sábado, 8 de dezembro de 2012

entre parêntesis

a inventar beijos nos poemas perdidos, coitados deles, elas, deles, aqueles infelizes que escrevem nas nuvens e inventam beijos, delas, aquelas magras sílabas que o Outono come e a lareira dilui das mandíbulas engasgadas do ciúme, mútuo, longínqua manhã das palavras prometidas, delas, elas coitadas feridas, à janela, sem forças para sorrir, sorri ele à lapela do silêncio moribundo, húmidas coxas que a maré desenha nos rochedos das noites a inventar beijos, a jogar beijos nos dados viciados sobre a mesa do diabo, ele, coitado, apaixonado,

ele, coitado, teso, falido, a inventar beijos no crepúsculo esqueleto ósseo que as navalhas da miséria constrói, digo-o novamente entre parêntesis, (destrói), digo-o Novembro em constante doçura que as mãos dos teus lábios em tuas tristes vozes, inventas os beijos, rochedos, ruas e montras com portas de vidro, escadas que dão acesso ao céu, esmolas, pedacinhos de pão com manteiga, esfolas, elas de mini-saia, eles engraçados como as rosas dos jardins da rua sonolenta onde dormem os camelos do deserto, outros pedacinhos de pão com marmelada, apaixonado, ela, ele, coitada, coitado, por ele, por ela, dentro dele, dentro dela, sobre o rio infinito encurvado, torto às vezes, muitas vezes, perguntas-me quando regresso, De onde vens tu meu safado?, respondo-te docemente

da lua minha querida entre parêntesis (doce apaixonada janela)

frívola, as tuas mãos no meu rosto, não acreditas, gritas, lamentas-te aos espelhos clandestinos dos versos a inventar beijos nos lábios coitados, eles e elas, as palavras e as janelas, frívola, tu, não acreditas, sorris, eu minto-te, aldrabão, charlatão, vigarista, poeta, sindicalista, juro minha querida, da lua minha querida entre parêntesis (doce apaixonada janela), venho aos teus braços, meu doce marido,

doce apaixonada janela.

inventas beijos, inventas lágrimas de gesso, inventas palavras de arsénio, inventas o sofrimento, o vento, e o suicídio dos poemas beijados pela lua, inventas-me os lábios e as minhas olheiras, inventas-me as noites de solidão à lareira, e entre parêntesis escrevo-o em ti e para ti ai de nós se os alicerces da insónia desabam sobre os oceanos de sémen, e entre parêntesis escrevo-o

(a inventar beijos nos poemas perdidos)

ele a folhear revistas pornográficas à janela bela Almirante Reis, frívola, as tuas mãos no meu rosto, não acreditas, gritas, lamentas-te aos espelhos clandestinos dos versos a inventar beijos nos lábios coitados, eles à pancada, avenida abaixo, janela acima, gritas-me, e não acreditas, avenida abaixo, abaixo o governo, frívola, mentes-me oiço-o quando subo as escadas, sacudo as quatro paredes do teu quarto escuro, imundo, abaixo o governo, abaixo as luzes ténues das cidades, os semáforos, as vaidades, o cus e as pernas e as coxas, deles e delas, verde, amarelo, encarnado, inchado, emagrecida ela entre parêntesis escrevo-lhe, escrevo-lhe

(a puta da tua mãe minha querida comeu todas as ervas do meu jardim, mentes-me, eu minto-te, não regresso, adio, fico à espera que adormeças e te transformes em putrefacção, fico à espera, não desisto, a puta da tua mãe comeu os meus cigarros loiros com olhos azuis, fico à espera, em desejo, foda-se, perco o medo, a inventar beijos nos poemas perdidos, coitados deles, elas, deles, aqueles infelizes que escrevem nas nuvens e inventam beijos, delas, aquelas magras sílabas que o Outono come e a lareira dilui das mandíbulas engasgadas do ciúme, mútuo, longínqua manhã das palavras prometidas, delas, elas coitadas feridas),

só para mim, amarelo, encarnado, STOP, paro o carro, abro a janelinha de amendoim, peço uma imperial, e juro meu amor, juro que não vou levar a mal por te ires embora, juro que não vou ficar triste pela tua ausência, juro entre

(parêntesis)

que às vezes pareço feliz infeliz solitariamente na sombra de um guindaste de aço a olhar docemente os seios de diamante que o mar tem em cada olhar, só para mim, amarelo, encarnado, STOP, paro o carro, apetece-me correr, não de ver, ouvir, gritar

estou aqui

ali, ele, ela, ele e ela, na cama do amor com pedacinhos de pão com manteiga, na cama do amor com pedacinhos de pão com marmelada, na cama do amor com pedacinhos de pão com beijos, tu, malvada, malvado, inventas-me, e inventas beijos nos poemas perdidos,

estou aqui

deitado, ao teu lado, calado, em silêncio, acorrentado às mentiras das janelas frívolas que tu gritas antes de adormecer, que tu gritas quando és penetrada, as portas dos quartos suspensas nos infelizes gemidos das palavras, inventadas, inventas-me hoje, só hoje

(parêntesis)

estou aqui

(parêntesis)

em pânico.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

ela a lápide da amizade


um corpo de espuma cinzenta
flutua nos lençóis da morte
vagarosamente há nas paredes do desejo
o silêncio travestido de flor selvagem
há um porto de embarque à tua espera
com ondas de sabão
e risos poucos alguns suspiros de adormecida névoa
um corpo meu cinzenta da noite áspera cansada maré dos sonhos,

há mamas de nevoeiro disfarçadas de poesia
corpos
montes de lixos e massa óssea à mistura
álcool e sopa de pregos mergulhados no aço da fome
um corpo de homem
de espuma cinzenta
as cintilações do clitóris volátil que o desejo constrói nas paredes de cartolina
ela a lápide da amizade,

há na tua janela a palavra saudade
pigmentada entre os perfumes complexos das coxas da morte
o fumo do teu cigarro depois do suicídio
junto ao rio aos barcos de madeira apodrecida
cinzenta maré ácida amarga toda a merda prometida
há um corpo com asas
e dentes de marfim a voarem sobre as casas desabitadas,

há mamas braços pernas cus abraços
na minha cama
há o meu corpo putrefacto em espuma cinzenta
confiscado pelos anzóis do destino
há uma esplanada com cinzeiros de prata
há mamas braços pernas cus abraços
na minha cama de luz o caixão de espuma cinzenta...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Dos espelhos às portas de mesas compridas

Mandaram-me sentar na sala dos espelhos, não me sentei por razões de desobediência, não gosto, detesto, e o meu irmão

- de espelhos?

não parvalhão, o problema não são os espelhos, mas simplesmente não gosto que me obriguem a sentar quando me apetece ficar de pé, não gosto, detesto, não gosto das noites sem música, não gosto das noites sem livros, e não gosto das noites quando o meu mano querido se disfarça de alfinete de dama, e dou com ele agarradinho à minha lapela, com medo de cair, o meu querido mano

- de espelhos? De espelhos, às portas, de mesas compridas com cadeiras muito altas, de corredores e no final dos carris a casa de banho, a sanita, o vide e a banheira, o solitário lavatório, e uma janela com vista para o pátio das perdizes envenenadas pelos professores de literatura, os livros poeirentos empilhados até ao tecto onde de vez em quando uma trapezista aposentada desenferruja as cartilagens recordando alguns dos números praticados no bar dos morcegos quando disfarçada de gaivota voava sobre as mesas semeadas de gajos embriagados, com minhocas esfomeadas suspensas dos lábios de aço,

a noite é triste, Ouvia-o segredar-me ao ouvido, agarradinho à minha lapela e sentia-lhe o aço das mãos de pérola dos mares clandestinos, a minha mãe

- perdi o teu irmão numa noite de tempestade, Viste-o, não lhe respondi, nunca tive coragem de lhe dizer que ele se tinha transformado em alfinete de dama e que vivia agarradinho à minha lapela, coitada, ainda hoje, na sala dos espelhos, ainda hoje na sala dos espelhos ouvem-se aqui e ali ou acolá algumas delas, em gotinhas ou drageias, e maldita próstata, para a diabetes, corações apaixonados, ou partidos, ou despedaçados, chás, drageias, tudo que eu precisava à distância de um clique, próxima paragem Cais do Sodré, a noite, tua, vestida de tempestade, viste-o?, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca tive, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca vi, apalpei, toquei

nos teus braços minha querida quando descias o Chiado,

- o meu querido mano a olhar os barcos de papel e a contar quantos pássaros tem uma tarde em Lisboa, milhares dizia-me ele

muitos, e alguns andam disfarçados de candeeiros e quando regressa a noite da cidade dos espelhos com salas com paredes de espelhos, com a minha mãe a afagar um alfinete de dama pensando ser o meu irmão, eu

- ele na janela do perfume, o gesso em cio nas árvores mortas pelo cansaço da maré

eu não percebendo que um alfinete de dama raramente é gente, homem, irmão, companheiro ou amante, mas ela

- eu acredito em ti meu filho,

o meu irmão

- qual filho?


eu não percebendo que um alfinete de dama raramente é gente, homem, irmão, companheiro ou amante, mas ela descia o Chiado, viste-o?, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca tive, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca vi, apalpei, toquei, como as persianas da insónia quando cismam em não desaparecerem das noites sombrias do silêncio adamastor que o meu irmão inventado e disfarçado de alfinete de dama me perguntava, o meu irmão perguntava-me

- qual filho?

o meu irmão incrédulo na minha lapela e ela, e ela descendo o Chiado acreditava que tinha um filho, eu, ele, ela, Qual filho? Entre as ruas desabitadas da cidade iluminada pelos faróis clandestinos que o inverno semeia nas planícies da loucura,

- nos teus braços minha querida quando descias o Chiado,

mandaram-me sentar na sala dos espelhos, não me sentei por razões de desobediência, não gosto, detesto, e o meu irmão adormeceu sem me dar um beijo, sem que eu o tocasse ou simplesmente o olhasse, não se mexeu, cerrou os olhos de metal e desapareceu na claridade das estrelas de vidro.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

Os guindastes húmidos da paixão


Acordando as sílabas dilatadas que das árvores de deus
descem melancolicamente os guindastes húmidos da paixão
há uma janela em desejo
que uma abelha pintada de vermelho atormenta
quando a insónia do crucifixo de prata
entra no corpo cansado do jovem com olhos de luar
há um corpo dentro do corpo do jovem
com olhos de luar
há uma janela
uma abelha
um silêncio de luz
nas paredes frias dos teus lábios ensonados,

acordando sílabas
enquanto a noite desenha em ti os fluídos da astronomia
dilatadas que das árvores de deus
há uma janela com acesso ao sótão do medo
há coisas nas mãos do medo
que eu tenho medo de prenunciar
gritar
escrever nas paredes invisíveis do quarto escuro com tecto de vidro
falsamente ignorados pelo jovem dos olhos de luar
acorrentados
todos
todas,

há ou não há não sei uma canção com sorrisos de leite
e mãos calejadas
que os montículos de lixo argamassaram nos calções de uma carta de amor
há ou não há
vai havendo rabanadas
gaivotas
e barcos travestidos de maré com cabelos de espuma em brando lume
a lareira
o ciúme
não há
vai havendo suspiros de iodo embrulhados em papel de chocolate.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Nos braços dos plátanos as torres de cartolina

- Não sei, não sei

diluídas as imagens que das tuas mãos semeavam nas planícies mentais e longínquas dos oceanos de brincar as palavras murchas que o tempo engolia juntamente com o relógio em forma de cuco suspenso na parede velha da sala de jantar, não dormia, alimentava-me de sorrisos e coisas poucas que me traziam da cidade em ruínas, mãe tão feliz se o mundo terminasse dia 21 de Dezembro, sentava-me no ritz club, embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e esperava até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os meus ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que não vais regressar, Falta muito?, Estamos quase, dois ou três quilómetros entre o coração do Douro

- e as imagens a preto e branco que

o Outono tecia os cortinados que cobriam os socalcos antes da tarde se extinguir num pequeno gemido de luz, curvas, curvas e carris desencontrados até nos perdermos nos paralelepípedos que a morte tinha reservado para nós,

- não sei, não sei se conseguirei imaginar as crateras dos teus desejos dentro do meu corpo empobrecido, velho, casmurro o raio do homem das barbas brancas com uma cabeça de xisto, enxada na algibeira, dos olhos o fumo circunflexo da paixão que as árvores alicerçam no perfume invisível do rio Douro

estamos quase mãe,

- não sei, não sei,

uma chuva miudinha de pedras começou a diluir-se nas fotografias que das tuas mãos semeavam nas planícies mentais e longínquas dos oceanos de brincar

- não sei, não sei mãe tão feliz se o mundo terminasse dia 21 de Dezembro, sentava-me no ritz club, embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e esperava até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os meus ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que não vais regressar, e tu,

nunca regressavas, estamos quase mãe, depois daquela curva lá ao fundo vês? É ali, É ali, E tão longe dizias-me mentalmente quando me olhavas, não sei, não sei,
as torres de cartolina que tardes inteiras desenhavas e cortavas com a tesoura de costura lamentavelmente moribunda, com ferrugem como os barcos que ele me levava aos Domingos em visitas rápidas à enfermaria, coitados, coitados, não sei, não sei, eles tão tristes, com lágrimas nos olhos,

- e tu caminhavas asperamente de cortinado em cortinado, e tu, e tu de janela em janela, chamavas-me, gritavas-me, Falta muito?, Não, não sei, não sei, não sei se conseguirei imaginar as crateras dos teus desejos dentro do meu corpo empobrecido, velho, casmurro o raio do homem das barbas brancas com uma cabeça de xisto, enxada na algibeira, dos olhos o fumo circunflexo da paixão que as árvores alicerçam no perfume invisível do rio Douro

as torres tombavam nos braços dos plátanos,

- o Douro abandonava-nos a cada dia que passava, e as fotografias onde aparecias travestida de sombras com plumas e lantejoulas tremiam na geada solitária das noites que só o inverno consegue imaginar, não tínhamos lareira, e obrigavas-me a aquecer as mãos na velha torradeira que trouxemos de Luanda, nada mais sobrou de nós, não sei, não sei

sentava-me no ritz club, embebedava-me de luzes e de sombras, e esperava por ti, e esperava até que o último pedacinho de poeira assentasse sobre os meus ombros, esperava por ti, tu dentro da lentidão que parece que não vais regressar, Falta muito?

- e respondia

não sei, não sei mãe.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

O mar das palavras de sofrer


Eu quero corre sobre o mar
até longe longe longe sem parar
eu quero correr
correr sem me magoar
não correr por correr
eu quero andar
caminhar
sem sofrer

correr
correr
correr sem parar
correr
correr e amar
as palavras

poucas
muitas
apenas palavras
de amar
de sofrer
palavra que o vento leva e deixa cair sobre o mar

eu quero correr
correr
correr até me cansar...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Grades de vidro inverno o sabor da paixão


Inventas beijos
nos lençóis da lua
há cigarros perfeitamente inocentes
nos lábios da noite,

há uma janela com grandes de vidro
que transforma o fumo dos teus cigarros perfeitamente inocentes
em sílabas de iodo
inventas beijos
desejos
abraços
e a lua tão bela
e a lua
enrolada nos teus braços
nua
ela
toda tua,

inventas o amor
e desenhas no soalho de inverno o sabor da paixão
ela
nua
à lareira
há uma lareira na tua mão
que aquece a lua
a tua lua
o teu coração
havia
nua
uma janela com grades de vidro e sonhos de solidão.

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

As veias que não tenho medo de quê?


As veias que não tenho
porque vendi-as para comer
as mãos que me tremem
porque também as vendi
não para comer
apenas porque senti
vontade
desejo
de deixar de escrever
morrer caminhando suavemente sobre a neve invisível
que desce a montanha
as veias que não tenho
e que ninguém amanha
estas palavras poucas
ou loucas
bocas em revolta
que este povo apanha
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
revolta-te se ainda tens veias
revolta-te se ainda não vendeste as tuas veias
para comer
para escrever
ou simplesmente para amar
mas revolta-te por favor
revolta-te homem do mar...
medo de quê?
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
não há medo que adormeça um homem
não há palavras que acorrentem os braços do homem
que não se deixa adormecer
pelo medo
pela fome
medo de quê?
revolta-te homem.

(não revisto)


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Sapo Angola

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Segunda-feira

A calçada de ossos levava-a até ao rio dos silêncios, virgulas suspensas nos parágrafos incompletos que a vida vai escrevendo nas folhas verdes das árvores, os pássaros dentro da gaiola inventavam círculos de luz até cair a noite nos olivais distantes da cidade, a calçada de ossos

perdidamente apaixonado pelos sonhos coloridos que o vizinho do segundo esquerdo, segunda-feira, que tu desenhavas nos vidros embaciados das janelas anguiformes do húmido edifício, o suor dilúvio que a tarde provocava no peito da paixão deitava-se na cama cansada que o teu corpo habitava, eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

a calçada de ossos, até ao rio dos silêncios, há na morgue literária cadáveres de prostitutas que os poemas comeram antes de serem poemas, quando os poemas não eram poemas, quando os poemas de inverno chamavam-se desejo das palavras, e ele, o poeta, o homem do segundo esquerdo construía, uma por uma, as frases insignificantes de homens que amam as árvores, de homens que amam loucamente os pássaros e os rios e os barcos, de homens, apaixonados pelo vento, verdes árvores e havia sempre uma janela indesejada, aberta, partida, abandonada, e homens que amavam outros homens na clandestinidade dos cacilheiros verdejantes, e afagavam o louco perfume dos sótãos com grandes finíssimas que as aranhas do medo deixavam enrolas nos lençóis do ciúme, e homens como eu que amavam mulheres impossíveis, e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras,

à espera da tua mão, tocavas-me e eu sentia os princípios elementares da mecânica clássica, pedacinhos de saliva nas equações complexas que nas tuas pálpebras acordavam depois da tarde se esconder no dormitório vazio do edifício semeado segunda-feira na cidade sem que tu, meu poeta, tenhas dado por ele, e ele vivo, lá, lá do outro lado da rua, rouba-nos o sol e o rio, tocavas-me e eu recusava-me a comer a sopa, perdia nos jardins as mãos e dizia-te O menino hoje não mãos, e tu acreditavas, e me olhavas até que o mar começava a correr nos teus olhos e eu sabia que choravas antes dos pássaros às voltas com os círculos de luz, habitava em nós a abelha abandonada, pedias-me e eu dizia-te Hoje não, Hoje não mãos, e a sopa diluía-se como as nuvens cinzentas do mar do amor,

segunda-feira

segundo esquerdo,

segunda-feira morre a paixão e eu tinha medo de desejar-te até morrerem todas as palavras.

(ficção não revisto)

Palavras de amar na maré tua língua


Sento-me sobre as águas ínfimas da noite quando sinto em mim
as luzes em pequenas doses de azul marinho
das conchas coxas transversais da madrugada
a tua voz silenciada pelas sombras tuas mãos
em mim
no meu pescoço alicerçadas,

guardo-os como se fossem só meus
os lábios vermelhos teus
às quatro paredes de vidro
que os sonhos desenham no livro das palavras
sento-me
sinto-me palidamente solitário junto às esquinas fictícias da morte,

às quatro horas do limite infinito alicate do amor
flores belas embebidas na vodka falsidade
que vivem na cidade translúcida e em pequenos vãos voos dos teus seios de vento
vive-se e vai-se vivendo inventando coisas
poucas coisas
que o homem descobre nas estrelas nuas entre os parêntesis da insónia,

sento-me
e sinto-me
e mergulho nas rochas melancólicas que na tua boca habitam
as gaivotas filhas dos barcos
e netas da revolta
Ai se a maré tua língua fosse só minha como são as palavras de amar...

(poema não revisto)
Sinto-me encornado literalmente. O fim do mundo já não vai ser dia 21 de Dezembro mas sim a 23 de Dezembro; e agora?
Eu preparei-me convenientemente, aluguei uma cabana no alto de uma montanha, com lareira, e clarabóia para não perder nada do então fim do mundo, e agora que não, já não vai terminar dia 21 e com um pouco de azar nem a 23 de Dezembro, e azar dos azares nem durante o ano de 2013, o que quererá dizer que vamos todos ter que levar com o OE para 2013 e mais as devidas enrabadelas que possam acontecer-nos por parte dos nossos governantes.
E eu que já tinha coisas marcadas para o dia 23 de Dezembro, lamento, mas dias 23 não posso ir...
E agora?
Estes senhores não conseguem acertar uma data? Até parecem, sem ofensa, os catedráticos que elaboraram o OE para 2013 que possivelmente não vão acertar nenhuma das previsões...
Se o mundo tivesse fim, Ai que eu gostava que fosse a 23 de Janeiro.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

para a menina dos sorrisos com lábios poéticos

“para a menina dos sorrisos com lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão”, e queixava-se por tudo e por nada, faltava-lhe sempre alguma coisa

- ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam,

se tinha a prata de alumínio, faltava-lhe a heroína, tinha o dinheiro e faltava-lhe a prata de alumínio e a heroína, pior, tinha tudo e o corpo rejeitava em vómitos circulares que desenhava entre os plátanos e as sandálias que trouxera de Luanda, no recreio da escola escondia-se aos olhos do pinheiro manso inventando pinhões e vidros partidos, os calções sentiam a geada doce da Primavera, tremia de frio, enroscava-se nos abraços desertos que ouvia das palavras moribundas, das palavras sujas, das palavras imundas,

- e a palavra amo-te acabadinha de suicidar-se na rua Augusta, Tens a certeza miúdo?

sim pai, eu vi-a suspensa da janela do terceiro andar, estava roxa, estava incrédula, e o vento roçava-se nela e nele, quando o paragrafo inteiro, também ele suspenso na janela, putrefacto no esqueleto da literatura solitária que as noites de inverno constroem nas lareiras do sono, perguntava-me a que cheirava o cadáver de um simples paragrafo que quase nunca tive porque me faltaram sempre coisas, tinha a cratera do vulcão e faltava-lhe o divino magma, tinha tudo e

- os calções sentiam a geada doce da Primavera, o corpo rejeitava em vómitos circulares que desenhava entre os plátanos

palavras que nunca tiveste coragem de escrever no meu secreto diário, palavras de merda, palavras como a palavra amo-te depois de suicidada, coitada dela, da palavra amada, inventada por vezes no silábicos alumínios que o mar deixa cair sobre a espuma doirada do mês de Janeiro, ninguém, Tens a certeza miúdo? invejada por vezes no silábicos alumínios que o mar deixa cair sobre a espuma doirada do mês de Janeiro, e eu não sabia que dos beijos nascem poemas,

- ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam,

cruzava os braços, flectia os joelhos até me sumir nos xistos emagrecidos que as tardes de Abril gostavam de escrever nos vidros das janelas dos barcos,

- “para a menina dos sorrisos com lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão”, e

o que são poemas, pai? Tens a certeza que viste a palavra amo-te suspensa na janela do prédio da rua Augusta? Sim, Pai, Tenho a certeza, roxa, silenciosa, imunda, suja, ah ah ah... poemas são palavras que se suicidam nos prédios com escadas até aos sótãos virados para o Tejo, sentavas-te e olhavas as longínquas manhãs inocentes depois das viagem até ao abismo, e tinhas inventado o ciúme,

- e os vómitos dilaceravam-me dentro das placas de gesso da pensão ALZIRA, mulher de boas famílias, culta, poetisa, e às vezes escrevias nas costas azuladas das portas da casa de banho as histórias sagradas, belas, poeticamente difíceis de esquecer, e eu, eu descia as escadas e quando pisava pela milésima vez os pesadíssimos paralelepípedo da insónia,

já não conseguia lembrar-me das palavras da tia Alzira,

-e tinha pena dela,

quando as pálpebras do poema sobre a madeira imunda, espessa, onde em pedaços de papel subtraído a uma velhíssima lista telefónica, ela, coitada dela, assentava os números invisíveis dos bilhetes de identidade, também eles, tal como a palavra amo-te, acabadinhos de suicidarem-se nos jardins de Belém,

- e tinhas inventado o ciúme,

e tinhas inventado a palavra amo-te, e tinhas inventado a rua Augusta, e ainda hoje, ainda hoje coisas que faltam dentro de coisas que sobejam; os teus lábios poéticos que o silêncio das palavras alimenta a noite melancólica da paixão.

(texto de ficção não revisto)

Vogais do amor


Abandonas-me como se eu fosse um pássaro
que de dentro de uma gaiola
ouve docemente as palavras do amor
em amar
às coisas belas que as estrelas semeiam nas mãos da Cinderela paixão
do amor
em amor
tua minha cansada noite de solidão,

abandonas-me como se eu fosse as singelas palavras
voando sobre os telhados de vidro que o desejo constrói em tua cidade
não há ruas simples e perfeitas
nos olhos envenenados pelo medo
um boneco torna-se em vida humana
quando do muro pincelado de amarelo
acorda a revolta que os teus lábios de seda
desenharam nas pedras frias da calçada,

abandonas-me
que de dentro de uma gaiola
das tardes sobejam os desassossegados braços das rectas paralelas
e no infinito
misturada com as sílabas
as vogais de açúcar
que o bolo do amor
deixou sobre a mesa.

(poema não revisto)


Em destaque no Sapo Angola
Blogue Cachimbo de Água

domingo, 2 de dezembro de 2012

Um coitado em silêncios beijos


As avenidas da solidão
que desço depois do pequeno-almoço
olho-me quando entram em mim as flores do inverno
e as tempestades que a noite putrificou dentro das esquinas complexas minhas mãos
olho-me
sentado
inerte
morto
um coitado
que passeia na tarde os murmúrios em ácidos cansaços beijos
ele descobre que o amor vive na escuridão das palavras
derretidas no açúcar invisível dos relógios de pulso,

silêncios beijos
os teus
sobre a impune geada das terras áridas transmontanas
a lareira morre na insónia tua boca
os desejos longínquos suspensos no tecto do prazer
prometendo números de circo
debaixo das árvores abandonadas pelas desertas esplanadas da madrugada
olho-me
sentado
inerte
morto
um coitado,

e não tens vergonha dos meus lábios de algodão
semeados na planície ínfima que a vida constrói
em cordões de sémen quando os vãos de escada descem às catacumbas dos sexos
magoados nas cansadas flores do inverno
as estrelas
as flores
o inferno
vêm dos distantes cais dos barcos de papel
silêncios beijos
os teus
os nossos corpos em decomposição
amam-se e desejam-se e no húmido pergaminho se transformam em poema.

(poema não revisto)