sábado, 15 de dezembro de 2012

Cidade de aço

Abro-o sabendo que do seu interior um pequeno riacho em rodopios transversais brincam no silêncio de um cubo de gelo, a caixa dos sonhos em aspirais complexas, deferido, a ex-mulher de mim descendo a rua financeira do ciúme que as laranjas de S. Mamede de Ribatua sobejam nas clarabóias dos lábios infernais, em flor de sorrisos nocturnos, a amante dela

chupava-te os dedinhos dos pés,

até já meu amor delírio das noites de sábado, abro-o, silencio-me em tua boca o chilrear dos meninos vestidos de pássaros poisados nas árvores das tuas pálpebras adocicadas, até já, volto já, fui, perguntava-lhe onde estavam os pedaços de beijos que de manhã deixei em cima da mesa-de-cabeceira, e a parvalhona

comi-os porquê?

dentro dos cubos de gelo, mergulhava-me e desistia, procuras-me, sobejas-me, laranjas ao pequeno-almoço, perguntava-te porquê

comi-os,

chupava-te os dedinhos dos pés, e não sabia que no cortinado habitavam cerejas, pequeno-almoço recheado de pão com marmelada, recheado de pão com manteiga, doce de abóbora, comia-os, porquê, ontem acreditavas nos sonhos construídos por pequeníssimas palavras, ontem acreditavas no desejo, na garganta do destino, e tu

ensonados nas asas brancas da morte
os pássaros tristemente apaixonados
em busca da sorte nas frestas invisíveis do granito esmigalhado
ensonados
todos os silêncios que habitam nos quartos escuros sem janelas para o mar
quando barcos malvados
de corda ao pescoço
ensonados
enforcados
no profundo poço,

sem nome
com fome
o menino da batina encarnada e calções às mesquinhas
rabugento
o infeliz momento
do tristemente apaixonado
vento lácteo em perfis de cimento
tracejando sombras nos lábios dos travestidos barcos de esferovite
espera impaciente a viagem
que a ponte de aço o leva até à morte,

a boca alaranjada do pirilampo ensanguentado
em palavras de miséria
murmuradas
das mãos tuas jangadas esperadas
matas-te como se o vento fosse uma simples frase de amor
um jardim em flor
sem nome
com fome
o homem
nas cordas ensonados das asas brancas da morte,

e tu desejavas a loucura quando me abraçavas sem me perguntares pelos beijos, deixavas-os obre a mesa-de-cabeceira, deixava-os e eu olhava-os, tocava-lhes ao de leve, sentia-os dentro do meu peito

os cubos de gelo?

dentro do meu peito os olhos da cidade de aço à minha procura, procuras-me, escondo-me de ti, escondo-me das árvores, dos pássaros, dos barcos

um jardim em flor,
sem nome
com fome

os homem das cordas de vidro,

sabia-o e abria-o, sabia-o e abria-o mas quis o destino que o amor da minha vida fosse de plástico, e vivesse sobre uma mesa-de-cabeceira, longe, algures entre um vão de escada e a porta de acesso ao teu corpo emagrecido pela lentidão dos gemidos das cobras

nas cordas,

hoje imagino-te, não sei, como, a ex-mulher dela amante do meu ex-patrão, cunhado do meu irmão, e tio da minha filha, hoje imagino-te nos alicerces da desgraça, um pedaço de pão, um punhado de trigo, hoje procuras-me, fujo, escondo-me, de ti, dela, de vós, ontem eu percebia-me, tinhas nos olhos um ramos de crisântemos, mas hoje

hoje, os homens das cordas de vidro, sós, entre paredes e degraus, no telhado as infindáveis curvas de linho, lençóis e pimenta, hoje, os homens

comi-os porquê?

os homens do eléctrico galgado paralelepípedos acanhados, gajas desejando devorar livros e papeis de parede, janelas sem olhos sobre a desgraçada cidade de aço, flores moribundas, amenas, anãs algumas, comi-os porquê? Por nada meu amor, a amante dela

dentro do meu peito os olhos da cidade de aço à minha procura, procuras-me, escondo-me de ti, escondo-me das árvores, dos pássaros, dos barcos, as azuis cuecas de iodo que o mar transpirou enquanto as tuas mãos caminhavam no interior de mim, quase natal, quase, e procuras-me em todos os cubos de gelo, em todas as quatro paredes da insónia,

os homens, sem olhos sobre a desgraçada cidade de aço com vultos amarelos, sujos, imundos, longínquos, Porquê?

ontem apeteciam-me, os teus dedos,

e tu, às vezes, muitas poucas, por nada, os homens, de mão dada, há em ti uma boca desejada, há em ti lábios de pérola adormecida, sem madrugada, sem comida, há em ti, em ti há caramelos Espanhóis e cigarros ciganos, tracejando o pechisbeque amor na feira da ladra, um velho procura-me, um velho deseja-me, e eu

e eu, eu uma mulher apetecível solitariamente a ver os barcos, imagino-te, procura-me, desgraçada cidade de aço, sem braços, com beijos desperdiçados, esquecidos sobre a mesa-de-cabeceira, olá menina Catarina, Olá menina Adosinda, Olá querida amada Cidália,

comi-os, todos,

e procuras-me.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

vento lácteo em perfis de cimento


ensonados nas asas brancas da morte
os pássaros tristemente apaixonados
em busca da sorte nas frestas invisíveis do granito esmigalhado
ensonados
todos os silêncios que habitam nos quartos escuros sem janelas para o mar
quando barcos malvados
de corda ao pescoço
ensonados
enforcados
no profundo poço,

sem nome
com fome
o menino da batina encarnada e calções às mesquinhas
rabugento
o infeliz momento
do tristemente apaixonado
vento lácteo em perfis de cimento
tracejando sombras nos lábios dos travestidos barcos de esferovite
espera impaciente a viagem
que a ponte de aço o leva até à morte,

a boca alaranjada do pirilampo ensanguentado
em palavras de miséria
murmuradas
das mãos tuas jangadas esperadas
matas-te como se o vento fosse uma simples frase de amor
um jardim em flor
sem nome
com fome
o homem
nas cordas ensonados das asas brancas da morte.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Escondei-vos de mim louco homem do poço da morte

Um sofá de nádegas amachucadas, espera-me, absorve-me talvez, quando eu regressar e dentro de casa o silêncio de luz amovível de tecto em tecto, sem cortinados, elas, as janelas, todas as madrugadas, elas, agachadas e sobrevoando o capim da solidão, deixo fugir o sono, desce sobre nós a insónia disfarçada de homem com lâmpadas de iodo na cabeça poeirenta, nobre a cancela do jardim de estrelas, de madeira, pregos enlatados dos primeiros versos que o mar desfez contra os rochedos das algas moribundas, que nem o coração engole, friamente, as línguas ásperas do desejo que elas, embrulhadas nas manhãs de doces madrugadas, a falsidade, o ódio das palavras inscritas nos pedaços de cartão, onde me deito, Cuidado Frágil, e sinto os meus ossos na ferrugem embalsamada dos lábios das gaivotas, elas, as janelas, embalsamada e embrulhadas no cetim alumínio que me ofuscam os olhos de fome, sinto-as em gemidos absortos, mortas de fome, sinto-as aos gritos, em gritos, todas, malditas escotilhas a que chamam de janelas infinitas, velhas, mortas, vidros, buracos, o amor dentro delas, do ranger de um sofá de nádegas amachucadas, uma delas questiona-me

- amas-me?

talvez um dias as escotilhas sejam de papel e as árvores

- que têm as árvores?

velhas, cansadas, elas, janelas com fotografias para os telhados do poço da morte, um doido em círculos apertadíssimos

- doem-me os pés, doem-me os joelhos e todos os parafusos do divã,

- desculpa meu amor,

as árvores

- que têm as árvores?

apertadíssimos todos, quando lá fora as árvores de papel tombam sobrevoando o capim, a tua saia de cetim alumínio solta-se, embate nas rochas, e as tuas magras coxas saltitando na tela pendurada no corredor, sinto o acrílico teu púbis em tons de azul, parece, aparece o mar vestido de mulher, vocês amachucadas, amam-se, desejam-se, como a chuva quando cai nas poeiras cinzentas a lareira assassinada pelo vento de incenso,

- talvez um dias as escotilhas sejam de papel e as árvores com coração de xisto, farto-me, desisto, talvez um dia as escotilhas do sonho sejam simples marés de fim-de-semana, a casa junto à praia, a luz desligada desde que partiste para as longínquas léguas de areia, um poço, da morte, um louco homem fingindo círculos de luz nos carris amassados que os comboios engolem antes de caminharem rumo ao Douro, socalcos, pedras, tonturas de amêndoa com chocolate em overdose, doce, doce as nuvens que transportas nos seios de amendoim, e matas os poemas

matas os poemas enquanto olhas para as sílabas de amoreira que a tarde deixou cair quando regressava dos teus abraços, meu amor

- amachucadas, elas, na cama, amachucadas amam-se, amas-me?

um dia, em outro dia novo com novo texto,

- matas os poemas, olhas para as sílabas de amoreira, um novo texto nasce no teu peito de noite sem sono, tomas as drageias, escotilhas, todas mortas, escondei-vos nas coxas dormentes das asas sem destino, amachucadas

as árvores e os rochedos e os cadáveres das folhas insignificantes onde escrevias as madeixas loiras dos dias quando eras amante das garrafas de vodka, caias sobre as sombras inventadas pelo louco homem do poço da morte, sobrevoando docemente o capim, amachucadas

- as nádegas de um velho sofá.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em destaque



Blogue Cachimbo de Água em destaque

(Medo do Medo)



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Guilhotina amovível com o ponteiro dos segundos bem afiado

Poucas coisas me importam,
não me importando sequer que um rio de sumo de laranja corra na minha aldeia, não me importando sequer que metade de uma laranja que com o seu sumo serviu para alimentar o rio que corre na minha aldeia, não me importando sequer que eu viva numa aldeia, não me importando que eu habite numa cabana longe da minha aldeia, no cimo da montanha, poucas coisas me importam

- o meu filho deixou de se importar com as sombras dos pinheiros de Carvalhais, o meu filho deixou de se importar com a eira de Carvalhais, onde se sentava sobre as lajes graníticas a ouvir o telintar dos pássaros dentro da sombra dos pinheiros, o meu filho, que deus o tenha, deixou de se importar com os livros e com as coisas, que coisas mãe?, coisas tuas, coisas minhas, coisas dos teus irmãos, coisas que ficaram na eira de Carvalhais, onde estão os meus irmãos?, coisas, coisas dele,

coisas que pouco me importam, importo-me com a noite e com a cidade arrumada e sempre com os lençóis esticados, importando-me importo-me com as laranjas que depois do sumo são o rio onde me sento no final da tarde a contar as traineiras que vêm e vão, subtraio as que não regressaram, e também eu

- não quero regressar, e nunca gostei de relógios de pulso, de relógios de parede, das igrejas com relógios e sinos, e detesto os relógios de sol, e se eu pudesse

sempre noite, sempre geada, sempre uma cidade incendiada pela saudade dos arrepios que o vento transporta do outro lado da ravina, a ponte em madeira está doente, caquética, precisa de drageias para adormecer e de vitaminas para engordar, está grávida, dizem que é uma menina e deve, possivelmente, talvez

- nascer em Janeiro,

talvez de vitaminas, radiografias ao pulmão esquerdo, o senhor está uma lastima, eu doutor? Não o vizinho do terceiro esquerdo, claro que é o senhor,

- nascerá em Janeiro, parabéns,

mas eu bem doutor, deve ser engano, só pode ser engano, até engordei

- estás mais gordo meu querido filho,

vê? Percebe agora porque poucas coisas me importam? Coisas que pouco me importam, importo-me com a noite e com a cidade arrumada e sempre com os lençóis esticados, importando importo-me com os pinheiros adormecidos em Carvalhais e extintos com a passagem das horas

- percebe agora porque detesto todos os relógios doutor? Não sei, talvez, o pior é respirar, dói-me Às vezes, outras importo-me com o sumo de laranja da metade da laranja esquartejada pelas mãos da minha mãe, Queres com açúcar?, e os meus irmãos, não percebo, percebo, fugiram, morreram, desertaram antes de nascerem, abaixo-assinado, nós os filhos da mãe

vê doutor, o que será deste desgraçado sem mim...

- importo-me não me importando que as letras se vistam de números, e depois em relógios, um livro transformar-se-há em guilhotina amovível com o ponteiro dos segundos bem afiado, e afianço-lhe dona Amélia que o seu menino está bem dos pulmões, algumas drageias e nada de relógios de pulso, nada, absolutamente nada, abstinência de relógios, e lá um copito às refeições tudo bem, não é importante,

vê doutor, o que será deste desgraçado sem mim...

- mas eu bem doutor, deve ser engano, só pode ser engano, até engordei

diz-lhe mãe!,

- não me importo mas importo-me com as acácias sem dono que caminham durante a noite na cidade proibida, não me importando mas importo-me que amanhã tenhas lágrimas nos teus olhos, porque quando os meus irmãos desaparecem depois de cair a noite, a dona Amélia

diz-lhe mãe!,

- vê doutor, o que será deste desgraçado sem mim...

cuidado com os relógios, principalmente os de pulso.


(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Medo do medo

Talvez fosse meia-noite em mim, e os teus olhos diziam-me

- eles já chegaram, e juro que não percebia o que eles me queriam dizer, Quem chegou meus queridos olhos?, os óculos chegaram, os escuros ou os de ver ao perto?, ambos, lá fora desejavam-se círculos de luz com bolas de sabão, e ela continuava Eles já chegaram, e talvez meia-noite,

em mim,
acreditava que das pequenas árvores guardiãs da montanha um par de mãos sobrevivesse à tímida geada das noites passadas ao leme de lareira acesa, francamente juro que não percebia o que eles me queriam dizer, em mim, o livro adormecido em sonhos inconstantes ressonavam nas minhas mãos de Inverno rigoroso, frio, lá fora, cá dentro, em mim, os sonhos dela desenhados nos telhados zincados dos musseques, quando no final da tarde, vagueavam as sombras dos mortos, das plantas mortas, restos de árvore sem perceber

- o que eles me queriam dizer, Quem chegou meus queridos olhos?,

e poucas, às vezes nenhumas, palavras, Não vais almoçar rapaz?, não ter fome patrão, e eu tinha sempre fome, hoje, ontem, amanhã, sempre a mesma fome, sempre o mesmo silêncio nas paredes ressequidas das nádegas embrionárias dos desenhos, sem perceber

- eles chegaram e vão comer-te, e eu, eu todo contente, eu feliz, finalmente vou ser engolido por um bicho enorme, feroz, malvado, talvez seja o mar desabafava contra o candeeiro suspenso no Hall de entrada depois de muito esforço atravessar o corredor da solidão,

às vezes, e poucas, quase nada dentro de mim, um ténue fio de aço que me prendia ao cais de madeira e não me deixava voar, eu queria voar, eles nunca mo permitiram, covardes, montes de merda com olhos de prata, as sombras dos mortos, das plantas mortas, restos de árvore sem perceber que o medo mata as pessoas, e que os homens como eu não morrem de medo, não têm medo, os homens como eu emagrecem com o medo, e desaparecem

- eles chegaram,

e desabafava com as jangadas tristes das tardes miseras onde se ouviam, ali, além, poucas vezes, aqui, as cobras de sete cabeças com pernas de gesso que aos poucos subiam a montanha, em mim, acreditava que das pequenas árvores guardiãs da montanha um par de mãos sobrevivesse à tímida geada das noites passadas ao leme de lareira acesa, francamente

- menino Francisco,

nunca tive medo do medo.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

sacias-me enquanto se escrevem as palavras

sacias-me?, das palavras ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em cores agoniadas, ele, ela, das palavras

sacias-me enquanto se escrevem as palavras nos olhos tuas mamas de pétala encarnada, sacias-me, pouco, ou nada, a vida engraçada, o prato de sopa recheado com migalhas de nada, fundeado em ti os petroleiros submersos no teu querido peito de marinheiro abandonado, das

palavras, ele, ela, coleccionavas árvores e arbustos, e janelas e portas e ruas e edifícios velhos, velhos os sonhos do menino sem casa, velhos os meandros sufocos das esplanadas a pilhas, a bailarina entre paredes e pincéis, desenvergonhadamente quando me saciavas as mãos com doce de abobora e beijos de alecrim, o João saltitava nos paralelepípedos das velhas avenidas com barcos em madeira estacionados, às vezes

cansados, dizias-me tu, farto da vida, dos dias sem dias, eu, tu, ela, todas as palavras sem palavras, as donzelas, belas às janelas, malvadas cansados, todos, nenhuns, porque a vida construiu para nós uma jangada de xisto com sabor a verniz de sílaba doentia, vinha a tia, e cinco coroas cresciam entre os meus dedos de vime sem..., donzelas, belas, velas, dizias-me tu, eu estou farto da vida, dos automóveis com ar-condicionado, estou farto das casas com paredes interiores e escadas para os sótãos da infância, estou farto dizias-me tu das cadeiras em madeira, pobres, poucas, miseráveis, nobres bandeiras, poucas, às vezes, afáveis,

e às vezes bastava-me um sonífero beijo nas pálpebras de linho embebido em insónia, as nocturnas vidas que um homem desenha nas margens de um rio sem nome, sem dono, sem mar para o abraçar, como eu, como tu, dois distantes troncos de madeira à deriva numa rua da cidade, sem saída, a noite, afáveis, entre pincéis e palavras de susto adormecido, eu, tu, ela, nós, nós correndo sobre a ponte de aço e lá longe deus à nossa espera, as algas dissipadas nas vozes do empregado do snak-bar

dois pregos para três, um deles sem alho, e ouvia-o É esquisito o gajo, não eu, o outro, ele,

sacias-me?, das palavras ocupadas, tristemente solitárias, abandonadas, de nuvem em nuvem em cores agoniadas, ele, ela, das palavras parvas que escrevo sem perceber que ninguém lê, sem perceber que tu odeias, que ele odeia, que nós, eu, e tu, e ele, odiamos vivamente como odiamos as

desculpe o meu é bem passado,

odiamos não odiar, tínhamos combinado no pacto que continuaríamos felizes para sempre, tudo mentira, tudo falso, não há felicidade eterna, não há vida eterna, nem cadeiras eternas, e os pregos

então esses pregos Manel?,

desculpe o

não importa, sem alho,

detesto-o, odeio-o, quando entra em mim como se tratasse apenas de uma simples picada de insecto invisível, misturado no refogado, horrível, mastigar o sabor desprezível do alho, da cebola, e de toda a porcaria enlatada com sabor a merda,

então esses pregos Manel?,

o teu primeiro beijo

o que tem?,

enlatado dentro de um livro, uma rosa em esqueleto, e depois?, gostas dele?, o teu primeiro beijo a esquadro e régua, tinta da china, papel cavalinho, e eu estava lá, e eu pegava na tua mão de cereja, olhava-o e ele parecia o crucifixo da tia Adosinda nas fendas do gesso que as lápides deixavam cair do canto dos lábios, voavas nos meus braços, e percebias que o amor

o que tem?

que o amor

então esses pregos Manel?,

que o amor é uma rosa envenenada e com pintinhas brancas e que às vezes o vento leva-a e nunca mais se vê.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

E Setembro um barco em regresso

Não te sentes, desculpa?, proibido fumar ou foguear ou todas as coisas terminadas em AR, o café está amargo, poucas coisas sobrevivem às tuas mãos, os cigarros, as orelhas postiças dos animais de brincar, desculpa?, não te sentes, e hoje o café não DELTA, e hoje não, não te sentes, circula, corre, caminha, veste-te de vento e vai até às nuvens de fumo, faz-te homem meu rapaz, faz-te homem

- tantas vezes o ouvi, tantas vezes, e no entanto as perdizes livres como as árvores nas planícies junto ao mar, proibido, proibido morrer, e o beijos, hoje, amargos, não DELTA,

faz-te de homem porque lá fora, da rua, os animais perdidos na cidade inventada pelos silêncios heterossexuais das navalhas de prata, coisas pouco belas, algumas até, horríveis como as luzes dos carrinhos de choque que todos os anos estacionam junto ao lago da miséria, os pássaros perderam as asas e as abelhas hoje são doutoras, os barcos enferrujados e que passavam as terdes no cais da desgraça, hoje

- hoje não DELTA, o café amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis noites sem dormir,

desculpa?, proibido fumar ou foguear, ouvia-o, tantas vezes, algumas vezes, coisas, loiças de porcelana, pulseiras de marfim, dentes de carneiro, e cornos sem fim, palavras, difíceis de engolir, quando a fome entra nos orifícios cinzentos das marés de Setembro, o barco gigantesco faz-se à vida, aproxima-se em pequeníssimas apalpadelas, e aqui, e ali, debaixo de uma ponte de ferro, a criança descobre o amor quando vê dois corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas transversais da colmeia, e são doirados, lindos, os olhos de Lisboa à noite, ouvia-o

- hoje,

e deixamos de o ouvir quando o barco se amarrou aos cais e as abelhas cor de mel desceram silenciosamente até perderem numa pensão de meia-tigela esquecida numa ruela sem janelas, árvores, gaivotas, velas, esquecida numa ruela sem jornais, cortinados, velhas e velhos de chocolate com mãos de açúcar, e hoje

- hoje não DELTA, o café amargo, cintilações de silicone suspensas nas difíceis noites sem dormir, e hoje os barcos enferrujados, velhos, apodrecidos, os barcos enferrujados e que passavam as terdes no cais da desgraça, hoje, hoje também são doutores, ouvia-o

desculpa?

- quantas horas tens de mar? ouvia-o,

desculpa?, muitos dias, noites e marés, não falando nas noites de descanso vividas em longínquas coxas de oiro, e púbis de cetim, desculpa?, ouvia-o

- estás licenciado, por equivalência és doutor, também

e pela primeira vez na vida o miúdo percebeu o que era o amor, a paixão, Lisboa à noite, e apetece-me recordar e escrever (Lisboa há noite), ninguém sobrevive ao medo das calçadas que terminam no rio, ouvia-o, faz-te de homem porque lá fora, da rua, os animais perdidos na cidade inventada pelos silêncios heterossexuais das navalhas de prata, coisas pouco belas, algumas até, outras não, e eu inventava-me de homem, comprei um fato e uma gravata, e sapatos pontiagudos, estás lindo

- perfeito meu querido, perfeito,

e eu tal como os barcos, também doutor, por equivalência,

- a carta de marinheiro,

e Setembro foi sempre um barco que regressava de longe, um miúdo que descobria o amor, dois corações de vidro loucamente entrelaçados como se fossem dois fios de arame, os calções desciam, desciam, desciam pelas escadas transversais da colmeia, e um paspalho qualquer aos gritos

- Lisboa, Lisboa, Lisboa.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha


Em destaque no Sapo Angola

Cachimbo de Água

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Jardins de fósforo

Tudo branquinho, e frio, o café moliceiro que os nervos de arame rompem o esqueleto ensonado, a cama, chama, a cama brincando no soalho zarolho, áridos, cansados cobertores, as cartas de amor, nas árvores aos jardins de fósforo depois do suicídio das flores coloridas, o equilíbrio, e frio

- e frio, o café moliceiro que os nervos de arame rompem o esqueleto ensonado,

a tenda de circo, o sufoco, a trapezista, dias e dias de sufoco quarta-feira à noitinha depois de grandiosas amarguras, e frio, está bem meu amor, mais cansado, que o comboio das dezoito e trinta, chegavas a Belém como um figurante e escondias-te entre os carros invisíveis que flutuavam sobre os cachimbos de névoa, traineiras, olhos de vidro, cabeleiras postiças e pulseiras de pechisbeque, teus, corações de cereja, e sempre acreditei que no teu peito habitava uma gaivota embalsamada,

- hoje cansei-me, hoje

acordavas de manhã, mal percebias que ele existia na tua cama de sofrimento, vivias nas ressacas e nos caranguejos entre pernas partidas e alicates de silêncio

- hoje cansei-me, hoje nem um beijo na face oculta do meu cadáver,

e dizias-me que o silêncio construía ruas desertas com casas desertas com homens desertos, e camelos muitos, a areia das palavras distribuídas pelas algibeiras de sucesso, doutores, engenheiros, sacerdotes, e mendigos, bêbados que a noite, e escondias-te, que a noite e escondias-te debaixo dos meus braços, gritavas alto, estremecias todo o prédio, não dormias, tinhas suores e diarreia, e vómitos, e todos os vidros das tuas janelas se partiam com a alvorada,

- hoje cansei-me, hoje a madrugada,

acordavas de manhã, mal percebias que ele existia

- hoje cansei-me,

que ele existia e vivia, que ele amava e sentia, a doçura melancólica das cerejas com chocolate, colocavas uma venda nos olhos, calçavas as luvas de cabedal, e em pequenas caricias percorrias cada milímetro quadrado do meu corpo bibliotecário, prateleira por prateleira, livro por livro

- sinto-te dentro de mim com todas as letras do alfabeto, sinto-te com todas as palavras, sinto-te em mim de mim como quando caiem lá fora as finas partículas de desejo, sinto-te, sinto-te vestida de noite, sinto-te em círculos negros com algas e vapores de iodo, e hoje cansei-me, hoje a madrugada, que ela existia,

por livro, pegavas num qualquer aleatoriamente, abrias-lo, folheavas-lo, e não percebias que o livro era eu e que

- hoje a madrugada,

era eu que pintava o céu de azul e desenhava as ondas no mar, ouvia-te longitudinalmente

- não acredito,

e podes acreditar, na raiz quadrada, nas equações do segundo grau, e podes acreditar que tudo branquinho, e frio, o café moliceiro que os nervos de arame rompem o esqueleto ensonado, a cama, chama, a cama brincando no soalho zarolho, áridos, cansados cobertores, as cartas de amor, beijos, hoje a madrugada disfarçada de geometria, ao pequeno-almoço um prato de letria, e ouvia-se o mar sobre a mesa estacionada na cozinha,
todo o prédio estremecia, um vento cinzento apagava a lareira com finas pétalas de vidro, o cheiro intenso a morte, a barcos, a rosas antes de tu as pintares e as depositares no interior de um desgraçado livro, coitado dele, tenho pena da solidão dos livros, sinto-te enfeitada com folhas de roseira e picos de medo, na cozinha, derretiam as sílabas dos gemidos lamentos dos teus difíceis diálogos em finais de tarde, e a tuas queridas irmãs

- hoje cansamos-nos, hoje a madrugada, e ternamente aborrecidas com as mãos dos delatores sexos que o inverno congela nas prateleiras

e as tuas queridas irmãs,

- nas prateleiras que todos os prédios em ressaca têm sobre os ombros ossudos e dos vestígios do alumínio em rolos de dez metros, filamentos de frio, o café moliceiro, e nem os teus lábios na despedida das quatro janelas com vidros do loiro cabelo quando ao acordares abraçavas um qualquer transeunte em direcção à outra margem,

e as tuas queridas irmãs, gritavas alto, estremecias todo o prédio, não dormias, tinhas suores e diarreia, e vómitos, e todos os vidros das tuas janelas se partiam com a alvorada, e todos os vidros das tuas janelas morreram.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

as margens métricas das mortalhas

nunca percebi quem foste, ontem sabia-te perdidamente esquecida numa prateleira lá de casa, na biblioteca, ou na despensa, talvez na casa de banho, sabia-te perpendicular ao sol quando o granito envelhecido, de bengala na mão, descia a montanha, descia vagarosamente até à clareira circular das nuvens mistas entre o amarelo e o verde garrafa, sobre a mesa a vodka esperava pela tua chegada, a amada quem foste, ontem, madrugada sem leme, madrugada da candeia cerrada como os troncos de madeira, à noitinha, muito, muito devagar, entras na cozinha, acendes a luz do silêncio, talvez numa das prateleiras da garagem, muito devagar, os miúdos em calções às voltas com um triciclo enferrujado, triste, elas, as mangueiras embalsamadas dos primeiros orgasmos inventados quando do capim se ouviam gemidos e uivos de borboleta, até que a morte os separe

hoje não, nunca, nunca percebi quem foste, sabia-te perdidamente esquecida dentro de uma lata vazia de qualquer conserva que tu conversavas agarrado ao cigarro indigesto, fumavas-lo sem perceberes que eu existia no quinto andar esquerdo, com quatro janelas e uma porta de entrada, tinhas sono, parecias um mono, um vagabundo, sujo, imundo, e, e hoje, quem foste, como serás hoje em frente ao espelho da pensão Josefina, velha moribunda, rabugenta, esfomeada,

e nem a morte nos consegue separar,

ouviste-me? lembras-te das minhas mãos de insónia? e depois, e depois do sono vaguear sobre o pénis da cidade, madrugadas, fúrias, beijos, beijos que nem a morte consegue separar,

desequilibras-te sobre o arame do desejo

e nem a morte nos consegue separar,

quando o circo aparece dentro do esófago, perdão, sarcófago de verga junto à lareira eu deitado nas tuas pernas, orgias de livros, os meus livros com os teus livros, eu e tu, nós, as sombras construídas nas azinhagas do ciúme

e nem a morte

separa as orgias invisíveis dos nossos livros, ouviste-me? lembras-te das minhas mãos de insónia? e depois, e depois do sono vaguear sobre o pénis da cidade, madrugadas, fúrias, beijos, beijos que nem a morte consegue separar, a morte, separa, acabam-se-me as pilhas, e a cidade, a cidade? qual é a tua cidade meu amor?

nunca percebi quem foste, ontem sabia-te perdidamente esquecida numa prateleira lá de casa, na biblioteca, ou na despensa, talvez na casa de banho, sabia-te perpendicular ao sol quando o granito envelhecido, de bengala na mão, descia a montanha, descia vagarosamente até à clareira circular das nuvens mistas entre o amarelo, o castanho, e o eterno azul marinho quando terça-feira aparece sobre a tua mesa na cozinha, ouves Deus, ouves Deus a falar dele enamorado, ele, não ele, o outro ele, ela distraidamente sentada no muro em paixão, os códigos secretos, um simples olhar

e nem a morte,

um simples olhar na janela dos sonhos e uma carta esquecida, querida, apaixonadamente perdida na prateleira, querida Josefina e nem a morte, e as tuas mãos, e os teus seios no vão de escada da pensão, escadas, cobertores e espelhos, corrimão de madeira, querida, minha quinta-feira Josefina das tardes de incenso, perdi-me, sabia-te esquecida. Perdidamente perdida, os mimos, os nossos livros juntos, felizes, em orgias nocturnas, fúteis

e nem a morte nos consegue separar, qual é a tua cidade meu amor? como são as tuas mãos meu amor? e os barcos meu amor tua boca?

fúteis as margens métricas das mortalhas, os canalhas, quando as muralhas incendeiam as faces ocultas dos planetas submersos nas candeias, a boca, língua, suspensos na genial loucura da geada, o inverno, o frio, o miúdo em calções à sombra de uma mangueira inventando papagaios de metal com cordéis de espuma, do destino

tua boca, nossa língua, às lâmpadas do sorriso,

infinito, será? do destino metamorfoseado pelas árvores de papel que brincam no jardim do quarto enfeitiçado, a loucura, quatro paredes, uma janela, grades de medo que escondem os plátanos brancos como a cal, diarreia, vómitos, frio, frio muito, e o medo em cada esquina de luz, infinito, será? às lâmpadas do sorriso

(amada quem foste, ontem, madrugada sem leme, madrugada da candeia cerrada como os troncos de madeira, à noitinha, muito, muito devagar, entras na cozinha, acendes a luz do silêncio, talvez numa das prateleiras da garagem, muito devagar?)

às lâmpadas

do sorriso teus lábios quando escrevem no meu peito

amo-te,

às lâmpadas o uniforme pó de arroz nas sobrancelhas de algodão que a cidade, que a noite, que os nossos livros em desejo, amo-te

no meu peito,

às lâmpadas.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Dezembro como tu


Dezembro como tu
à procura do mar tranquilo que embrulha a cidade e o rio
Dezembro num finíssimo esqueleto de frio
como eu ou como tu
que somos duas luzes de néon
saciadas pelas palavras da cidade
Dezembro
Dezembro no teu ventre anunciado,

húmido
farto das barcaças sem destino
cansado
ele
eu
ele e eu semeados na brancura
espuma
que o vento dissimila nas árvores clandestinas do prazer,

Dezembro como tu
míngua esplanada do silêncio
sílabas tontas nas palavras embriagadas
Dezembro
ele
eu
ele e eu e tu
duas luzes de néon e uma noite à janela dos velhos trapos de xisto,

desisto
insisto
Dezembro como tu
saciando melancolicamente as tuas nádegas de inverno
Dezembro
não me lembro
recordo e não regresso
aos desejos fúteis do carrossel de aço com palhaços de gesso,

eu
ele
tu
Dezembro com eu
eu que não mereço
esqueço
a paixão das belas carnívoras mãos que habitam como tu
em Dezembro.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

domingo, 9 de dezembro de 2012

Kamasutra doce da poesia

A espuma de luz dos teus olhos navegar, do nobre silêncio as palavras defecadas nos parágrafos em migalhas que as andorinhas comem antes de adormecerem, desligam-se todas as luzes da cidade, e acordam dentro das candeias de sofrimentos as tão temidas noites de insónia, oiço o perfume amorfo da tua língua, miúda traquina, saltitando de linha em linha, a virgula, a virgula decepada vê mergulhar a cabeça da agulha no finíssimo pano que é a tua pele em suor moribundo, as coisas que preciso de ouvir da tua boca, das tuas mãos, dos teus lábios, sinceros, ponto final, termino, indeciso-me, não sei, talvez não, como se fosses um livro, de espuma, de luz

olhos navegar, as cartas em despedida, rompem-se-me as águas lacrimais quando no espelho da solidão, vejo as tuas mãos nos doces braços, fazem-me falta as caricias de aço inoxidável dos cigarros quando fumávamos debaixo dos candeeiros virados para o Tejo, de espuma, de luz, doze cadeiras de vidro esperam doze homens de madeira prensada, doze pratos, doze guardanapos, doze cigarros com olhos verdes, lindos, lilases, as árvores do teu jardim,

talvez não, em suor moribundo, sinceros olhos de verniz sobre uma tela de desejo, Deus, Deus nos finíssimos sofrimentos infinitos bares encerrados para obras, pedimos desculpa pelo incómodo reabrimos brevemente, faliu, pariu, como se fosses um livro

eu um livro? Que livro? Gostava que fosses o Kamasutra doce da poesia percebes?, eu um livro? que livro meu querido? Amassadura da poesia? Não meu querido, não, gostava que fosses o Kamasutra doce da poesia percebes? Não, não percebo, desculpa, nunca percebo o que me dizem, disseram, querem-me dizer e eu recuso-me a ser, ouvir, caminhar, vestir-me de janela enfeitada com luzinhas, ignoro-o, não gostava. O presépio, apaixonado, detesto-o a ele, o livro invisível das noites em jejum, pão, água, cigarros com olhos verdes, lindooos

não sei,

lindos, todos, os poemas dos teus olhos navegar

sei lá,

lindos, todos, os poemas dos teus olhos navegar quando o corredor de acesso ao teu púbis, perdão, com licença, virgula, travessão, parágrafo, quando o corredor de acesso ao teu púbis voa sobre as oliveiras dos gemidos uis e ais da tua janela além mar, vestes-te de barco, puxas um cigarro (com olhos verdes lindooos) e finges orgasmos nas searas húmidas do Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas horas e aterramos no Algarve, um praia deserta, em silêncio, morta, os grunhidos que as nuvens desenham na areia do Mussulo, não demoro meu querido, é ir e vir, fui, regressei aos teus braços de aço inoxidável que

lindos, lindos, lindos

sei lá,

poucas coisas aprendi em ti ontem dentro dos buracos os poemas dos teus olhos navegar, acho eu meu querido, talvez um dia, talvez, regressarei aos poucos marasmo que prendem as minhas pernas aos rochedos da miséria, serei marinheiro, pegarei no teu leme e levar-te-ei para longínquas paragens verdejantes de acrílicos ensonados, cubro-te com um pedacinho de caricia e a tua face vermelha escreve-se nas paredes

lindos, todos, os poemas dos teus olhos navegar,

sei lá, nas paredes quadráticas que os esqueletos dos doze homens de madeira, cachimbos, muitos, triste por ti, por nós, alguém se esqueceu dos nossos desejos sobre a mesa-de-cabeceira, o pequeno-almoço derrete-se sobre as tuas nádegas cinzentas, e eu, e tu, nós loucamente no corredor de acesso ao teu púbis, e finges orgasmos nas searas húmidas do Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas horas e aterramos no Algarve,

desculpa não percebo,

ontem também não percebias,

no Algarve?

sei lá, não sei, lindooos, lindooos os olhos verdes dos cigarros, verdejantes palavras, desculpa, virgula, travessão, stop, três, cinco, água, porta-aviões ao fundo, doze homens de madeira sentados em doze cadeiras de vidro

Alentejo talvez, ontem também não percebias, e hoje, e hoje dizes-me que não sabes o que é a paixão, e hoje dizes-me que nunca soubeste o que é a paixão, e hoje, logo hoje, doze homens sentados em doze cadeiras de vidro, hoje, vestes-te de barco, puxas um cigarro (com olhos verdes lindooos) e finges orgasmos nas searas húmidas do Alentejo, pertinho quase lá, falta pouco, mais umas horas e aterramos no Algarve, um praia deserta, em silêncio, morta,

desculpa não percebo,

e penduras a gravata.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha


Blogue Cachimbo de Água em destaque
Sapo Angola