
Alimentam-se dos sombreados tectos de verniz que às esplanadas de areia acordam como tecidos mortos e envenenados e doirados e... e a noite em papel dissolve-se na garganta do condenado
hoje há moelas
moedas de prata
lágrimas de crocodilo
e dentes de marfim
A janela do muro envidraçado abre-se e a noite começa a comer o miúdo depois de destruir todas as palavras de papel que o invisível destino escreveu
e o pobrezinho menino prostitui-se no cais de embarque dos petroleiros ofegantes
a gravata esgana o pescoço dos homens de mini-saia
os sapatos de três andares... adormecem noite adentro num sótão abandonado
a gaivota do amor
não dorme
não vive
chora
chora... chora... parvo... porque choras tu?
e era capaz de acreditar nos objectos negros das portas com triângulos desenhados...
com... com coxas cosidas pelas mãos da Avelã costureira...
Peneirenta
rafeira
e ordinária...
a noite é uma puta desgraçada
e feia...
a noite fode-nos como cinzeiros em prata nas mãos de um drogado...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2013

domingo, 22 de dezembro de 2013

Aqui Há Poetas – Poesia Sem Gavetas – Parte III

É com enorme prazer e alegria que participarei com poemas meus na “Poesia Sem Gavetas- Aqui há Poetas, Parte III. Obrigado.

Este piano que é a mão apaixonada da noite sem nome

foto de: A&M ART and Photos

O piano enlouquecido
tristemente só... alegremente despromovido
o piano magoado louco esquecido...
o piano dorme enquanto os dedos dela se masturbam nas suas doces teclas
o piano desgraçado
dorido
é triste ser som de piano louco
quando o corpo dela...
não o é... e o é tão pouco
enquanto o corpo dela... dilacera-se como a manteiga nos espelhos da paixão
o piano tem coração
tem dono... tem tesão.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 22 de Dezembro de 2013

sábado, 21 de dezembro de 2013

Um monstro com olhos em xisto

foto de: A&M ART and Photos

O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio
O Douro?
O sorriso das madames com plumas desiguais sobre os ombros sombreados pelas nuvens que a noite constrói depois de todas, ou apenas uma ou outra, luzes de néon vomitarem as palavras encravadas nas montras da cidade, oiço-te vaguear como uma gaivota ferida, doente, oiço-te mergulhar no meu Douro que odeio, confesso... que sempre odiei, vivi para ser uma cidade, com bares, ruas e ruelas, travestis, putas, e donzelas... o Douro enerva-me, desiludiu-me quando o encontrei pela primeira vez... como me desiludiram algumas das mulheres que eu tive
(como desiludiste algumas das mulheres que tiveste)
Como me desiludiram algumas das calçadas empedradas com acesso ao rio, outro rio, um rio com vida, um rio com esqueleto de marinheiro, em cio
O Douro?
A ponte iluminava-se, a ponte voava sobre os espaços exíguos da minha cabeça, acordava com pequenas grandes tonturas, acordava a fumar cigarros proibidos e deitava-me a fumar
Cigarros proibidos?
O Douro enerva-me, desculpem-me, mas amo a cidade do Tejo, amo a ponte, os charros que fumei enquanto choramingava... e depois caía num qualquer bar em Cais do Sodré, depois era madrugada, deambulava pelas ruas mais profundas, mais escuras, mais... mais amadas em mim, depois cambaleava, tropeçava no paralelepípedo e vomitava sons inaudíveis dos carris frios, tão frios como o teu corpo de menina enquanto descia Setembro sobre uma sombra em Trás-os-Montes, odeio-te sabendo que sou prisioneiro de ti, odeio-te sabendo que só serei livre quando
Pegar na tua mão, acariciar-la como se fosse a folha de um dos livros do António Lobo Antunes, ou um dos pares de luvas de lã que tive em miúdo, depois deixei de sentir frio porque as minhas mãos transformaram-se em rochas, pedaços de granito, eles também gélidos, eles também... sós, depois vieram os olhos verdes que a pouco e pouco ficaram sem cor, hoje são daltónicos e precisam de lentes para ler as tuas palavras das tuas cartas que eu te reenviei... e hoje, hoje sinto saudades
Da cidade do Tejo,
A ponte iluminada balançava quando o vento vinha para me levar e sempre que me preparava para partir, não partia, um carro de brincar iluminava a ruela dos candeeiros mortos, movimentava-se por quatro pilhas de um volt e meio, redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
Dizer desejo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
(dedico esta música a todos os meus amigos)
Amigos? Quais amigos... dás-te conta que não tens amigos, e que se vivesses na cidade do Tejo não tinhas um cão com catorze anos, caquéctico, rabugento... mas engraçado, porque só ele percebe porque choro, quando choro...
(qual é a frase?)
O pormenor emblemático do corpo composto por luz, pétalas encarnadas e algumas insónias margaridas, o jardim parece um monstro recheado de nozes, vozes, um monstro com olhos em xisto, socalcos, montanhas... e nas veias, o rio, a heroína em ebulição sentia-se e no tombar das árvores doidas, como sonâmbulos corpos emagrecidos havia sempre alguém que não regressava,
(ai a frase... a frase...)
O Douro?
A límpida água dos sonhos e da esperança voltam à panela de pressão e evaporam-se nas avenidas encantadas dos guindastes com braços em aço e lábios em pergaminho,
Hoje temos beijos,
(quer uma ajudinha... senhor Francisco?)
Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
(diga comigo senhor Francisco... “Com os voos nocturnos da menina Amélia a sobremesa adormece sobre a mesa-de-cabeceira”)
Hoje temos beijos, saudades e nada mais do que isso... e redopiava em círculos, usava a voz das minhas palavras na boca das outras palavras, aquelas que nunca consegui escrever, dizer amo-te é mentira, ilusão, despedida,
Saudades?
Do Tejo,
E dizer amo-te é pura loucura, desilusão... sei lá que mais...
(à escolha)
E diziam-me que aqui existiam verdejantes barcos com asas em porcelana... pode lá ser...
E é, e é... é assim desde que partiste...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 21 de Dezembro de 2013

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A janela do Inferno


Não sabia a ninguém
não tinha palavras para gritar contra o muro da tristeza
tinha na boca uma sonâmbula ausência de esperança
não tinha cigarros
apetecia-me tanto fumar cigarros
e lá fora
sentia o burburinho das folhas molhadas
o cansaço das árvores que deixavam sobre o passeio empedrado... pequenos braços
em abraços
a janela tremia como se o frio nocturno de Trás-os-Montes acordasse nesta rua enlouquecida da cidade do Porto
eu tremia e todos tremíamos...
e irritava-me o caudal constante da corrida do metro em frente à janela do Inferno...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 20 de Dezembro de 2013

(provavelmente este será o último poema/texto de 2013... ou não)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

doidas... varridas

foto de: A&M ART and Photos

tudo parece desabar
o tecto da sala de jantar cai como pedaços de sonho
desfeitos
irrealizáveis...
tristes os beijos do cansaço
quando a insónia dorme na mão das pétalas doiradas das abelhas em flor
tudo
até o meu cão consegue chorar
e eu
eu não...
tudo parece
os espelhos são-no e não me dou conta da algazarra das vozes entristecidas

doidas...
doidas... varridas

tudo é comestível
a dor
e as lágrimas...
as palavras
e as árvores de rapina
os pássaros com ramos envenenados...
são
são comestíveis e vejo-os na tela da saudade
a dor e as lágrimas...
as palavras
tudo parece desabar...
morrer... como morrem as lágrimas de chorar.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 19 de Dezembro de 2013

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Elas as bailarinas

foto de: A&M ART and Photos

Imaginas-me?
descreve-me como és se ainda não o és
isto é
imaginas-me imaginando caminhar mar adentro
escrever na areia os verbos emagrecidos das pétalas doiradas
descreve-me
e imaginas-me... como um barco que se afoga no Oceano
imaginas-me como um náufrago sufocado com imensas palavras
desenhos
ruas
portas e janelas
e bancos de jardim

Belas
as flores
e os canteiros das intermináveis manhãs de Outono...

Elas
as bailarinas sem sono
imaginas-me?
candeeiros de papel
fios
meias...
cobertores imaginados quando me imaginas...
imaginas-me... deitados
o silêncio entrelaçado na tua mão
o beijo entalado nos teus lábios
imaginas-me?
eu... eu apaixonado?

Belas
as flores
e os canteiros das intermináveis manhãs de Outono...

Imaginas-me sendo o Sol?
mulher criança velho doente?
pigmeu cansado ausente...
sombra árvore e presente
imaginas-me... farto das palavras
dos versos
dos poemas e das... putas
parvas...
traiçoeiras madrugadas
nocturnas drogadas as tílias em chá...
e eu... esperando que me imagines...
… descreve-me como és se ainda não o és.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 18 de Dezembro de2013

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Janelas envenenadas

foto de: A&M ART and Photos

Aqui sei que me esperas como janelas envenenadas
aqui sei que me amas
e desejas
sempre que o cortinado tomba e dele se derrama o líquido chamado de solidão...
aqui tenho-te dentro de mim
aqui sou eu
aqui... aqui somos livres de amar
desejar
possuir esqueletos com asas em papel
e és gira com vestidos de napa
derretida nos límpidos tecidos do teu insignificante corpo encurvado
ao leme o velho monstro de quatro cabeças...

Confessas-me que tens velas de seda
… e desejas tanto o vento como a sombra da minha mão...
vaidosa
pareces uma pomba com sandálias de porcelana
Princesa
invejosa...

Aqui confundo-me com as árvores envelhecidas
onde poisam pássaros recheados de reumatismo
e bicos de papagaio...
aqui sou feliz
aqui
aqui vivo percebendo que a vida é uma roldana
uma velha roda dentada
gasta
sem dentes
sem nada
aqui sei que me esperas como janelas envenenadas
e quando desce a lua sobre os teus seios... apenas oiço o suspiro das calçadas

Aqui já fui o Príncipe das Avenidas gastas
o velho escorpião dos bares nocturnos do prazer
aqui fui o velho marinheiro
o cachimbo de água do confuso poeta escritor aldrabão e impostor...
aqui vivo
e aqui morrerei como uma serpente enrolada no pescoço da saudade

Aqui
aqui... serei o teu cadáver depois de travestido em fúnebre jarra parda com flores plastificadas
cansadas e tristes e aqui...
aqui... perdi-me de ti enquanto voavam as gaivotas dos círios cabelos castanhos da montanha.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 17 de Dezembro de 2013