sábado, 31 de março de 2012

A abelha da noite

Uma abelha enormeeee poisada na lombada dos meus livros,
- E se a porta sempre cerrada, e se a janela sempre cerrada,
Uma abelha enormeeee disfarçada de palavras, deus travestido de abelha aos encontrões nos murmúrios da insónia, Será deus a testar o meu ateísmo?,
- E sabes… Não tenho coragem de a assassinar, e bastava lançar um simples cachimbo, e zás, deus, ou a abelha, quem quer que seja, tomba no silêncio cansado do fumo do meu cigarro,
(não devias fumar Meu filho)
E tanta coisa que eu não
- Não devia estar desempregado e estou, não devia escrever e escrevo, e se algum dia o cancro me visitar tratá-lo-ei como trato todas as pessoas que me procuram, com afeto, com carinho, ser simpático,
E fiz, e fui, e tanta coisa que eu não consigo perceber, não consegui entender a sombra das mangueiras, nunca percebi porque calcei o primeiro par de botas aos seis anos,
- E tão pesadas Meu filho,
Mãe O que são botas?,
- Não sei meu filho Eu e o teu pai nunca votamos na vida, alguém não deixa,
E tão pesadas, enormeeess como as âncoras dos navios estacionados no porto de Luanda, e eu Mãe, e eu também nunca calcei um par de botas, e os pés inchavam, e nas mãos as frieiras das manhãs de inverno, e sinto saudades das sandálias e dos calções,
- Não devias fumar Meu filho,
Semeavas no rosto um sorriso de primavera, Belém acordava junto ao rio, e nunca soube quem eras, via-te passar nas sombras do Texas, e eu olhava o teto, abelhas e travestis de mão dada alimentavam-se da seiva esbranquiçada da noite, e quando acordava sentia o mar dentro de mim, eu
- Um cacilheiro em círculos nas mãos da Marilú, um cacilheiro em círculos nas mãos da Gisela, eu em viagens pelo Tejo até me cansar,
Eu simplesmente impávido às cores da abelha vestida com silêncios e orgasmos de noite,
(escrevem no Google “Orgasmos Intensos” e poisam no meu blog)
Como se o meu blog fosse uma puta a fingir orgasmos entre copos e charros, como se o meu blog fosse um par de botas calçados pela primeira vez aos seis anos de idade,
- Semeavas no rosto um sorriso de primavera
(e o meu blog é uma puta séria, coletada e sindicalizada, e descansa ao domingo)
Via-te passar entre os carris que acordavam em Cais de Sodré e adormeciam em Belém, junto ao rio, não devia estar desempregado e estou, não devia escrever e escrevo, e se algum dia o cancro me visitar tratá-lo-ei como trato todas as pessoas que me procuram, com afeto, com carinho, ser simpático,
(escrevem no Google “Bares de Engate em Lisboa” e poisam no meu blog)
Como se o meu blog fosse um estabelecimento comercial, como se o meu blog fosse um corrupio de sexos pendurados nas janelas da lua,
E fiquei sem perceber se ele ou ela queriam engatar ou serem engatados, e fiquei sem perceber a sombra das mangueiras, e fiquei sem perceber porque calcei o primeiro par de botas aos seis anos,
Via-te passar,
- Não devias fumar Meu filho,
E fumo até me cansar como me cansei de andar vestido de cacilheiro em círculos no Tejo.
(Ganhei coragem e matei a abelha…)

(texto de ficção)

Princesa adormecida

E voas nos meus sonhos
Princesa adormecida
Flor cansada que se aconchega ao meu corpo
E voas e voas
Pássaro louco
Quando dos meus lábios
Palavras constroem poemas
Quando das minhas mãos
Um silêncio poisa nos teus seios…
E voas nos meus sonhos
Princesa adormecida
E voas e voas e voas em direção à lua

sexta-feira, 30 de março de 2012

Sonharás comigo?

Pego na esferográfica da noite, vem a paixão até mim embrulhada nos pedacinhos de rosa que saltitam nos lábios da luz, olho-te, olho-te abraçada ao pijama com bolinhas encarnadas, deitas os cabelos sobre o silêncio e sonhas,
- Sonharás comigo?,
Pergunto-me,
Pergunto-me se sonharás comigo, com as minhas mãos, com o meu sorriso, com os papéis poisados na minha secretária
- Que desarrumação Francisco,
Miúda parva, poisados na minha secretária os meus lábios, Sonharás com os meus lábios?, ao pequeno-almoço,
Finíssimos cristais de silício com torradas, sumo de laranja e leite, do jornal as parvoíces de sempre, a crise, a crise, a puta que os pariu,
Oiço a tua voz em cansaços sibilados, respiras docemente como uma abelha em busca do pólen, tens nos olhos cerrados as pálpebras da insónia, e se eu comer as torradas, e se eu comer os cristais de silício e deitar fora o leite,
Pergunto-me,
- Quando pego na tua mão se sonharás comigo,
(Esqueço-me do sumo de laranja)
Uma equação diferencial escreve-se na ardósia da tarde, os pórticos galgam as saliências do sonho, e todas as janelas da tua cidade de braços entrelaçados nos ramos de árvores embriagadas pelos pássaros de primavera, aqui não chove
- Miúda parva,
Aqui sol misturado com integrais triplos, e pergunto-me, e pergunto-me se conseguirás sonhar comigo na desarrumação da minha secretária, junto às bolinhas encarnadas do teu pijama,
- Que desarrumação Francisco,
(e não interessa a um desempregado se a TVI escreveu no canto esquerdo do ecrã PAÇOS em vez de PASSOS, o que nos interessa é trabalho; Parvalhões)
Todos os pássaros,
Parvalhões todos os pássaros que deixaram as árvores embriagadas, Parvalhões todos os dias sem torradas, parvalhões todos os dias sem cristais de silício, parvalhões todos os dias sem leite e sumo de laranja,
- Se todos os erros deste país fossem a troca de PASSOS por PAÇOS…
Pego na esferográfica da noite, vem a paixão até mim embrulhada nos pedacinhos de rosa que saltitam nos lábios da luz, olho-te, olho-te abraçada ao pijama com bolinhas encarnadas, do jornal as parvoíces de sempre, a crise, a crise, olhas a necrologia e procuras o meu rosto, vês os meus lábios embainhados numa cruz imaginária, os meus lábios perguntam-te se sonharás comigo
- Fodeste-me cinquenta cêntimos,
Comigo dentro da boca que se alimenta das sombras de Cais de Sodré, o  rio, o rio pergunta-te,
- Sonharás com ele?,
Parvalhões todos os pijamas com bolinhas encarnadas, Parvalhões todos os rios que correm para o mar, Parvalhões todos os barcos que sonham e têm asas, e voam sobre os teus cabelos,
- PASSOS por PAÇOS…
Quando finíssimos cristais de silício com torradas, sumo de laranja e leite, do jornal as parvoíces de sempre, a crise, a crise, a puta que os pariu.

(texto de ficção)

Atenção – FRAUDE II

Mais informações sobre a fraude de Bloqueio de computadores pela Polícia de Segurança Pública.
Esta fraude está a utilizar o nome da Prepaid Services Company LDA (http://www.paysafecard.com/pt/pt-paysafecard/) entidade legal e idónea.
Os piratas informáticos dizem-vos que o computador foi bloqueado pela PSP (conforme foto) e que é necessário comprar um cartão PAY SAFE CARD no valor de 100,00€, posteriormente é vos pedido que introduzam o PIN para desbloquear o computador, é falso, aquilo que o pirata informático pretende é o PIN para utilizar o vosso dinheiro em compras online.
Se compraram o cartão não introduzam o código PIN;
Se introduziram o código PIN tentem neste endereço:
(http://www.paysafecard.com/pt/seguranca/utilizacaoseguradopaysafecard/#irfaq_5_3c1ca) bloquear o cartão e seguir os procedimentos da empresa para recuperarem o vosso dinheiro.

Quando acorda a cidade

Pouco de mim
Em ti
Sem ti
Pouco de mim
Abraçado às palmeiras da Baía
Olho a cidade escondida no cacimbo
Vejo esqueletos de prédios transformados em pó
Em ti
Sem ti
Pouco de mim
Muito de ti
Quando acorda a cidade

quinta-feira, 29 de março de 2012

Miúda parva

As cabras
Os queijos
O coalho líquido
E o bode…
Todos à porta da cidade
A miúda parva de espiga de milho na mão
Desce a calçada
E poisa no mar
Acorda o vento na saia da miúda parva
(E as cabras
Os queijos
O coalho líquido
E o bode…
Todos à porta da cidade)
Desce a calçada
Solitariamente como se fosse uma orquídea
Ou um sorriso de noite
Solitariamente como se fosse um orgasmo literário
Que cresce dentro de um livro de poemas
As mãos cansadas
Os lábios enfeitados com mel
E da boca oiço a noite que acaba de acordar
E voa
E voa em direção ao mar
(A miúda parva olha-me e dos lábios enfeitados com mel
Oiço as palavras de incenso – Se te fosses foder Francisco!)

Porquê os barcos Francisco

E um barco se suicida dentro do poço do inferno,
Perdi o mar e as montanhas habitadas pelas gaivotas invisíveis, e um barco mergulha na areia do mar,
- Porquê os barcos Francisco,
Porque voam e têm sonhos e amam,
- E os pássaros Francisco,
Porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a última janela do universo se encerra, e os barcos voam e têm sonhos, Pensava Eu,
- Todos os espelhos têm o olhar turvo e rochas sem nome nas pálpebras, todas as pessoas sem nome, todos os barcos cansados de navegar nas páginas da insónia, balanças sobre os tentáculos da solidão, sobes até ao céu e sentas-te na espuma florescente da manhã,
E um barco
- Que têm os barcos Francisco,
E um barco se suicida dentro do poço do inferno, e desce e desce e desce…, até que a morte os separe, até que novamente seja dia, até
- Nas minhas mãos uma abelha…
Até que todas as flores tombem Pensava eu, até que a última janela do universo se encerre e alguém apague o candeeiro abraçado a um cordel, tudo tem um fim, Pensava eu, porque os pássaros poisam a cabeça de porcelana sobre o silêncio do oceano, porque os pássaros rasgam todas as sombras da noite quando a noite não existe, quando a noite acorda e entra pela janela, e deita-se no quarto desenhado numa parede branca, quando um crucifixo chora e espera pacientemente que todos os barcos,
- Uma abelha na minha mão,
Que todos os barcos se suicidam dentro do poço do inferno, e que todas as luzes se extinguiram, e que todos os pássaros
- Que têm os pássaros Francisco,
E que todos os pássaros poisem a cabeça sobre o silêncio do oceano, Sou feliz assim Dizia-me ele, era feliz quando se sentava nas palavras em todos os finais de tarde, era feliz quando olhava o rio e imaginava uma cidade a flutuar em direção ao Seixal, era feliz
- Nas minhas mãos uma abelha esquecida no centro da noite, todas as janelas do universo encerradas, todas as portas do céu cambaleando no púbis do sonho, É isto a vida?
Era feliz Dizia-me ele, era feliz quando o mar era mar, era feliz quando o dia era dia e a noite, e a noite, e a noite era noite, e hoje, e hoje
- E hoje o mar não é mar, e hoje a noite não é noite, e hoje o dia deixou de ser dia,
E hoje suicidam-se os barcos dentro do poço do inferno, e hoje o silêncio do oceano à procura de pássaros que poisem a cabeça sobre…
- Porquê os barcos Francisco,
A abelha que está na minha mão.

(texto de ficção)

Cansei-me

Cansei-me,
Cansei-me de assistir pacientemente à entra e saída de pessoas, como se eu fosse um objeto descartável, usar e deitar fora, cansei-me dos livros e de desenhar numa tela, e meu deus… Eu nem sei desenhar,
Cansei-me de ver os pássaros plantados nas árvores do meu jardim a olharem-me e a chamarem-me em voz silenciosa
- Tu Tu és um monstro,
Cansei-me do mar, das flores, de todos os espelhos que dormem na cidade, Eu, Eu Cansei-me de escrever, porque eu, porque eu nem sei escrever,
Cansei-me da noite e do meu esqueleto quase pó que transporto, de óculos escuros… a enrolar cigarros entre as espinhas da manhã e o lombo assado do jantar,
CANSEI-ME DESTA MERDA TODA.

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 28 de março de 2012

Doce Novembro - Only Time

A roulotte inclinada

Hoje, hoje o dia igual ao de ontem, hoje, hoje o dia igual ao de amanhã, e a maldita roulotte sempre inclinada no reumatismo e nas cãibras incolores, tropeça nas ondas do mar a escrivaninha suspensa no cartão de cetim, e escrevo-te acreditando que me ouves, abro a janela e grito para os barcos fantasmas que navegam no teu oceano,
- Deixei de ouvir-te Quando as gaivotas se abraçaram ao infinito da tarde, Esperava-te, Escrevia nas pálpebras o teu nome e Desenhava na minha mão o teu rosto, Deixei de ouvir-te
Olho pacientemente a escrivaninha da noite onde poisa a tua foto juntamente com o “Livro de Crónicas” de António Lobo Antunes,
- Quando as acácias partiram em direção ao mar, abro a janela e grito o teu nome incessantemente e em vão,
Deixei de ouvir-te, deixei de ler, oiço a tua voz impressa em papel mata-borrão, escrevo muito e até as árvores deixaram de ouvir-me, Deixei de ouvir-te quando as gaivotas se abraçaram ao infinito da tarde, esperava-te, escrevia nas pálpebras o teu nome e desenhava na minha mão o teu rosto
- São tristes todos os dias,
Olho-te e o “Livro de Crónicas” olha-me como se eu fosse um esqueleto com óculos escuros descendo a calçada da Ajuda e
- São tristes todos os dias, e todas as noites crescem como ervas daninhas à procura dos petroleiros embriagados, o Tejo cambaleia na sombra da tua voz,
E desço até ao fundo do poço onde um dos pedacinhos de papel mata-borrão brinca com uma abelha, tento resgatar a tua voz, não consigo, deixei
- Deixarei de ouvir-te nos algerozes quando encontrar os restantes pedacinhos de papel mata-borrão,
Hoje, hoje o dia igual ao de ontem, hoje, hoje o dia igual ao de amanhã, e a maldita roulotte sempre inclinada no reumatismo e nas cãibras incolores, ela procura a escrivaninha entre os papéis
- Deixei de ouvir-te,
Deixei de ter retrato, deixei de ler “O Livro de Crónicas”, deixei de acreditar que um dia vou encontrar todos os pedacinhos de papel mata-borrão, descem todas as estrelas até chegarem ao estômago da noite,
- Deixei de ver-te do sótão amordaçado,
São tristes todos os dias, e todas as noites crescem como ervas daninhas à procura dos petroleiros embriagados, metade de mim está sentada junto ao Padrão dos Descobrimentos a fumar haxixe e a beber cerveja, a outra metade algures num quintal debaixo das mangueiras onde o triciclo curvilíneo corre nas arcadas da espuma do mar, e todas as outras metades que sobejaram em todos os rios e em todas as cidades,
- “ O Livro de Crónicas” suspenso na minha mão, e sobre a escrivaninha o teu retrato de cabelos ao vento,
São tristes todos os dias, são tristes todos os barcos, são tristes os livros e as palavras…, e as noites crescem como ervas daninhas,
- Deixei de ouvir-te Quando as gaivotas se abraçaram
E o mar muito pequenino entrou na minha algibeira e comeu-me como se eu fosse um esqueleto com óculos escuros descendo a calçada da Ajuda.

(texto de ficção)

Atenção – FRAUDE


Existe uma fraude na net conforme foto em anexo. Em primeiro lugar dizem que o seu computador foi bloqueado pela Polícia de Segurança Pública e que tem de pagar nos CTT ou outras formas de pagamento a quantia de 100,00€ (cem euros), depois de efetuar o pagamento, no respetivo recibo está um PIN que dizem servir para desbloquear o computador.
É falso.
A imagem que fica sempre no computador é igual à foto.
Isto aconteceu a um amigo meu.
No mesmo recibo existe um número de telefone, liguei a pedido dele e do outro lado está uma senhora Brasileira que diz ser uma fraude e que estão a utilizar o nome da empresa onde trabalha e se quiser reaver o dinheiro tem de enviar cópia do recibo e BI.

Atenção:
A PSP não pode bloquear computadores, porque só através de uma ordem judicial é que a própria polícia pode entrar no vosso computador;
Se já efetuaram o pagamento não enviem cópia dos vossos documentos pessoais para ninguém sem falar primeiro com a Polícia Judiciária;

Francisco Luís Fontinha

Ramo de orquídeas

Espero que a noite me leve
E do meu corpo construa um ramo de orquídeas
Espero
Espero pacientemente pelo silêncio das palavras
E que tudo em mim cesse
E que tudo em mim morra

Antes de acordar o dia.

terça-feira, 27 de março de 2012

O cordel de vidro

Vivo desesperadamente sobre um cordel de vidro, oiço o acordar das noites e para me distrair, e para me distrair faço desenhos na sombra da amoreira que habita no quintal do senhor Agripino, coitado
- Todas as janelas se cerram As ultimas palavras da tia Adosinda antes de embarcar para o jardim das camélias adormecidas,
Coitado, sempre agachado sobre os anzóis da tarde, e do outro lado da rua a voz esganiçada da empregada do estabelecimento comercial onde pedaços de plástico cobrem solitariamente a madeira encardida das mesas, é noite, de cigarro no beiço o senhor Agripino afoga a infância em vinho tinto, e a empregada histérica
- Moelas Bolinhos de Bacalhau Orelheira e Chouriço assado,
E a empregada histérica abraçada ao fogão de lenha, e a empregada histérica matutando como conseguir chegar a casa depois de um dia a aturar embriagados e putas, e paneleiros, e o filho doente e o marido a coçar os testículos no granito da rua,
- Recebo um telegrama Informamos vossa excelência que acaba de ser condecorado pelo rei da Babilónia pelos serviços prestados enquanto arrumador de automóveis,
Penso
. Estou fodido,
Penso Lá vou ter de vestir o fato e colocar a gravata com pintinhas encarnadas e calçar os sapos pontiagudos, e eu, e eu sempre odiei todas essas coisas, e até já pedi à minha querida mãezinha Não Não quero fato, Não Não quero gravata, Não Não quero sacerdote, por favor…
Missa? Não Não.
(quero que o meu funeral seja como o do Beethoven)
Coitado do senhor Agripino Quando chegou ao cemitério apenas o acompanhava o cão
- Imagino-me a chegar ao cemitério na companhia dos meus dois fiéis amigos, o REX e o NOQUI, Mas não posso levar fato, Mas não posso levar gravata, Mas não posso levar sapatos pontiagudos…
E o cão do senhor Beethoven o único com paciência para acompanhar o dono ao seu último destino
- Sim tia Adosinda Não se preocupe que no jardim das camélias não falta de nada, Veja lá que até já têm bolinhas de sabão e acácias em flor,
Então está bem Meu filho,
E o seu último destino foi precisamente a ponte invisível que brinca sobre o rio da fantasia, e quando dou por ela, e quando dou por ela oiço a voz esganiçada da empregada a suicidar-se sobre as rochas doentes da noite,
- Ai,
Foi-se entre os limos da preguiça, Agripino chorava, eu, eu dentro de uma caixa de madeira embrulhado num lençol azul bordado pela minha mãezinha muito antes de eu ter nascido, muito antes de o meu pai colocar brilhantina no cabelo e passear-se de lambreta pelas ruas de Luanda,
- Que saudades da velha lambreta Quando o meu cabelo parecia o mar que comia a noite, o mesmo mar que comeu todos os barcos, o mesmo mar que me comeu…
Vivo desesperadamente sobre um cordel de vidro, oiço o acordar das noites e para me distrair, e para me distrair invento histórias, e para me distrair
- Era tão boa menina a piquena do estabelecimento comercial,
E para me distrair oiço o AL Berto, e é tão doce a sua voz, e oiço e oiço…, e porra
- “Se disser mar em voz alta o mar entra pela janela”,
E porra que não me canso de olhar para a janela e não vejo o mar a entrar, e deixei de ver os barcos a serem comidos pelo mar, e deixei de ser comido pelo mar,
- Morri?,
Oiço a voz dela espreguiçar-se sobre as rochas encharcadas de dedos estilhaçados de incenso e mel,
- Morri,
Quando as abelhas deixaram de me picar.

(texto de ficção)

Partilhar

Acreditava que a honestidade e a sinceridade eram uma mais-valia do ser humano; estava completamente errado.
Partilhar o que fui e o que sou sempre me custou muito caro em alguns momentos da minha vida, e acabo de aprender que nunca, que nunca devemos partilhar com os outos o que fomos e o que somos.
E se algum dia voltar a amar, nunca, nunca partilharei o que fui e o que sou.

blog Cachimbo de Água em destaque


blog Cachimbo de Água Angola em destaque no Sapo Angola
http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/

Sílabas assassinas

Há sílabas assassinas
Nas palavras que escrevo
E percebo que morro
Abraçado às vogais
Olho os carris presos à insónia
E sei que uma lagarta de aço
Em galope se aproxima
O meu dilema
Deitar-me pacientemente sobre os carris…
Ou
Ou subir a montanha
Mastigando cigarros invisíveis

segunda-feira, 26 de março de 2012

Ele não sabe chorar

Evaporam-se as estrelas na algibeira da dor, um corpo transparente mergulha na superfície da lua, ouvem-se lágrimas no pavimento ensanguentado de livros e pedacinhos de tela,
- Não sei chorar
Ouvem-se todos os silêncios imaginários e dentro de mim um penhasco de rocha em decomposição, o cheiro intenso a carne embebida nos lençóis de sémen, evaporam-se as estrelas na algibeira da dor,
- Porque fui construído em aço inoxidável numa cidade invisível antes de terminar o dia, oiço as palavras argamassadas de sangue poisadas na ardósia da escola, e sentado debaixo de um pinheiro doente, e sentado debaixo de um pinheiro doente dou-me conta que a primavera não existe, dou-me conta que todas as árvores são parvas, e eu, e eu apenas espero pela chegada da noite,
As flores murcham e uma abelha rouba o sol e a noite ficou eterna, e a noite tem os seus encantos quando todas as luzes se evaporam como as estrelas
- Nunca soube o que é o amor,
Estou longe e todas as estrelas rangem nas mãos do orvalho quando os pedaços de mar entram pela casa e agachados junto ao rodapé, um crucifixo, um crucifixo chora nas fendas da alvenaria,
- Quem sou Pergunta-se ele quando vê uma rocha de xisto no espelho estilhaçado que vive no quarto escuro onde se esconde o mar junto ao rodapé, Não sei chorar, e sei que o AL Berto, Algures…, e sei que o AL Berto algures me olha e aproxima-se dos meus braços,
- Um simples abraço, Pensava eu,
Nunca soube o que é o amor, nunca soube o que é a poesia, e pagava, e pagava para não saber ler, e pagava para não saber escrever,
- Que feliz, Que feliz se todo o alfabeto fosse para mim como as joias de ouro e o dinheiro, Merda amarela…
Um vazio infinitamente azul nas paredes do meu quarto, Quem sou Pergunto-me quando vejo uma rocha de xisto no espelho estilhaçado que vive no quarto escuro onde se esconde o mar junto ao rodapé, Ele não sabe chorar, e o AL Berto, Algures…, e o AL Berto algures olha-o, aproxima-se e abraça-o,
- Evaporam-se as estrelas na algibeira da dor
Antes de terem roubado o sol,
O meu corpo transparente mergulha na superfície da lua, cerro hermeticamente os olhos, e, cerro hermeticamente os olhos e dou-me conta que debaixo do pinheiro doente uma criança brinca com os ponteiros de um rabugento relógio, e a tarde, e as estrelas, e tudo evapora-se na algibeira da dor…
- Não sei chorar porque fui construído em aço inoxidável numa cidade invisível antes de terminar o dia.

(texto de ficção)

Não chores

Não chores
Não
Porque…
Porque eu…
Porque eu não valho uma lágrima
Um simples olhar
Ou apenas um sorriso

Não chores
Não.

Aqui tão perto

(aos poucos amigos que na obscuridade tudo fazem para que eu não passe fome; Obrigado)

Aqui tão perto
E tudo parecia tão longe
Aqui tão perto
Quando todos os vidros das janelas do inverno
Adormeceram

Aqui tão perto
Quando cresce o néon da primavera
E todas as flores
Tão belas
Tão… especiais
Aqui tão perto
E tudo parecia tão longe
Inatingível e desumano e horrível

Aqui tão perto
E tudo parecia tão longe

A primavera.

domingo, 25 de março de 2012

A mão da laranja

Deixei de sonhar
E amar
O meu corpo é uma roda dentada
Mergulhada em limalha de ferro
E pingos de solda
Transporto-me para a algibeira da noite
E todas as minhas veias desbagoam num beco sem saída
Prendem uma corda de nylon nas minhas mãos desiludidas
E lentamente cessa em mim a respiração
E lentamente cessam em mim os fios de sémen
Que deixaste na minha insónia
Antes do clarear do dia

Deixei de sonhar
E amar
Quando desapareceste entre as lágrimas do rio
O meu caixão de papel treme nos lábios da solidão
E adormeço na claraboia da infância
Morro

Morro sem saber o que é a felicidade
E o amor que acorda nas palavras da tarde
Morro
Morro sem saber o que são acácias

E que na noite crescem lágrimas na mão de uma laranja
E morro
Nos pergaminhos da loucura
Antes do nascer do sol

Deixei de sonhar
E amar
Eu suspenso no estendal sobre o mar
Eu
Lentamente na garganta do cansaço
Quando a miséria se alimenta dos meus olhos
E na minha boca vejo o esqueleto da fome
Morro
Morro feliz porque deixei de sonhar
E amar
E cessaram em mim todas as orquídeas
E cessaram em mim todos os horrores…

A manta de solidão

Sempre vivi embrulhado a uma manta de solidão, sempre
- Porquê a mim? Tive sorte,
Que alguém entra na minha vida crescem raízes de vergonha, sempre que desce a noite sobre a seara do amor alguém sente vergonha de como eu sou e vivo, mas não me importo, não me importo porque a minha miséria pertence-me, herdei-a à nascença nas ruas de luanda,
O velho Armindo às voltas com a roda dos dias e das horas e dos minutos e dos segundos, coitado, o velho Armindo esqueceu-se da manivela das horas
- Porquê a mim?,
E nasci às sete horas e trinta minutos, quando tenho a certeza que se não fosse a inércia do velho desdentado e coxo e agarrado à próstata,
- Tive sorte,
Eu tinha nascido ao meio dia em ponto, e a parteira no intervalo das torradas e café com leite,
- Puxe Puxe que está quase,
Fiquei entalado entre as sete horas e vinte e nove minutos e as sete horas e trinta minutos, esfrego os olhinhos e ouve-se a minha primeira caralhada
- Só mais um pouco Puxe com força…
Foda-se,
A parteira encolhe os ombros e de volta às torradas e café com leite tropeça no meu pai quase a desfalecer,
- É um menino,
É gorducho e malcriado,
- Olha… Desmaiou Deve ser da emoção,
Os cigarros transpiram e dissolvem-se-lhe na algibeira da camisa, que alguém entra na minha vida crescem raízes de vergonha, sempre que desce a noite sobre a seara do amor alguém sente vergonha de como eu sou e vivo, mas não me importo, não me importo porque a minha miséria pertence-me
- É minha e É minha e É minha,
Herdei-a
- Estás a dormir Armindo? E que não Não estou a dormir apenas descanso os olhos…
Pertence-me porque herdei-a nas ruas de luanda quando sentado na esplanada do Baleizão um aglomerado de silêncio embateu contra a esplanada, o meu pai desfaleceu e tombou sobre o pavimento térreo do musseque,
- Era domingo e estava sol
Herdei-a não se cansava de gritar o gorducho remelado à porta do púbis e a proferir insultos à parteira,
Foda-se,
- E às sete horas e trinta minutos
Onde estás Armindo?
- E às sete horas e trinta minutos procuro a janela da maternidade e olho pela primeira vez a cidade, e os machimbombos de mão dada a borboletas encarnadas e caracóis loiros, como as gajas de Cais de Sodré, sentadas em mesas imaginárias à pesca de taças de champanhe e copos de uísque,
Armindo
- O primeiro cálice da noite o primeiro cigarro da noite o primeiro desejo da noite E pergunto-me, Porquê eu?,
Tiveste sorte Responde-me o velho Armindo,
- Que alguém entra na minha vida crescem raízes de vergonha, sempre que desce a noite sobre a seara do amor alguém sente vergonha de como eu sou e vivo, mas não me importo, não me importo porque a minha miséria pertence-me, herdei-a à nascença nas ruas de luanda,
Se te fosses foder Armindo…

(texto de ficção)

Fingimento de amar

Deixei de acreditar no amor
E nas pessoas que fingem amar
Deixei de acreditar

Deixei de acreditar no amor
E na insónia
Deixei de acreditar

Deixei de acreditar no amor
E nas pessoas que fingem amar

Deixei de acreditar

Um círculo com olhos verdes