francisco luís fontinha
Quando o mar entra pela janela, e de um livro, e de um livro sussurram as palavras da noite…
terça-feira, 16 de agosto de 2022
domingo, 14 de agosto de 2022
Gladíolos
Percebia que nos teus braços
Habitavam as andorinhas
da Primavera,
Como habitam em mim,
As palavras que os teus
lábios
Vomitavam na triste
alvorada;
Percebia que nos teus
braços
Brincavam as sílabas
cansadas do luar,
Enquanto nas ribeiras,
Nas palavras do infinito,
Existiam as manhãs
cansadas,
Que nas primeiras horas
da madrugada
Desciam às vozes roucas
da solidão.
Hoje, percebo que o corpo
em dor
É um pedacinho de nada
Em direcção mar,
Em perpétuo silêncio.
Percebia que nos teus
braços
Um menino traquino
sonhava
Com as marés de um jardim
Construído sobre a sombra
das mangueiras endiabradas…
E percebia que nos teus braços
Eu bebia todos os poemas
Que nas árvores dançavam,
Como dançaram num quarto
escuro
Os gladíolos das tuas
mãos.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 14/08/2022
quarta-feira, 10 de agosto de 2022
domingo, 7 de agosto de 2022
Do silêncio voar
Ergue-te do silêncio de voar,
Ergue-te das palavras que
semeias
No corpo da tua amada;
Ergue-te das sombras da
madrugada
E das marés onde vagueias…
Ergue-te, ergue-te do
sorriso mar.
Ergue-te das planícies de
adormecer,
Ergue-te da noite e do
luar
E das estrelas cansadas,
Ergue-te das tristes madrugadas
Onde escreves as palavras
de amar…
Ergue-te enquanto o amor
viver.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 07/08/2022
sábado, 6 de agosto de 2022
Da saudade os abraços teus
Se me morres
Eu morro de saudade,
Se partires
Eu voo em direcção ao
mar,
Se olhares o luar
Eu escrevo no teu corpo
de bálsamo adormecido,
E se me abraçares…
Bom…
Eu finjo ter morrido.
Se me morres
Eu desenho na tua sombra
O infinito adormecer,
Se me beijares
Eu serei o teu poeta das
manhãs envenenadas pelo silêncio…
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 06/08/2022
quinta-feira, 4 de agosto de 2022
O arco-íris dos peixes
Tão triste,
As paisagens que poisam
na tua mão e desconhecem as palavras da madrugada; tão triste, quando percebo
que no teu olhar habitam as primeiras chuvas invisíveis das noites escondidas
pelas nuvens em poesia,
E do teu sorriso, a
tristeza dos Invernos quando descia pelas sombras do amanhecer a penugem manhã,
quando sabíamos que lá fora, junto ao rio, existiam as palavras desenhadas pela
tua mão cansada, existiam as palavras inventadas pela tua boca sonolenta e, no
entanto, as cinzas dos teus ossos vagueavam pelo corredor apilhado de livros,
revistas e vinis…, tão triste, mãe,
As músicas envenenadas nas
telas desmaiadas, as palavras cintilantes dos vinhedos sombreados, tão triste,
mãe
As paisagens.
Que poisam na tua mão e
desconhecem as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação intelectual dos
pássaros, tão triste mãe,
A morte,
Quando vínhamos das
silenciadas montanhas e não sabíamos que sobre as árvores, e não sabíamos que
junto à lua, tão triste, mãe,
Viviam todas as cores do arco-íris
e que todos os peixes sofriam nas tuas lágrimas. O poema, aos poucos,
suicidava-se nos teus cabelos, mas do outro lado da rua, pertinho da pequena
árvore da solidão, brincavam os meninos de papel que ainda ontem eram apenas
cadernos quadriculados,
Tão triste, mãe,
O vento quando se enforca
nas árvores, tão triste,
O pai não saber voar.
E quando poisavam na tua
mão, desconheciam as palavras da madrugada, tão triste, a masturbação
intelectual dos pássaros, tão triste, mãe, as tristes madrugadas de insónia,
Porque eramos apenas
invenção do sono.
Do rio, os barcos
cinzentos das esplanadas avançavam contras os rochedos e ouvíamos as palavras
das pequenas pirâmides de areia. A maré, entre saudades e sonos trocados,
estacionava-se juntinho á tua lápide…
Até que o rio desparecia
no horizonte. Tão triste, mãe
Quando um filho pinta as
lágrimas da noite nas pequenas vidraças da saudade.
Assim sendo, que chova e
te leve até ao distante luar; tão triste, as palavras inventadas pela tua boca.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 04/08/2022
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
O zincado medo das sanzalas de prata
Finíssimas lâminas de luz
atravessavam o teu corpo habitado pelas gotículas incineradas que a madrugada
poisava e num ápice silencioso, à velocidade do desejo, voavam depois sobre as
marés lindas de Inverno; um barco apaixonado rodopiava nos teus seios que da
tela acabada de acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia
da saudade…
Amo-te.
Amo-te, não percebendo o
infame desejo que nas mãos do artista vive a insónia construída de luz e fogo.
Não sabíamos que nos candeeiros a petróleo que brincavam no atelier, alguns
deles, perfeitos anormais, existiam as cansadas estrelas da alvorada, quando lá
longe, alguém pestanejava ao silêncio teu corpo quando ainda menino, inventava
corridas á volta da lareira.
Tínhamos a fome do desejo
e a dor do prazer; as palavras desciam pela tua pele como se fossem pedacinhos
de chuva sobre o zincado medo das sanzalas de prata, e mesmo assim, amavas-me,
e mesmo assim, tínhamos entre mãos todos os poemas da cidade.
Pincelada pela noite
anterior, escrevia na fina areia da saudade os gemidos magnânimos dos pássaros
em cio, quando sabíamos que um dia a saudade seria apenas algumas folhas em
papel, cansadas pelas tempestades dos tristes sorrisos de Primavera, distantes
dos infelizes abraços que a noite transportava para o rio.
Amanhã, a sanzala grita
Das lágrimas invisíveis
dos tons de oiro que poisavam no teu cabelo, percebia-se que a cidade
fervilhava como fervilham os sexos junto ao mar, assim que acordávamos,
ouvíamos os belos socalcos do Doiro, entre rabelos e sombras de enxada nas mãos
calejadas da madrugada.
Amanhã, a sanzala grita
como gritam os teus braços quando se alicerçam aos distantes luares que uma
infância aprisionou antes do nascer do sol. A vontade de correr ficou
estacionada perto da ponte metálica que servia de esconderijo quando eramos
atacados pelos famintos pássaros que transportavam os desejados poemas em
pequenas quadriculas num qualquer papel de parede; morríamos.
Hoje, somos pedaços de
nada.
Que da tela acabada de
acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade…
Amo-te, sabendo que ontem
tinham morrido todos os riscos deixados sobre a areia da infância.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 03/08/2022
sexta-feira, 29 de julho de 2022
Olhar em despedida
Trazias no olhar
A espada cansada da
guerra
Que os meninos em
brincadeira
Desenhavam na sonâmbula
alma
As tristes palavras da
alvorada,
E tu, em gritos pedaços
de neblina
Dançavas sobre a água
calma do rio
Sem perceberes que em cada
luar
O uivo grito se
alicerçava aos teus ossos
De poeira esbranquiçada.
Trazias no olhar
As lágrimas da mentira
envenenada
Que não sabia voar…
Que não sabia nada.
Trazias no olhar
A saudade,
A dor triste oiro
Nos braços da madrugada;
Trazias no olhar
A espada cansada da
alvorada,
Enquanto os meninos em
brincadeira
Escreviam na tua mão
As palavras em despedida;
Trazias no olhar
A dor fingida da partida.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 29/07/2022
quinta-feira, 28 de julho de 2022
Saudade
E não sabíamos que tinhas nos olhos
Uma lágrima de luz
Quando o teu cabelo voava
sobre o mar
Depois de morrerem todas
as gaivotas
E não sabíamos que nas
tuas mãos
Habitavam silêncios de
dor
Travestidos de luar.
E não sabíamos quando
vinha da montanha
A solidão empunhando uma
enxada
Depois sentava-se ao teu
lado
Até que as flores do teu
peito
Murchavam.
E não sabíamos porque os
espelhos
Da caverna onde te
escondias
Dormiam durante o dia;
Porque da noite
Erguiam-se as sombras
envenenadas
Pela solidão absorvida nas
tuas palavras
Gemias.
Gritavas silêncios de dor
Como gritam as crianças
quando acordam
Nos seios de sua mãe. E não
sabíamos
Que dentro de ti, à
meia-noite, um rio de luz
Descia o teu corpo…
E não sabíamos que hoje
Vives neste meu corpo
despedaçado
Enquanto uma pedra de
ninguém
Flutua sobre a cidade;
Porque nunca soubemos
O que é a despedida.
Alijó, 28/07/2022
Francisco Luís Fontinha
quarta-feira, 27 de julho de 2022
Trinta dias fingidos
Trinta
dias esquecidos
Nos
trinta dias vividos,
Eram
trinta dias sofridos
Dos
trinta dias adormecidos,
Trinta
dias doridos
Nos
restantes trinta dias sentidos,
Eram
trinta dias pensativos
Nos
trinta dias perdidos,
Tantos
trinta dias cansativos
Quando
existem outros trinta dias emagrecidos,
Eram
trinta dias permitidos
Nos
trinta dias trazidos,
Trinta
dias pretendidos
Enquanto
os trinta dias decorridos
São
trinta dias hauridos,
Trinta
dias indeferidos
Que
dos trinta dias pruridos
Trinta
dias são cumpridos
Em
trinta dias auferidos;
Que
se fodam os trinta dias geridos
Nos
trinta dias inseridos,
Tenho
tantos trinta dias fodidos…
Que
nos dias trinta áridos
Tenho
os trinta dias incorridos,
Nos
trinta dias exercidos.
Trinta
dias aderidos
Enquanto
adormeço os trinta dias incorridos…
Trinta
dias supridos
Dos
trinta dias garridos.
São
trinta dias do caralho ocorridos
E
outros trinta dias devidos;
Que
se fodam os trinta dias fingidos
Dos
trinta dias convertidos.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
27/07/2022
(Desenho
de Francisco Luís Fontinha)
terça-feira, 26 de julho de 2022
Duzentas mil palavras
Tínhamos duzentas mil palavras sem razão
E uma espingardada de
desejo,
Tínhamos a voz incendiada
da madrugada
No cortinado beijo,
Tínhamos na mão a triste
enxada
No grito de uma canção,
Tínhamos o silenciado
Cansaço dos socalcos ao Douro
mergulhado,
Tínhamos a luz em demanda
tristeza
Correndo montanha abaixo,
Tínhamos o rio crucificado
Na paisagem beleza,
Da paisagem alimento.
Tínhamos a uva invisível
amanhecer
Que entre mãos emagrecia,
Tínhamos as palavras de
escrever,
Tínhamos a alegria…
Tínhamos duzentas mil
palavras sem razão
Nos seios teu maldizer,
Tínhamos poesia,
Tínhamos as flores em
papel cremado
Nas cinzas que ele sentia…
Tínhamos as duzentas mil
palavras de viver,
No viver encarcerado,
Do viver adormecido.
Tínhamos o vinho lunar
No poema desamado,
Tínhamos no corpo
escondido
A lâmina triste mar…
Deste vinho embriagado.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 26/07/2022
Fotografias e pedacinhos de saudade
Nasci, logo em seguida o meu pai inventou o sono e a paixão. Numa pequena caixa de sapatos, onde guardava as recordações da breve estadia no ex Congo Belga, fotografias e pedacinhos de saudade, colocou as minhas primeiras palavras; a cidade é o cansaço quando o transeunte tropeça na calçada que tem janela para o mar e onde muitos meninos brincavam com barcos em papel e nuvens coloridas e sanzalas de prata onde habitava o silêncio que transportava as pequenas palavras do menino…
É tão pequenino, senhora
enfermeira!
E diziam que voava em
todos os finais de tarde. Depois, de gatinhar em gatinhar, de sombra em sombra,
o dito menino começou a construir sorrisos nos lábios da mãe e a desenhar traquinices
no olhar do pai.
Tínhamos no quintal
galinhas, pombas e mangueiras, onde, debaixo destas, por vezes, dormiam os
sonhos que regressavam da baía depois de contornarem as palmeiras que hoje são
apenas cortinados entre o hoje e o ontem; eramos felizes.
Nasci, logo em seguida o
meu pai inventou o sono e a paixão, depois inventou a noite, as estrelas, os
musseques, as palavras, o cacimbo, o capim… e por último, o beijo. Sabia que um
dia, talvez ontem, talvez amanhã, nasceriam gladíolos pincelados de orvalho,
depois, quando acordasse o despertador que habita na mesinha-de-cabeceira, a
voz da tristeza iluminaria a secretária onde brincam, o meu pai e a minha mãe e
dizem-nos que é a vida.
É a morte, digo eu. As pombas
talvez ainda façam voos rasantes junto ao Grafanil, quanto às mangueiras, essas
coitadas, alguma mão as assassinou apenas porque em todos os finais de tarde,
junto à noite, davam guarita ao menino dos calções que passava as horas a
inventar minutos de silêncio para mais tarde guardar dentro da pequena caixa de
sapatos.
Fotografias e pedacinhos
de saudade, colocou as minhas primeiras palavras; a cidade é o cansaço quando o
transeunte tropeça na calçada que tem janela para o mar e onde muitos meninos
brincavam com barcos em papel e nuvens coloridas e sanzalas de prata onde
habitava o silêncio que transportava as pequenas palavras do menino porque
durante a noite o desenho acordava e de janela em janela e de palavra em
palavra todas as sombras… hoje fotografias.
Acordava a manhã e o meu
avô Domingo passeava um velho machimbombo pelas ruas de uma Luanda prisioneira,
hoje, de algumas fotografias e cintilantes recordações; hoje, apenas
recordações. A Luanda, o avô Domingos, o meu pai, a minha mãe, a minha avó e apenas
o triciclo com assento em madeira teima em durante a noite fazer alguns passeios
no tecto da alcofa onde antigamente a minha mãe desenhava o mar.
Inventou o sono e a
paixão.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 26/07/2022
sábado, 23 de julho de 2022
Os pássaros da madrugada
Desciam as escadas enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e depois acordávamos entre os pássaros da madrugada e depois olhávamos a maré em tons de cinzento sem percebermos que a noite é a morte vestida de estrelas abraçada à dor que apenas o corpo consegue desenhar na madrugada porque de luas e percebes estávamos fartos de desenhar na alvorada ora porque diziam que estávamos mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes de acordarem os pássaros da madrugada?
És flor deste jardim construído
nos socalcos do desejo. Abro a janela do medo enquanto oiço as acácias que
brincam no teu corpo, depois, percebo que ninguém habita a tua mão onde deixo
ficar as minhas palavras como se estas fossem a despedida; o poeta vai partir
em direcção ao mar, porque neste porto apenas vagueiam barcos em papel e fotografias
da tua dor.
Desciam as escadas
enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e
depois acordávamos entre os pássaros da madrugada, sem percebermos que dentro
do círculo com olhos verdes, as palavras semeiam-se como se semeia o medo de
acordar junto ao velho plátano de uma infinita infância entre montanhas e
socalcos e seios de luz e lágrimas de luar; e aos poucos percebia da tua
respiração que em breve voarias como voam os pássaros quando percebem que o
silêncio é uma equação sem resolução. E que ainda hoje voas.
Diziam que estávamos
mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos
as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes
de acordarem os pássaros da madrugada, depois, ouviam-se as canções de
despedida embrulhada nas lágrimas que apenas o poema consegue descrever, quando
sentado num qualquer banco de jardim…
À dor que apenas o corpo
consegue desenhar na madrugada.
Nada mais.
E que ainda hoje voas.
Alijó, 23/07/2022
Francisco Luís Fontinha
terça-feira, 19 de julho de 2022
As gaivotas da minha infância
Um dia saberei onde
habitam as gaivotas da minha infância. Um dia vou desenhar os cheiros e sombras
da minha infância, depois, olharei o mar e lanço-me às marés da minha infância.
Um dia vou perceber
porque voava a mulher vestida de negro e que de nuvem em nuvem, em danças
vertiginosas, descia ao mar da minha infância, tal como eram as palavras da
minha infância. Diziam-me que o silêncio, quando acordava, era mau presságio, e
do outro lado do rio, ouviam-se as balas tristes que afoguentavam os homens da
minha infância; então um laminado sonoro de batuques mergulhava no capim húmido
da minha infância. Um alegre menino da minha infância chorava, o poema que
habitava do outro lado da rua, esse, nem chorava nem ria nem brincava nem dizia
nada. Porque quando nos silenciamos, aprendi hoje, os outros dizem tudo.
Um dia saberei porque
escreviam as gaivotas da minha infância na húmida terra mergulhada nos cheiros
da minha infância, porque hoje, o menino dos calções da minha infância é apenas
um esqueleto que de triciclo na mão, escrevia círculos lunares na esplanada da
minha infância. Vi o mar quando ainda dormia na barriga da minha infância e
quando ouvia as gaivotas da minha infância, corria para os braços da minha
infância.
Todos, incluindo o
chapelhudo, ouvíamos o silêncio da minha infância, porque da baía avistávamos os
barcos envenenados que o velho marinheiro, depois do almoço, levava a passear
pelo Mussulo; não sabíamos que do mar, às vezes, vinham as crianças da minha
infância de mão dada com as bonecas em trapos e em pedacinhos de riso, às
vezes, muitas vezes, queriam fazer-nos querer que rir era proibido.
E ouvíamos uma voz que
gritava; atira-lhes com poesia, porque os canalhas detestam poesia. Pudera.
Rir era proibido. E hoje
procuro as gaivotas da minha infância, enquanto as sombras da minha infância,
são equações complexas que na minha infância, em nada me serviam para fugir das
gaivotas da minha infância.
O grito.
Porra.
Porra e Deus queira que
amanhã chova como chovia na minha infância como gritavam na minha infância os
tristes mabecos como dormiam os embondeiros da minha infância como o chapelhudo
se erguia e transformava a minha infância em mar…
O mar que ficou lá.
E por cá, não gaivotas da
minha infância. E por cá não espingardas da minha infância.
Um dia saberei onde
habitam as gaivotas da minha infância onde jazem os ossos da minha infância como
os barcos da minha infância no musseque da minha infância onde o zinco dormia
depois das gaivotas da minha infância chorarem porque o mar da minha infância
desertou como desertaram os corajosos da minha infância.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 19/07/2022
quinta-feira, 14 de julho de 2022
A paixão dos peixes
Semeávamos o sono no
travesseiro teu corpo, depois abríamos a janela do teu sorriso com fotografia
para o mar, entre as marés teu desejo, a lua poisava nas tuas coxas de infinita
planície que apenas os peixes apaixonados percebem; até ouvíamos os pássaros
quando suspensos no teu cabelo, até percebíamos porque morriam as árvores
depois de envenenadas pelos pequenos lábios de beijo.
O desejo era imenso e o
mar estava tão longe. O teu corpo é uma sonâmbula jangada em algodão que flutua
em redor do escaldante sol, depois, pequenas gotículas de suor alicerçam-se à
tua pele como as finíssimas películas de geada sobre as plantas adormecidas.
Tínhamos as mãos acorrentadas à madrugada como se fossemos dois esqueletos em
aço, como se fossemos apenas sombras de nada descendo a montanha.
Sabíamos que o sono
alimentava o perfume dos teus gemidos quando a noite se embrulhava em ti como
se esta fosse a mão de Deus procurando as esplanadas da solidão que aos poucos
caiam sobre o mar.
Um café e uma torrada,
Ouvíamos os gritos da
enxada prazer desbravando a terra arável que o teu corpo desenhava no meu
peito, e entre pedaços de silêncio, ouvíamos os poemas de um tal Francisco
brincando sobre a secretária da saudade, depois mergulhávamos na tórrida água
do rio que lá longe, entre curvas e montanhas, entre horários desfasados e
conversas de amanhecer, acabava por se esconder na tua alegre mão; não sabíamos
o que a paixão fazia aos peixes, mas sabíamos que a nós, nos transformava em
pedacinhos de papel colorido.
Um café e uma torrada,
alguns livros e sons melódicos de um corpo em combustão.
Semeávamos o sono no
travesseiro teu corpo, depois abríamos a janela do teu sorriso com fotografia
para o mar, entre as marés teu desejo, sem perceber que da madrugada, um dia,
viria o silêncio dos teus lábios, a chuva se abraçava a ti.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 14/07/2022
sábado, 9 de julho de 2022
Porque amam as serpentes
Porque amam as serpentes
os vadios fantasmas do desejo, porque amam o silêncio os livros cansados do
beijo, porque amam as pedras as tristes madrugadas do luar… porque amam os
peixes as lindas canções de amar,
Porque morrem os
esqueletos do mar,
Porque vivem as flores do
meu jardim,
Porque amam os beijos o
mar
E o mar fugindo de mim,
Porque habitam nestas
pedras amaldiçoadas
Todos os versos do meu
cansaço,
Porque morrem as
madrugadas
Sem levarem o meu abraço,
Porque amam as serpentes os
vadios fantasmas do desejo,
Porque fogem de ti as
palavras em tesão,
Porque desenhas o teu
beijo
O teu beijo em minha mão,
Porque voam as manhãs sem
acordar
Depois de acordar o teu
sorriso,
Porque fingem gritar
Os gritos sem juízo,
Os gritos sem mar.
Porque dizem que sou
louco,
Do louco caminhar…
Porque dizem de tudo um
pouco,
O pouco sem acordar.
Porque choras as lágrimas
desejar
Neste complexo verso de
escrever,
Porque riem os pássaros
do mar
Do mar sem correr,
Do mar de dizer.
Porque caminhas na montanha
voar,
Se voar é liberdade…
Se voar é viver,
Se voar é a saudade
Da saudade sem morrer,
Da saudade de dançar,
Dançar sem esquecer,
Esquecer que no mar,
No mar se viver sem
querer.
Aos barcos que não deixo
voar,
Aos barcos que são a minha
solidão,
Dos barcos que quero
pintar,
Pintar com a minha mão.
Porque morrem os
esqueletos do mar,
Porque choram as lágrimas
de chorar.
Porque vivem as marés de
habitar…
Habitar nos teus olhos de
amar.
Porque amam as serpentes
os vadios fantasmas do desejo, quando além-mar,
Peço aos barcos que não
vejo, peço aos barcos de desenhar, sorrisos em construção, porque amam as
serpentes o beijo, o beijo tua mão…
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 8/07/2022
Criança mimada
Quando o beijo envenenado
Desce na tua boca em
delírio alimento,
Quando a espada sobre a
cabeça do condenado
Escreve o poema da
verdade;
Quando as flores levadas
pelo vento
Trazem as palavras da
saudade,
Quando acorda a manhã,
quando morre a madrugada.
Quando a tua sílaba
alicerçada aos teus seios madrugar,
É canção revoltada,
Quando trazes a mim o
desejo desejado
Que só a tua mão sabe
desenhar…
Neste meu corpo cansado.
Quando tudo isto
acontecer,
Quando o poema em
construção
Deixar de viver
E voar nas mãos de uma
criança mimada;
Então, terei o teu
coração
Que nunca mais irei
esquecer.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 8/07/2022
sexta-feira, 8 de julho de 2022
As sílabas da inocência
Éramos só nós. Trazíamos no
dorso a triste enxada da saudade, quando logo pela manhã, aos Domingos, íamos
visitar os barcos, que após uma longa noite de sono, aos poucos, acordavam como
acordam as palavras do poema quando este, depois de zarpar do cais, se abraçava
à baía que hoje, muitos anos depois, é apenas uma lágrima de sangue.
No Mussulo, escrevíamos na
lápide areia branca as palavras envenenadas que só o silêncio consegue ressuscitar,
após o almoço, um barco de espuma erguia-se da montanha do sono, aqui e ali,
sabíamos que os meninos de calções, aqueles que sobreviveram à noite, começavam
a voar em direcção aos sonhos.
São as lágrimas, quando o
teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, como a nobre e labirinta geada que
após o luar começava a poisar nas nossas mãos e, do teu rosto, os pássaros
sabiam que sobre as árvores, que sobre as marés infiéis dos distantes
musseques, os velhos ditadores, um dia, morreriam de tédio; amém.
Éramos só nós, trazíamos
na algibeira a revoltada fome que emergia das tristes mangueiras que depois das
chuvas, o cheiro da terra se impregnava nas roupas como dentes caninos da
solidão; éramos só nós. Éramos só nós quando o barco começou a distanciar-se de
uma cidade engolida pelo sono, que após passar a linha do equador e, em
pequenos engasgamentos, a orquestra limitava-se a escrever na espuma, as
sílabas da inocência.
São as lágrimas, quando o
teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, são as lágrimas que guardo no
peito, as tuas lágrimas das manhãs de cacimbo.
Alijó, 7/07/2022
Francisco Luís Fontinha
quinta-feira, 7 de julho de 2022
Estas almas mortas que dançavam em nós, querida libertina
Perdias-me enquanto o mar
entrava pela janela, e do silêncio das pedras, ouvíamos as palavras parvas das
tardes de orvalho. Sabíamos que da noite ressuscitaria o poema que anos mais
tarde se suicidaria nas velhas planícies das sílabas ensonadas.
E mesmo assim,
perdias-me.
Levantávamos as estátuas
embriagas que do jardim escutavam os gemidos nocturnos das marés em flor,
depois, dançávamos até que o luar descia madrugada abaixo e,
Dançávamos,
E víamos os barcos em
pequenas brincadeiras metalomecânicas que ainda hoje vagueiam nas esplanadas
que só o rio sabia desenhar.
Dançávamos,
Até que o teu esqueleto
de prata se fundia nas mãos do silêncio; acabava a noite quando lá longe, muito
longe, a corda da solidão percebia que seria o último beijo.
Estou aqui. Estou acolá. E
dançávamos até que acordava o penúltimo poema do desejo.
De pão, nada tínhamos. Mas
tínhamos as pedras para amar. Mas tínhamos nas mãos o testamento segundo o seu
último desejo; que nós fossemos sempre criança.
Crescemos, crescemos…
E ainda hoje somos
crianças de farrapos.
Perdias-me enquanto o mar
entrava pela janela, perdias-me enquanto a maré assassinava os teus seios numa
tela cansada de luz,
Amém,
Que hoje gritam as almas
mortas; assim seja, Nikolai Gogol. Que assim seja.
Porque dançávamos depois
do banho, quando o mar entrava pela janela.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 7/07/2022
terça-feira, 5 de julho de 2022
Madrugadas em flor
Não
sabíamos que a tempestade regressava da tua mão. Não sabíamos que em cada
sorriso, o teu, habitava uma pequena nuvem de desejo. Não sabíamos que as
pedras semeadas na superfície do teu corpo, as palavras entre parenteses,
depois de lidas, voavam em direcção às cansadas mãos do criador e, mesmo assim,
depois da chuva, levantavam-se do chão, em lágrimas, os silêncios nocturnos das
sanzalas adormecidas.
Tínhamos nas palavras
escritas, dentro de um pequeno cubo em vidro, as flores amarguradas das
distantes marés do paraíso.
Desenhava o teu corpo
sempre que a chuva descia montanha abaixo, depois, limitava-me a escrever no
chão húmido da alvorada a palavra amo-te,
Sabendo que em cada muro
da cidade,
Um grito em revolta.
Uma enxada vergada pelo
cansaço, uma flor em flecha contra o poema que nascia nas amoras em flor, ambas
envergonhadas, ambas desgovernadas pelo silêncio da tarde, desciam as escadas
da solidão, depois de partir a noite, acreditando que os poemas nasciam durante
as tempestades nocturnas sem luar.
E não sabíamos que a
tempestade regressava da tua mão. Não sabíamos que em cada sorriso, o teu,
habitava uma pequena nuvem de desejo que pé-ante-pé dançava nas escadarias que
apenas a solidão conservava para mais tarde fotografar; e tínhamos nas pedras,
nos anzóis da solidão, do pequeno parágrafo desalinhado, todas as tristes
madrugadas entre o desejo que abraçava o teu corpo e o beijo; ai o beijo,
menina!
Descias as madrugadas em
flor,
Descias as distantes
cinzentas manhãs de inferno,
Descias da boca, quando o
beijo mergulhava
Na solidão nocturna da
dor;
Descias às noites de
Inverno
Que no beijo dançava.
Ai o beijo, menina!
E tínhamos na algibeira o
silêncio entre gemidos e lágrimas, e tínhamos nos poemas a boca entre o beijo e
a alvorada, e tínhamos na mão, ou tínhamos no silêncio, as tempestades do infinito.
E tínhamos o beijo
embrulhado nas nossas bocas, quando envergonhadas, levitavam como um carrossel
em direcção ao olhar de uma criança.
Alijó, 5/07/2022
Francisco Luís Fontinha