sábado, 24 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Aos poucos

Aos poucos
Fogem de mim as palavras
E morrem todos os sonhos
Aos poucos cessam em mim os rios e as montanhas
As árvores e os pássaros
Aos poucos
Escondem-se no mar as cinzas do meu corpo
E dos meus olhos os ramos da madrugada
Onde suspendo a minha cabeça

Aos poucos
Morro em cada pedacinho de silêncio
Nas linhas cruzadas de uma amarrotada folha de papel
Onde embrulho as lágrimas da noite sem estrelas

Aos poucos
Fogem de mim as palavras
E as cores dos meus sonhos travestem-se de negro
Nos muros clandestinos da saudade

E aos poucos
Sinto que desapareço no interior do fumo da tarde
Antes de adormecer
Depois de me olhar ao espelho

E no meu rosto pequeninos grãos de areia
E nas minhas mãos
E nas minhas mãos fatias de xisto
E migalhas de tristeza

Sobre a mesa de um jantar inventado

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Ilhargas do infinito

No fim da rua sem saída
Uma mesa e quatro cadeiras esperam por mim
Um rio amarrotado nas ilhargas do infinito me alcança
Como se eu fosse um pássaro doente
Ou uma criança
Como se eu fosse a sombra do jardim
Quando me olha e mente
E ao espelho da noite vejo a minha vida

Sem vida
No fim da rua sem saída
Três vultos invisíveis deitados na calçada
Antes de adormecerem
Fingindo viver
Viver sem madrugada

Fingindo sentados nas três cadeiras
À roda de uma mesa ensonada
Sem vida no fim da rua
Sem saída
Sem nada

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

As insónias do senhor Frutuoso



Dogma House
Leeuwarden, Netherlands


Um dia perceberás que esta casa não me faz feliz, que o dinheiro também não me faz feliz, um dia, um dia perceberás,
- Porquê Frutuoso?,
E tenho Insónias no casebre na montanha junto à ribeira como as terei certamente nesta casa, e um dia, um dia perceberás que cresci assim,
- Assim Miserável?,
Miserável dizes-me tu quando vem a noite e o silêncio ausenta-se de mim e não há dinheiro que chegue nem esta casa para trazerem-me de volta o barulho das palavras contra a mesa-de-cabeceira, ou quando abro a janela do casebre e ao longe vejo as nuvens docemente e sem pressa na minha direção, e ao longe o acenar de um petroleiro que desce o tejo até às profundezas da noite, a minha garganta abre-se e sinto o cheiro do inverno a degolar-me antes de adormecer, Percebes?
- Não Frutuoso Não percebo,
Um dia perceberás que esta casa não me faz feliz, que o dinheiro também não me faz feliz, um dia, um dia perceberás,
Que cresci habituado a meia dúzia de moedas na algibeira e com a cabeça recheada de sonhos, e com a cabeça sempre suspensa nas árvores quando caminho,
- Sim Frutuoso Quando caminhas…,
Quando caminho desesperadamente só e sobre o meu peito escrevem-se as lágrimas da solidão, e o sorriso das mangueiras não me deixam adormecer, e o meu triciclo às voltas e às voltas e às voltas na sombra das mangueiras,
- Porquê Frutuoso?,
E o meu quintal começa a inchar e ergue-se em direção ao sol, e chove, descem piedosamente finíssimas gotas de suor de um corpo mergulhado em desejo, o algodão doce que um cigano tenta impingir a miúdos distraídos evapora-se entre as sandálias do vagabundo e os anéis de um miserável,
- Um daqueles peneirentos que acredita que ter dinheiro é ter tudo?,
Acreditar não, É a verdade e tu sabes isso Um dia perceberás que esta casa não me faz feliz, que o dinheiro também não me faz feliz, um dia, um dia perceberás,
- E o que te faz feliz?,
Só o saberei depois de me explicarem o que é a felicidade, quando caminho desesperadamente só, às voltas na sombra das mangueiras e o cigano às apalpadelas nas sandálias do vagabundo quando percebe que o peneirento lambe o algodão que sobejou junto aos anéis,
- Não Frutuoso Não percebo,
O miúdo distraído choraminga ao imaginar o petroleiro que desce o tejo até às profundezas da noite, a garganta do miserável abre-se e o cheiro do inverno a degolar insónias antes de adormecer, Percebes?
- Não Frutuoso Não percebo,
Nem eu.

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Barco fantasma

Há um barco estacionado no infinito
Pacientemente à minha espera
Há um barco com asas
E sorriso nos lábios para me levar

Há um barco zarolho
E com os braços a sangrar
Desejos nas paredes de vidro
Impaciente para me levar

Há um barco estacionado no infinito
Com âncoras de madeira
E pedras preciosas nos dentes
Um barco pacientemente à minha espera

Há um barco mendigo
Sentado à porta da igreja
Um barco para me levar
Até aos confins do invisível

Há um barco com asas
E sorriso nos lábios para me levar

Um barco fantasma
Doido nos corredores da enfermaria
Que passeia e passeia e passeia
Num cubículo de miséria

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

THE SEA



Tudo começou quando me ofereceram este livro THE SEA – Project manager and edotorial director “Valeria Manferto de Fabianis” WHITER STAR PUBLISHERS, em Lisboa a 9 de maio de 2004,

O mar,

Adosinda vestida de caravela alisava o vento com os lábios e ao fundo do corredor a janela com vista para o tejo depois de inúmeros arbustos e árvores e crianças e flores e o fim do cais,
O jardim de Belém emagrecia e chorava num sábado mergulhado em despedidas e promessas de regresso e promessas de ausência,
O mar enrodilhava-se nas mãos finas de Adosinda vestida de caravela e o mar começava a desaparecer pelas sombras das árvores que pacientemente esperavam o almoço e enquanto o almoço não acordava, as árvores Desenhavam caravelas iguais a Adosinda sobre as folhas de papel que vagueavam na planície inventada, Adosinda sorria e acenava com a mãozinha, nos olhos viviam estrelas de marfim e silícios de espuma, e o mar,
- Confesso que fiquei sem palavras ao ler esta estória Oiço a minha voz nas frestas da parede depois de poisar a caneta sobre a secretária, e pergunto-me porquê?, Adosinda só conheci a minha tia rabugenta e que de vez em quando me dava cinco escudos, e o mar há muito deixei de o ver e sentir e cheirar, agora folheio The Sea e o mar entra-me dentro do corpo, e nunca vi caravelas e de Belém apenas recordo uma noite de setembro quando eu criança regressava de Luanda e junto ao padrão dos descobrimentos um magala fumava cigarros e sorria como um louco para as gaivotas suspensas no teto da casa de banho,
E nos olhos o mar, e nos olhos os cinco escudos que um miúdo pegava religiosamente e descendo a rua em passo acelerado os cambiava por cromos na papelaria grifo,
- Que estória tão parva para um sábado em Belém, e é como lhe digo De Belém apenas quando regressei de Luanda e lembro-me como se fosse hoje eu pendurado na grade e ver Belém a adormecer e o magala a fumar cigarros,
Adosinda vestida de caravela alisava o vento com os lábios e ao fundo do corredor a janela com vista para o tejo depois de inúmeros arbustos e árvores e crianças e flores e o fim do cais,
- O velho grifo pegava-me na mão e embebia-me de rimas, o João comeu arroz com feijão e mais o mão, agora Adosinda só conheci a minha tia e que de quando a quando me dava cinco escudos, Acredite em mim nunca estive em Belém em 1988 nem em 2004 e o mar, e o mar depois de regressar de Luanda só quando folheio o The sea,
Em despedidas e promessas de regresso e promessas de ausência que entre os fios de cinza de um cigarro desapareceu para sempre,
- E é verdade é o que eu lhe digo Nunca estive num sábado em Belém dia 9 de Maio de 2004, Claro que não esteve porque dia 9 de maio foi um domingo, Vê? Vê como eu tinha razão,
- Que estória tão parva para um domingo em Belém, e é como lhe digo De Belém apenas quando regressei de Luanda e lembro-me como se fosse hoje eu pendurado na grade e ver Belém a adormecer e o magala a fumar cigarros,
O mar enrodilhava-se nas mãos finas de Adosinda vestida de caravela e o mar começava a desaparecer pelas sombras das árvores que pacientemente esperavam o almoço e enquanto o almoço não acordava Adosinda com olhos de marfim ou de estrelas ou de noite,
- Chorava,
E que não, e que nunca estive em Belém nesse dia.

(Texto de ficção)

Rio vadio

As nuvens adoram-me
Desejam-me
As nuvens que poisam na minha cabeça
E me cobrem
E me escondem debaixo dos candeeiros da manhã
Desejam-me
E cobrem-me
As nuvens pintadas de negro
Junto a um rio descolorido
Sem estrelas
Sem dezembro para sonhar
As nuvens que poisam na minha cabeça

E me escutam
E me olham
E desejam

Sem dezembro para sonhar
Tenho as nuvens negras
Junto a um rio descolorido
Vadio
Sonâmbulo amarrotado nos canaviais
Me cobrem e olham e desejam e se fundem nas minhas mãos

As nuvens que poisam na minha cabeça.

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Jardim dos beijos

Oiço as tuas lágrimas antes de adormecer
Poisadas silenciosamente sobre o meu peito
Oiço a noite a crescer
Quando o mar sem jeito

Quando o mar me entra pela janela
E se deita no teu corpo de poema
Oiço a noite a crescer nos lábios de um barco à vela
No vento da minha cama

Oiço a noite nos teus olhos em palavras de sofrer
Rasgando-te em desejos
Oiço a noite a crescer

Quando o mar sem jeito galga a minha mão
E no jardim dos beijos
O teu amor acorda o meu coração.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Flores parvas

Todas as flores são parvas
E parvas são as minhas palavras
Quando comidas por abelhas gananciosas
Depois do almoço

Das flores parvas
Nascem as minhas palavras parvas
Que um parvalhão
Semeia na ardósia junto à ribeira

E eu
E eu sou tão parvo como as flores parvas
Porque semeio as minhas palavras
Porque sou eu o parvalhão
Sentado numa pedra
A olhar as flores parvas e as abelhas gananciosas

A comerem as minhas palavras
Que substituíram por pão
Depois do almoço

Malditas flores parvas
Que comem as minhas palavras
Parvas
Que eu semeei na ardósia junto à ribeira

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Prisão

Roubaram-me o sorriso
E acorrentaram-me à solidão
Fizeram das ruas um corredor sem juízo
E das janelas um sonho sem coração

Roubaram-me o mar
E as palavras que tinha para escrever
Fizeram das ruas um cemitério sem luar

Fizeram das ruas uma noite para esquecer
Roubaram-me o amanhecer
E a vontade de amar

Roubaram-me o sorriso
E acorrentaram-me à solidão
Fizeram das ruas um corredor sem juízo
E das janelas uma prisão

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A janela do meu olhar

Estou triste
Muito triste
E ninguém para me ouvir
Ninguém e ninguém para me abraçar
Estou triste
Muito triste
Sinto-me um pedacinho de merda
Que toda a gente passa sem pisar
E toda a gente e toda a gente tem medo de tocar
Estou triste
Muito triste
E nem o vento e nem o mar entram pela janela do meu olhar…

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

E o que são pássaros?

Entretenho-me sentado numa pedra a escrevinhar pontos de luz na paisagem adormecida e triste e cansada que desce a montanha e sobe o meu corpo até desaparecer no teto da saudade,
Entretenho-me a chamar os pássaros poisados nas árvores doentes no outono cortinado que suspende os sorrisos da manhã, e eu deixe de saber, quando os pássaros fingem voar e todos eles mortos junto ao rio, e eu entretenho-me sentado numa pedra, a escrevinhar pontos de luz e a desenhar marés no pôr-do-sol, e quando descem montanha abaixo as nuvens emagrecidas pela tempestade, eu, eu fico sem saber o que fazer, e não faço nada, entretenho-me a contar os pássaros,
- Hoje não pássaros para contar, queixa-se o meu corpo no ranger de ondulações e pontos de luz e lâmpadas abandonadas no contentor da despensa, na parede da cozinha o calendário despido com uma mulher despida, e sempre me recordo de ver a mesma mulher e sempre me recordo de ver os dias iguais abraçados a semanas iguais, e as horas,
E as horas engasgadas na penumbra chaminé da garganta do tejo, entretenho-me sentado numa pedra a escrevinhar pontos de luz na paisagem e a contar os pássaros.
- Pergunto, Pássaros? E o que são pássaros?
Pontos de luz que voam e se escondem nas coxas das palmeiras, pensava eu,
E pássaros não pontos de luz, e pássaros não rabiscos que brincam nas costas da maré até desaparecerem nos lábios das gaivotas apaneleiradas e que se passeiam junto ao Jerónimos,
- Pássaros, pensava eu, pontos de luz, e uma sombra desce vagarosamente as pálpebras do automóvel de luxo e em sorrisos e com sôfregos acenos nos candeeiros Filho vai uma voltinha?, Entretenho-me sentado numa pedra a escrevinhar pontos de luz na paisagem adormecida e triste e cansada que desce a montanha, e finjo que não oiço as vozes que acordam dos automóveis de luxo, e tropeço na pedra onde me sento e entretenho-me a contar os pássaros,
Confesso que não sei o que são pássaros,
- Pássaros, pensava eu, Vai uma voltinha filho?, e corria em direção ao tejo e deixava de sentir o chão debaixo dos pés, e imobilizava-me e fazia esforços desgovernados para perceber porque os pássaros me queriam comer, se eu,
Se eu tão pouco sabia o que eram pássaros, perguntava-me, O que são pássaros?,
- Pontos de luz embriagados no desejo de corpos que vagueavam nos jardins de Belém, e eu corria e eu corria até que percebia que o chão se tinha evaporado e eu sossegado dentro do tejo a contar pontos de luz e rabiscos no céu-da-boca de um paquete que regressava de Luanda,
Deixei de me entreter e sentar-me numa pedra a contar pontos de luz e a imaginar pássaros dentro de automóveis de luxo com voz de centeio ao cair da noite, e deixei de fumar cigarros e deixei de viver,
- Vai uma voltinha filho?, Filho da puta respondia-lhe eu enquanto assustava os pássaros poisados nos arbustos dos jardins de Belém, o rio começava a encolher sobre a toalha do jantar, a mesa abria os braços, eu abria os braços, e os pássaros, e os pássaros que ainda hoje não sei o que são,
- Os pássaros em coro de igreja a gatafunhar nas paredes do fim de tarde que me amavam,
E hoje, e hoje sem saber o que são pássaros, e hoje odeio os pássaros que Pássaros?, pensava eu, pontos de luz, e uma sombra desce vagarosamente as pálpebras do automóvel de luxo e em sorrisos e com sôfregos acenos nos candeeiros Filho vai uma voltinha?,
- Filho da puta respondia-lhe eu enquanto assustava os pássaros poisados nos arbustos dos jardins de Belém, Entretenho-me a chamar os pássaros poisados nas árvores doentes no outono cortinado que suspende os sorrisos da manhã, e eu deixe de saber, quando os pássaros fingem voar e todos eles mortos junto ao rio,
E sentado numa pedra entretenho-me a olhar os carros de luxo a evaporarem-se no nevoeiro quando os pássaros fingem voar e todos eles mortos junto ao rio…

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

A minha vida

A minha vida
São linhas cruzadas suspensas na tela da solidão
Cores magoadas nas noites de tristeza
Quando abro a janela e nenhum sorriso à minha espera
A minha vida
A sombra complexa dos plátanos do outro lado da rua

A minha vida
Sem vida
Sem janelas
Nem telas
Nem cores…
A minha vida são linhas cruzadas suspensas na tela da solidão

Dois carris junto ao tejo
E um livro na mão

A minha vida
Sem vida
Sem janelas

A minha vida quando se transforma em maré
E engole os barcos da saudade
E mastiga os papagaios de papel das tardes de Luanda…
A minha vida
Maldita vida de linhas cruzadas
Numa tela vazia sem janelas sem portas com cores magoadas

A minha vida acorrentada às sombras do tejo
Numa esplanada amarrotada em copos de cerveja
E miúdas de minissaia que apressadamente galgam o vinte e oito
Desaparecem entre as nuvens da madrugada
Acordam na claraboia do sótão da primavera
E é assim a minha vida

Uma merda complexa disfarçada de plátanos
Do outro lado da rua
E uma esplanada amarrotada em copos de cerveja
Evapora-se no púbis do tejo

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

domingo, 18 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

As tuas mãos transparentes

Sinto as tuas mãos transparentes
Quando poisam no meu rosto invisível
Sinto a tua voz
Amarrotada nos gemidos da noite
E se fixam aos meus lábios
Quando uma pétala de rosa
Voa sobre o silêncio engasgado da madrugada
E um rio solitário acorda em mim

E sinto as tuas mãos transparentes
Que chapinham no rio
As tuas mãos transparentes
Quando ancoram no meu peito de rocha cansada

Da tua voz
Os gemidos amarrotados da noite

Quando ancoram no meu peito de rocha cansada
As tuas mãos transparentes
E sinto
A tua voz
E sinto
As tuas mãos transparentes
Na vidraça do pôr-do-sol
Quando em mim se erguem os plátanos que leem poemas junto ao mar

O rio solitário esconde-se nas tuas mãos transparentes
E no meu rosto invisível
Sinto a tua voz
E no meu peito de rocha cansada
A vidraça do pôr-do-sol
Tomba na sombra dos plátanos

Que leem poemas junto ao mar