sábado, 22 de dezembro de 2012

Drageias de pólen


Quatro drageias de pólen embebidas em cianeto
para quatro homens de barro
mergulhados no poço da solidão
sem perceberem

eles
elas
nós

sem perceberem que o vulcão do silêncio morre lentamente
na mão malmequer do jardim abandonado
sem flores
quatro árvores de papel

um condenado
embriagado nas tuas palavras sem janelas para as rimas deixadas sobre a mesa
um prato de sopa
às cabeçadas entre as migalhas de pão
e a cozida cebola
que cintilam pedaços de pálpebras e corações grelhados com molho de paixão

amanhã vai estar frio
tem cuidado...
amanhã vai chover
não te molhes...
e ninguém
e ninguém me avisa quando vem a fome
e me diz
queres um prato com sopa?

uma folha de couve?
não senhor
não oiço
não bebo
não fumo
fodo às vezes quando calha

e quando calha
sou uma drageia de pólen embebida em cianeto
deitada sobre a mesa do pequeno-almoço
à espera
pacientemente
que um louco de barro me coma
e morra
e me leve para a montanha das quatro portas invisíveis.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

A caravela mais linda do oceano

Sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles sumo de laranja com rissóis de camarão, a tarde estava límpida, linda, brilhante, ausente a tua melancolia paixão pelos livros, da vida, e eu

sou uma filha da puta, destruíste-me cansada manhã, à luta, à carga que os costados ainda aguentam, sou burra, de velas arregaçadas até aos ombros, levanta-se o mastro luzidio da paixão, e ela

a caravela mais linda do oceano,

entre curvas e sombras,

e ela às marradas contra a porta de entrada, cinco da manhã, porta encerrada, fui despedida, lia-se na tabuleta míope

por razões de segurança é proibido sonhar,

filhos da puta, pensava eu, miúda da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles, e fizeste de mim

uma mula sem asas,

e fizeste de mim

uma caravela sem velas,

e fizeste de mim

uma puta sem pernas, sem nome, sem jazigo, caixão, cave, ou noite embrião, uma puta solteira, filha do vento, e nasci, e nasci num final de tarde, junto ao Tejo, numa esplanada com cadeiras, uma esplanada com mesas, plastificadas

os ossos, as pernas, as asas, as casas, eu

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

casa sem janelas, um rio sem barcos, ponte, um jardim nu, moribundo, húmido entre as sílabas assassinas da primeira comunhão, que raiva, ódio, não gostava de gravatas, sapatos pontiagudos, e asas, e fatos de pano barato,

o cigano

estás bonito miúdo,

e ela,

sou filha da chuva, sou filha do vento,desculpem-me, ajudem-me, lancem todas as cordas para o mar, e numa fúria de raiva

salvem-me esta puta filha do vento,

uma caravela sem vela, uma puta sem pernas, sem braços, sem cabeça, uma árvore miúda, à lareira, feliz natal ouve ela

salvem-me,

porquê,

o cigano,

que giro, está lindooo,

e eu era lindo quando vestido de pedaços de xisto com laminados de madeira, o serrote em cuecas fugindo corredor fora, o barco enfeitiçado mergulhava nos olhos verdes da puta encarnada manhã de sábado, saí de casa, travesti-me de homem livre, como o vento, pai da puta, que no final de tarde, ouvia os roncos magistrais das bocas ocas e loucas que

o cigano,

que a maré provoca nos corpos quentes,

caliente meu corpo de cetim doirado,

o cigano,

lindooo,

eu sei, eu sei quando me olhava ao espelho,

as vaidades, as paredes guiadas pelas raízes dos finais de Outono, ouviam-se as transpirações das desejosas camas de vinte e cinco euros, à janela, há janela, uma fotografia com um miúdo nos braços do cigano

lindooo,

e eu respondia-lhe que os sapatos pontiagudos me magoavam, e ele

quando começares a voares passa-te, e deixam de doer,

lindooo,

que a maré provoca nos corpos quentes,

caliente meu corpo de cetim doirado,

o cigano,

lindooo,

e gemias, e atravessavas as paredes de porão em porão, descias as escadas até ao ínfimo milímetro de poço, e dizias-me

sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

casa sem janelas,

sou filha do vento, sou filha da chuva, sem braços, sem pernas, sem asas, sou

lindooo,

e nunca mais vi o cigano de camisola azul.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Esquecimento


Sinto-me
sentando-me desesperadamente só
sinto-me não ouvindo o silêncio dos rochedos submersos nas tuas lágrimas
de primavera adormecida
sentando-me
sobre a tua sombra
sinto-me
desesperadamente só
como um pássaro esquecido na copa de uma árvore invisível
sobre a lua
a tua sombra
sinto-me sentando-me desesperadamente só

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Havia música nas tuas mãos de gesso


Cortaste-me a cabeça oca como se eu fosse
(quem será a menina de tranças suspensa na prateleira dos sonhos...)
se eu fosse um comboio sem braços
com muitas poucas pernas de aço
acendias a luz e a noite desaparecia do cais das miseras galinhas chocas
enfadadas pelos atropelos das palavras
parvas
que a marmelada esconde na tigela doirada

cansavas-te curvada na roldana dos dias
quando das noites infernais
com os supositórios de vidro
à espreita agachados os uivos tristes da alvorada
ardiam os jornais
ardiam os orifícios curvilíneos das cancelas do palheiro
havia música nas tuas mãos de gesso
e brincavam

(quem será a menina de tranças suspensa na prateleira dos sonhos...)
será uma ela?
um ele?
coitado
coitada
não me interessam as tranças verdes da espuma que o mar saliva
contra os rochedos da paixão proibida
tristemente eu em pequeníssimas cabeçadas à areia ardida

perdida
tu
eu
perdido
sem tranças
com tranças à janela do vento
sinto
quando me sento

o quê?
Como
porquê?
assim não dá
(quem será a menina de tranças suspensa na prateleira dos sonhos...)
não sei talvez um dia
as asas das gaivotas sejas alegres
como a minha tristemente cabeça oca

(se eu fosse um comboio sem braços
com muitas poucas pernas de aço
acendias a luz e a noite desaparecia do cais das miseras galinhas chocas)

o galinheiro alimentava-se das tuas palavras
doces lábios do doirado orgasmo da tigela louca
descia a ti de ti
a marmelada macia que
cansavas-te curvada na roldana dos dias
quando das noites infernais
com os supositórios de vidro
a janela do teu ciúme abre-se aos beijos dos papagaios de papel.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

P.S.
(cansavas-te curvada na roldana dos dias
quando das noites infernais
com os supositórios de vidro)

As sombras abstractas que a morte inventa

Obviamente não foi embora, e três dias depois, quase noite, encerrou-se dentro de uma caixa de vidro, puxou o cortinado, acendeu o cigarro, e sem hesitar, entre coices e telas em acrílico que tinha acabado de destruir e deitado fora, finou-se, morreu, e só teve tempo de cruzar os braços em abraços, e

sem hesitar,

desapareceu entre as sombras abstractas que a morte inventa no tecto das casas com sótão, escadas em madeira, e janelas sobre as outras casas, também elas, em madeira, e luzes fanadas a outras casas, a água desviada silenciosamente da casa do vizinho, e com duas galinhas, e com alguns coelhos, e poucos

sem hesitar,

galos de crista encarnada, os cornos do peru, as hastes mestras das cabras, as ovelhas em gemidos, e logo temos queijo fresco e legumes, e sandálias de couro com calções de chita, e sem hesitar

obviamente não foi embora, eu

sem hesitar,

desapareci entre as sombras abstractas que a morte inventa, e poucos

porcos de crista encarnada, galos com cornos e perus com asas de papel e hélices em fibra de vidro, e poucos

sem hesitar,

eu

sem hesitar,

desapareci entre as sombras abstractas que a morte inventa, e poucos ou nenhuns pássaros sobre o meu cadáver acetinado, as unhas de gel que a menina do rés-do-chão desenhou nas minhas mãos por vinte aéreos, poucos

eu

sem hesitar,

queria ser como tu, terça-feira disseste-me que não, e agora dizes-me que sim, que há pássaros no quintal à minha espera, e que depois de se extinguirem todas as lâmpadas das mesas de vodka, tu puxas de um cigarro, acendes o cortinado, e em coices desapareces nas telas em acrílico que brincavam na torre de controle do aeroporto da Chã, a pista longínqua, o último grito da aviação comercial, o pássaro Galileu em poucas palavras faz-se à pista, e há pista senhores excelentíssimos passageiros, há pista, os carrinhos de choque

eu

sem hesitar,

aos saltos e pulos e voos pegajosos e nojentos para não acordar a vizinhança pela manhã quando era domingo, e tu, hoje, terça-feira disseste-me que não, e agora vejo-te aos círculos na cama com lençóis de mar, há pista, poisas os pezinhos sobre a almofada, abres em noite de estrelas as asas dos desejos nocturnos, rolas silenciosamente pela pista, há pista, há pista senhores excelentíssimos senhores, à pista encostas as mamas e adquires estabilidade, da torre dizem-te

sem hesitar menina, vento a dez nós, sem hesitar, endireitar o nariz e os lábios, e não esqueça o púbis cansado e aerodinâmico das canções de Natal,

vens bem, pensava eu, enquanto te observava a percorrer a cama pela manhã, vens bem, e aterravas nos meus frágeis braços de alumínio,

obrigado senhores excelentíssimos passageiros,

aos seus destinos,

sem hesitar,

caminhava pelas ruas, puxava do cortinado e acendia o cigarro, sentava-me sobre os fardos de palha que todas as manhãs acordavam à porta do tio Joaquim, há porta, janelas, há janelas nesta casa travestida de sótão?

eu

sem hesitar,

mentia-te, e dizia-te que a pocilga onde vivíamos era um sótão com escadas de madeira, e janelas sobre as outras casas, também elas, em madeira, e luzes fanadas a outras casas, a água desviada silenciosamente da casa do vizinho, e com duas galinhas, e com alguns coelhos, e poucos

sem hesitar,

porcos de crista encarnada, galos com cornos e perus com asas de papel e hélices em fibra de vidro, e poucos,

que tu acreditavas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

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(Os lençóis encarnados do Natal)
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Sapo Angola


quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Gajas de incenso


(a factura: é em seu nome ou em nome do burro?)

Não esqueço
sábado à noite vou entrar em ti
escrever nas tuas entranhas vísceras de primavera
o silêncio
com pingos de chuva
não esqueço
escrever
e as gajas de incenso

mergulhadas no papiro húmido da manhã sem acordarem
vivendo viver o sofrimento amor
não amando
amar
escrever
nas gajas de incenso
as palavras de encantar
que os barcos de sábado à noite

encalham na areia fina dos testículos
que dos tectos descem
os minguados tropeços de saliva
há na boca dele
ela entre parêntesis
abraçada ao ponto final
travessão
vírgula repetição paragem cardíaca ao pequeno-almoço

vírgula
ponto
paragrafo ordinário na tua mão não esquecendo
o calendário
vírgula
ponto final obrigado pela vossa presença
amanhã será outro dia

não esqueço sábado à noite vou entrar em ti
repartir-te em pedacinhos
palavra por palavra
letra por letra
sílaba por sílaba
não esqueço
sábado
quando as fotografias acordarem e dentro de ti eu

absorto
voando nas tuas vísceras entranhas cavidades
de primavera
a primeira classe das florestas virgens
absoluto em zero complexo tu eu nós os três pássaros da miséria
absorto
a primeira música no primeiro poema do primeiro desgosto de amor
não vieste desististe partiste dentro do oceano tua solidão

sábado
esperarei por ti
debaixo da ponte
trago os cigarros a corda de nylon e uma gaivota de esperma
e sei que nas tuas coxas
sábado
os cigarros
míseros sofrimentos que a noite constrói em folhas de papel...

(poema não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Os lençóis encarnados do Natal

Não sabia que te incomodavam as teias de aranha que embrulham alguns dos livros que sepultei na cave, velhos, fora de tempo, moribundos como as pessoas da minha idade, não sabia, desculpa, que te incomodavam

dias depois de mim, descias as escadas e sentavas-te sobre as páginas cansadas e poeirentas da velhíssima encadernação, algumas palavras tuas, dias depois, te incomodavam os inchaços invisíveis que das tuas torrentes mãos alicerçavam as ruas circunflexas que a cidade engole, um copo de cerveja, vodka, qualquer coisa por favor senão morro, morro, como eles, e enterram-me na cave, como eles,

te incomodavam as minhas frágeis carícias, te incomodavam as aventuras do poderosíssimo Pai Natal, de chaminé em chaminé, e finta algumas das clarabóias para não incomodar

que te incomodavam,

os amantes sobre os lençóis encarnados do Natal, que eu, que tu

detesto,

que eu

detesto,

desculpa, não sabia, que te incomodavam as minhas mãos de sabão, desculpa, não sabia, que te incomodavam as minhas orelhas pontiagudas como aqueles sapatos de joguei janela fora, também eles, pontiagudos, e tu

não me ouves, e sentavas-te sobre a velhíssima encadernação de couro, velhíssima como os meus cabelos, cinco por cento são meus, e noventa e cinco por cento

detesto,

que eu,

detesto,

noventa e cinco por cento do fisco, dos credores, e da puta que os pariu, a elas e a eles

as baratas e as teias de aranha, não te importavas, não querias saber, e agora, agora

feliz Natal,

(o caralho)

detesto,

que eu

detesto,

e pergunto-me, e pergunto-te, tu deitavas-te em mim e enrolavas-te nos meus braços

que eu

e os restantes trezentos e sessenta e cinco dias?

detesto,

nos meus braços, não te importavas, não sabias que os sonhos são simples sombras de rochedo que o mar vomita nas noites de insónia, não dormimos, não comemos, apenas jazemos na cave, embrulhados em teias de aranha, sentavas-te sobre mim

feliz Natal,

que eu

detesto,

que tu

detesto,

dias depois de mim, descias as escadas, pegavas numa lanterna, enrolavas-te em mim e silenciosamente folheavas as minhas finíssimas páginas de puro aço, frio, distante, a cave onde eu

detesto,

adormecia com os teus beijos.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

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(Mas ele não é Ateu?)

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mas ele não é Ateu?

(21 de Dezembro de 2012, 02:35 horas)

Não sobrou nada para nós, dizias que ele era um oceano de luz entre quatro paredes de vidro, mas ela não queria acreditar, o fim do mundo?
existe o mundo? Perguntava a minha avó quando subia connosco ao cimo da montanha, e olhando em redor,

tão grande o mundo,

e apenas uns miseres quilómetros quadrados, depois, o mar dentro das jangadas de xisto que deambulavam em circunferências concêntricas até desaparecerem no limite do pôr-do-sol quando o olhar da mulher que vivia no rés-do-chão direito, da rua da alegria, tendia para zero, confundia-se às vezes

mais ou menos infinito,

o fim do mundo espelhado no tecto da igreja abandonada pelas pessoas da aldeia, mentias-me quando chegavas a casa de dizias-me que vinhas da missa, eu, fingia acreditar e pensava

mas ele não é Ateu?

Não, sobrou nada para nós, ouvias-me fingindo que acreditavas em mim, perguntava-te

não acreditas em mim? Sorridentemente dizias-me Claro que sim meu querido amor, claro que sim, tão grande o mundo, as palavras, as azeitonas sobre a mesa da cozinha, completamente sós, abandonadas pelas mãos da minha avó, que subia connosco ao cimo da montanha, e olhando em redor

tão grande o mundo,

tão azul, tão, como diria o meu grande amigo, tão clandestino como as asas dos plátanos, ninguém, entre noites e muros de vedação, ninguém acreditava

acaba agora o mundo...

mas ele não é Ateu?

Claro que é, mas para efeitos normativos, para enganar a mulher, enquanto ela o espera

será que o espera?

Ele faz o sacrifício de todas as noites ir à missa deita-se de barriga para o céu e começa a contar as estrelas, e quando as fotografias da amante começam a colarem-se-lhe no corpo esbranquiçado de incenso, parte, para longe, e chega a casa

desculpa amor, o sacerdote chegou atrasado, e ela não queria acreditar, o fim do mundo?

acaba agora o mundo...

mas ele não é Ateu?

Não é, foi, agora é de todas as crenças, talvez alguns dos outros deuses lhe valham, e o fim do mundo

não acabou, vês meu amor querido,

e sinceramente eu não via nada, pesava-me a cabeça, cambaleava quando entrava em casa, ela esperava-me, ele esperava-me,

só agora, eles para mim,

e logo agora

e sinceramente eu não via nada, pesava-me a cabeça, cambaleava quando entrava em casa, ela esperava-me, ele esperava-me, e logo agora que fiquei sem cigarros, e logo agora

só agora, eles para mim,

a mulher, a amante da mulher, o sacerdote, o sacristão, e eu

Não sobrou nada para nós.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Literatura verdejante


Há dentro de ti
um fluido hidráulico que corre como um rio
alimenta os teus braços
as tuas pernas
os teus ossos engomados
pela complexa geada da noite

tens luzes na tua boca silenciosa
que esconde madrugadas
flores amassadas
incêndios de esperma
janelas encerradas
que não te deixam ver o mar

há dentro de ti
um jardim de terra queimada
capim
mangueiras cobertas de sonhos
e de papagaios de papel
há em ti a literatura verdejante que as mãos do diabo despenharam contra os rochedos da lua

há um homem cego
dentro de ti que habita a paixão
capim
zinco que rodeia a cidade
há uma canção
à espera da tua voz poética e que a chuva miudinha mastiga

e sofre
e engole
manhãs de ti dentro do perfume da maré
caiem docemente as partículas do sono
sem fé
que os teus lábios consomem na lareira do ciúme inventado por um louco

e pouco
muito pouco posso escrever dentro de ti
a não ser
olhar-te como um rio
que corre
e caminha o teu fluido hidráulico que traz a insónia em pedacinhos de cereja...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Gaivotas de papel ou as vertigens sem destino

Anoitecia, e eu sem saber onde te escondias, dormias às vezes debaixo dos beirais, outras, embrulhado em jornais, às vezes procurava-te em cada cama melancólica que a cidade coloca à disposição dos homens, das mulheres, que como tu, vivem, sofrem, amam, desejam ser amados, e dormem num pedaço de chão, às vezes, tantas vezes, da claridade do sono, a fome, o tilintar de esqueletos nas ruas perfumadas pelos bonecos de palha, espantalhos, que guardam as searas dos malvados e infernais pássaros pretos, anoitecia

e sabias que me escondia em pouquíssimos milímetros quadrados de espuma que o mar trazia do outro lado da montanha, o céu era azul, as árvores verdejantes com olhos castanhos, e os cabelos, nos cabelos uma flor encarnada e eram loiros como quando acorda o dia, e depois, redopiam silenciosamente as horas, os minutos, redopiam silenciosamente os segundos, até que um qualquer homem sem destino, acorda, cruza as mãos, e anoitecia, e eu

sem saber escrever,

e eu

sem saber ler,

e eu

sem saber que existias e dormias como os pardais,

e sabias desenhar nas ardósias da infância a liberdade, e voavas, e eu

sem saber fazer contas,

de somar, subtrair, dividir, ou quase sempre de multiplicar, pegava em dois pedacinhos de sofrimento, ela, a professora, multiplicava-os por três medidas de dor, e meu deus, sofrias

até que as malditas lágrimas de sangue desciam do primeiro andar vagabundo e desaguavam junto à ponte que me levava até ao cemitério, a morte é um complicado mistério, efémero destino suspenso pela associação clandestina dos fósforos depois de darem vida a um cachimbo de madeira, o fumo que escorre das tuas veias, e sofrimento, destino, sofrias

em pequeno menino,

sem saber escrever,

e eu

sem saber ler,

e eu

mergulhado nas vertigens que as gaivotas de papel provocam nas manhãs de chocolate, procurava-te

sem saber escrever,


e quase nunca te encontrava, e quase nunca sabia de ti, dias, noites perdidas, em lágrimas de sangue, cimento, a argamassa que crescia no meu rosto de vento encharcado de poeira, sofrimento, e lá fora corrias, dormias em sítios desconcertantes, e eu

sem saber desenhar,

e eu

sem perceber que as tuas mãos tremiam, e dos teus lábios ouviam-se os pingos finíssimos da chuva, as noites, as noite intermináveis, de sono, construídas em folhas de aço e arrebites de insónia, e mesmo assim, eu

esperava por ti.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Cachimbo de Água em destaque no sapo Angola



(Quatro simples palavras)

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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Em sílabas teus seios de marfim


O quarto de mármore fugitivo que a noite deixa cair
sobre o lençol de linho
os sonhos
entre ossos de pedacinhos de ninho
que o coitadinho
passarinho
aliviou quando acordou a madrugada
e desceu sobre ela a morte,

a sala sem lareira
na fúria agonizante que as luzes de néon
desenham nas entranhas paredes da película fina tua pele
e não sei
e não sei se as minhas palavras amargas
são
então hoje dormiste sobre a geada fina da montanha
são as cansadas mágoas sofridas pelas húmidas tuas mãos de tecido,

tu
tu desesperadamente
com o medo da escuridão que os olhos me obrigam a caminhar
sobre ti
a areia amarela da calçada
à janela
tu desesperada mente a paixão Clementina
ciumenta os alicerces do clitóris poemas inventados,

nos poemas murmurados
que ao púbis paixão em versos clandestinos
tu
escreves-me quarta-feira
e a sorte desespera-se em mim
assim
o jardim inválido quando as asas poeirentas das abelhas
na rede cintilante dos pequenos orgasmos das flores em flor,

tudo no chão
o soalho
às cadeiras suspensas nas estantes da cave tua boca
as palavras
há palavras na garganta do pavimento térreo
livros alguns poucos poucas nenhumas em sílabas teus seios de marfim
tudo no chão
as palavras em trinta e um de Dezembro.

(poema não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Quatro simples palavras

Uma gaivota de luz sentenciou-me com quatro simples palavras retiradas de uma caixa espessa que vivia na minha casa, dentro de um espelho, em finais de Setembro, e orgulhosamente escreveu no meu corpo

- quero as tuas lágrimas,

a minha cansada casa ficava na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, vestia-se de branco e flutuava dentro do cacimbo como se fosse um espelho, nuvem, charco de areia finíssima que algumas vezes apareciam, outras, deixava de os ver, eu perguntava-lhe

- as minhas?

Explicava-lhe que nunca as tive, Nunca choraste? Respondia-lhe que não, Não me lembrava, nem sabia o que eram, Caixas Espessas?

- lágrimas

telhas de aço cobriam as cabeças infelizes dos rissóis e dos pasteis de nata, Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa esperavam o regresso da noite, eu perguntava-lhes

- as minhas?

lágrimas, nos carris do eléctrico padeciam as migalhas do silêncio, uma caixa espessa, húmida, e, explicava-lhe que não sabia o que eram lágrimas, ossos, carne apodrecida, não sabia, não sei, nunca vou saber porque caem as árvores no meu quintal, quinta-feira, espelho de morte na minha má grande sorte, nem a lotaria do natal, nem um simples postal, perdão, peço desculpa, em quatro simples palavras de alecrim

- quero as tuas lágrimas,

- também

eu

- as queria, quero-as, todas, aos molhos, as tripas das Marilús e afins estabelecimentos comerciais, vende-se casa dos anos setenta, calças à boca de sino, e elásticos

lágrimas,

- quero

- eu

- as minhas e as tuas

e elásticos à volta do pescoço fino e esguio até entrar dentro das nuvens que via láctea desenhava nos cornos da lua, tu desaparecias à porta da sala de estar, da cozinha chegava até nós o som da lareira prestes a partir para o outro lado da cidade, na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, e em tardes de final de texto via-a

- voava sobre os quintais zincados dos meus amigo pretos,

o cavalo ganhava asas, a minha irmã com um chapéu de flores que embrulhavam-lhe os loiros cabelos poéticos que o meu pai escrevia no tronco de uma mangueira, voava sobre os quintais zincados

- Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa

esfregava os olhos,

- eu,

ela voava,

eu e os meus amigos pretos,

- cansados de olhar o céu,

às vezes,

- poucas

ela adormecia e o cavalo ia até ao mar, depois uma gaivota de luz sentenciava-me com quatro simples palavras

- quero as tuas lágrimas,

lágrimas,

- quero

- eu

as minhas e as tuas,

- pergunto-te

o que são lágrimas em quatro palavras com muitas árvores até encontrarem o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu

chorava, quando o cavalo branco com asas brancas, quando a minha irmã vestida de branco sobre o cavalo branco..., desapareciam em direcção ao mar.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 16 de dezembro de 2012

não sabe ou não quer responder

estão tão distantes, as tuas mãos, de água, lá fora insípidas carruagens de espuma desaguam dentro do silêncio ma mortalidade horária que o jantar provoca em ti, ficas triste, ausente, mente, sem saberes o que fazer depois das larvas clandestinas do sorriso acordarem no teu rosto, estão, tão, tão distantes, as tuas

- as minhas mãos, de água, docemente, mente, lá fora chove, lá fora oiço o rosnar de uma nuvem com cabeça de vidro e braços e pernas, oiço-as, as tuas pequenas frases do caderno de prata, a cigarrilha atulhada de fantasmas cigarros em cadáver desperdiçados na madrugada, oiço-as, lá fora,

verdade, as tuas mandíbulas de aço no pilares circulares da estrutura óssea, abraço-a, abraço-as, todas as palavras tristes, cansadas, docemente camufladas nas árvores cobertas pelo cetim adormecido da neblina que cobre a cidade das andorinhas não sindicalizadas, coitadas, em delírio, apoiadas pelos arames enferrujados das ruas

- como me chamo?

não tens nome, não foste baptizado, não tens religião, partido politico ou pátria, és um falhado, um falhado embrulhado em palavras,

- o chicharro assado na brasa,

embrulhado no jornal de ontem, um barco com nome regressa de longe, sereias e marmelos, (o chicharro assado na brasa), ele suspenso nas minhas mãos

- como me chamo?

- não mãos,

os algerozes indignos da aldeia, o chicharro indigesto, o chicharro assado na brasa e poeirento como um livro de poemas esquecido sobre o peito dela, nas mãos, elas, nós engraçados à espera de uma mesa na esplanada dos sentidos, sentido, ouvia-o, nas caravelas de chocolate servidas num bandeja de madeira, não mãos, ele suspenso nas minhas mãos

- a canja de galinha muito boa, havia música nocturna na cave da Marilú, havia gajas com pedaços de uma sande de torresmos e coiratos, Ai filho vai uma voltinha? O carrossel em tosse e convulsão, a haste limiar do coração da galinha tonta, como me chamo?

não sabe ou não quer responder, escreveu a vítima na parede de silicone que o velho Armindo escondeu nos bolsos das manhãs de inverno, nas minhas mãos, como te chamas? Embrulhado no jornal de ontem, um barco com nome regressa de longe, sereias e marmelos, (o chicharro assado na brasa), ele suspenso nas minhas mãos, coitado do jornal de parede, coitado do chicharro, coitada de mim, só, triste, abandonada, coitada de mim, coitada

- não mãos,

às vezes os poemas emperravam nas engrenagens do carrossel, a haste metálica sumia-se e ninguém, ninguém para me beijar, ela

- um beijo, um simples e único beijo.


(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha